top of page

Artigo conjunto - escolhas de 2023

6f5c06b1-cb90-4b11-93e7-5450958e2fe4.jpg

Sleep Token – Take Me Back To Eden


Os Sleep Token são uma das grandes revelações de 2023 dentro do espectro da música pesada. Já referenciados no Amplificador , onde foi abordado o secretismo que envolve os membros da banda e a fusão sonora que os caracteriza, neste texto o foco será o seu terceiro álbum Take Me Back To Eden (TMBTE).


Extremamente aclamado pela crítica, TMBTE, editado em Maio, era o álbum que os Sleep Token necessitavam de lançar para saírem da cena underground e catapultarem-se para os patamares cimeiros do heavy metal internacional. Apoiados pelas novas ferramentas digitais e por dinâmicas de promoção algo invulgares, a banda britânica começou a construir o hype que se gerou à sua volta através do rápido, e inesperado, lançamento dos singles deste novo trabalho.


“Chokehold” foi a primeira amostra do novo álbum. Uma introdução com um loop eletrónico hipnotizante a acompanhar uma linha vocal R&B de Vessel, extremamente expressiva, deixa-nos algo intrigados. A moldura sonora segue em crescendo com a junção de uma melodia tocada ao piano e de uma batida trap que desaguam num riff de guitarra djent e numa linha de bateria caracterizada por fortes batidas no bombo e no prato china. Por cima de todos estes elementos, ainda escutamos um coro de vozes etéreas. Confusos? Essa também foi a minha reação quando descobri os Sleep Token, precisamente com esta faixa. Mas, por cima dessa reação, houve outra que se sobrepôs, que foi o deslumbramento de conseguir discernir que toda esta amálgama sonora funciona de uma forma extremamente articulada e harmoniosa.


O single que se seguiu foi “The Summoning”. Esta, sim, foi a faixa que fez com que os Sleep Token explodissem e tudo se deveu ao facto da música ter-se tornado viral no Tik Tok. O motivo para tal popularidade está no inesperado breakdown funk/ R&B que sucede a uma ponte com contornos atmosféricos, isto depois de já termos escutado guitarras com distorção e afinações rebaixadas, dupla pedaleira na bateria e linhas vocais que vão do falsete ao berro. Em “The Summoning”, os Sleep Token conseguiram trazer para uma faixa de metal toda a sensualidade pop e R&B que encontramos habitualmente no repertório de artistas como Sam Smith e The Weeknd. “Oh, and my love/Did I mistake you for a sign from God? Or are you really here to cut me off? Or maybe just to turn me on" canta Vessel com um certo erotismo à mistura.


TMBTE continua por caminhos arrojados, com a leveza e sonoridade radiofónica, de faixas como “Granite”, “Aqua Regia” e “DYWTYLM”, em contraste com a agressividade de “Vore”, a reforçarem a ideia de que TMBTE não é um álbum destinado aos puritanos do heavy metal, mas sim a todos aqueles que, com ouvidos abertos, aceitam a continua evolução e fusão do género.


Essa mensagem subliminar parece ter passado; aliás, basta contabilizarmos os muitos ouvintes que tiveram o seu primeiro contacto com o heavy metal através dos Sleep Token, e particularmente com TMBTE. Ao vivo, foi também TMBTE que levou a banda numa ascensão meteórica. Concertos constantemente esgotados, upgrades de salas devido à elevada procura de bilhetes e os primeiros concertos de arena agendados para Dezembro demonstram bem que os Sleep Token já não são um produto do hype que se gerou no início do ano, mas sim uma confirmação.



Rodrigo Oom Baptista


 

Olivia Rodrigo - GUTS


Escrevendo sobre GUTS de Olivia Rodrigo está um homem relativamente privilegiado a vários níveis, mais próximo de uma crise de meia-idade que de um “teenage dream”, que não tem paciência para o grosso da arquitectura sónica da pop, que não é um Swiftie (e se o som de Taylor Swift vagueia pela voz de Rodrigo) e que seria tão ou mais condescendente para com os problemas retratados nestas canções do que as pessoas com quem esta “all-american bitch” tem de lidar.


Se me proponho a bater por este álbum como o melhor feito fora das nossas províncias (o melhor do ano e do planeta, creio, foi feito nas margens de Barcelos), algo pode estar errado comigo. “bad idea right?” Não estou a perguntar, estou a dizer: “bad idea right?” é a minha canção preferida do álbum. Querem dissecar o sapinho comigo? Anotem, por favor: conto verosímil e de elegante forma relatado, riff de baixo gostosão, um refrão bombástico, feedback de guitarra a responder aos versos como se a pop andasse a ler a história do rock.


Saltando para o mosh de “ballad of a homeschooled girl”, de novo aquele baixo enlouquecedor, um coro de aaa’s a que eu não consigo resistir, o galvanismo dos Nirvana trazido para uma festa do secundário (completem a frase: seems like…). Já que vos estou a fazer perguntas, quantas vezes se pode morrer? Sete, gato/a? “Each time I step outside / It’s social suicide”. Outro refrão perfeito em “love is embarrassing”, feito de completa dissonância, Avril Lavigne numa batida disco, um “stupid” de nojo líquido trazido por um “some weird second string / loser who’s not worth mentioning”. De novo Avril Lavigne invocada no início de “get him back!”, depois Lorde: o que acontece (“and then? and then?”) quando se volta a uma relação de merda?


Perturbadora em “lacy”: “Smart, sexy Lacy, I’m losing it lately / I feel your compliments like bullets on skin / Dazzling starlet, Bardot reincarnate”, capaz de dançar o vira em “vampire”, subvertendo um piano de acompanhamento de balada numa versão glitchy da “I Will Survive”. Numa palavra, fartinha de comer gelados com a testa, como em “pretty isn’t pretty”, música reminiscente da “Dreams Tonite” das Alvvays: “I chased some dumb ideal my whole fucking life”. Apaziguadora: “They all say that it gets better / It gets better the more you grow”. Ou talvez não? “but what if I don’t?”.



Francisco Fernandes


 

Filipe Sambado - Três Anos de Escorpião em Touro


Filipe Sambado já é um nome acarinhado na música portuguesa, com uma posição central na história da música independente de Lisboa durante a passada década. Com uma coleção de lançamentos impressionante (múltiplos destes aclamados pela crítica), trouxe-nos, no final de setembro, um novo álbum que facilmente fascina qualquer ouvinte.


Três Anos de Escorpião em Touro reúne 15 canções numa viagem de 49 minutos, cuja rota exibe paisagens sónicas minuciosamente construídas por Sambado, com o auxílio de Rodrigo Castaño e de José Mendes (Bejaflor). Agarra texturas e guitarras distorcidas de Vida Salgada (2016), a capacidade de síntese em canções pop de Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo (2018), e a paciência e exploração presentes em Revezo (2020).


É um disco inevitavelmente queer – reflete e acompanha a redescoberta pessoal de Filipe Sambado como pessoa não-binária, contada de forma única e honesta através de várias canções, nunca aborrecidas. Em “Laranjas/Gajos”, navega a sua relação após uma redefinição de identidade, ao cantar que “Ela gosta de gajos / mas gosta de mim”. A queerness do álbum acaba por se manifestar também na sua sonoridade. Da mesma forma que Sambado se encontra na não-binariedade por ser algo libertador, e não limitador, as suas músicas são igualmente difíceis de definir num género musical – ultrapassam a necessidade desta categorização. Passam por elementos de hyperpop, mostrando a capacidade de adaptação e evolução de Filipe Sambado, mas também por elementos de fado e música tradicional.


Desde a primeira faixa, “Frasco de Vidro”, percebemos que estamos perante um disco experimental. Somos presenteados com canções maravilhosamente surpreendentes, que num momento nos energizam (“Talha Dourada”, “Mania”, “Hecatombe”) e no seguinte  embalam, trazendo consigo lágrimas inevitáveis face à beleza, por exemplo, de “Cristais de Sono” ou “Faço Um Desenho”.


Se tudo isto não chegar para vos vender o incrível Três Anos de Escorpião em Touro, o álbum conta com colaborações em duas músicas: “Caderninho”, onde CONAN OSIRIS se junta a Sambado; e “Coro d’Enby”, para a qual foram ‘recrutados’ cantores não-binários (AURORA, Marianne, João Borsch, João Caçador, Larie, Lila Fadista, Maroskas, Ness, Rezmorah e Marinho).


Seis das faixas têm ainda vídeos musicais correspondentes a cada signo do mapa astral de Filipe Sambado, cereja no topo deste bolo tão íntimo e belo cozinhado pela artista que ultrapassa novamente as nossas expectativas. Três Anos de Escorpião em Touro será apresentado dia 16 de novembro no Lux Frágil (Lisboa) e dia 23 no CCOP (Porto).



 Afonso Mateus


 

Caroline Polachek - Desire, I Want To Turn Into You


Ela bem nos avisou: “Welcome to my Island / Hope you like me, you ain’t leaving”. Bem-dito, bem feito. Já me tinha enfeitiçado com Pang (sobre o qual já derramei tinta) e voltou a fazê-lo com Desire, I Want to Turn Into You. Falo de Caroline Polachek, um nome que não passa despercebido em nenhum radar e que voltou, logo no início do ano, a surpreender qualquer pessoa que ousou achar que esta artista não seria inventiva o suficiente para criar um novo mundo em Desire. Um conjunto vasto de um mundo seguido de outro, lírica e musicalmente sónico, misterioso e belo. Perfeitamente equilibrado entre momentos mais acústicos, etéreos e minimalistas (a canção “Hopedrunk Everasking”, o exemplo mais bonito, e “I Believe”, o mais prático) e os extravagantes, velozes e inalcançáveis trajetos que sonhou e desenhou com Danny L. Harle, seguindo uma fórmula pop muito singular, que se materializam na maravilhosa “Billions”, a minha favorita, a mais experimental, aquela que faz qualquer um perder-se no tempo (pelo menos a intenção era essa, segundo Polachek…), tal qual um relógio derretido do Dalí.


Para pensar no melhor álbum do ano, a lista de candidatos era extensa… os novos de Wednesday, Jessie Ware, Indigo de Souza, Yves Tumor, Wilco ou até mesmo o EP de Soccer Mommy, repleto de um catálogo eclético que me faz querer parecer que seríamos amigas, são uma amostra da excelente música que se fez durante 2023. E, claro, o ano ainda nem acabou… mas Desire, I Want To Turn Into You é uma aposta fácil, o meu cavalo de corrida mais veloz. Talento, visão, inovação e uma sensibilidade fora do comum: pode pedir-se mais? Pretty In Possible.



Catarina Fernandes


 

Boygenius - The Record


Não devo poder falar por vocês, ou por qualquer outra pessoa que exista ou alguma vez existirá, mas eu adoraria ser amiga das boygenius (alerta relação parassocial, mas prossigamos). De qualquer uma das suas integrantes, na verdade, mas parece-me que a magia reside precisamente no facto de funcionarem como trio, entidade tríptica que se reparte apenas para regressar ao todo, tais Três Marias norte-americana.


As novas cartas de Julien Baker, Lucy Dacus e Phoebe Bridgers profetizam-se entre si e fazem-no de forma “talmente” amorosa que nos questionamos se a forma suprema de amor não será, na realidade, a amizade. Estas três amigas, companheiras, amantes, que se beijam na boca em concertos e riem desalmadamente das piadas umas das outras em entrevistas, escrevem juntas, escrevem sozinhas e depois mostram umas às outras. Cantam em conjunto, vozes que, podendo estar isoladas em momentos, se encontram sempre depois no contexto grandioso de um bem maior, uma criação coletiva que parte de e chega a todas.


“Give me everything you've got / I'll take what I can get / I want to hear your story and be a part of it” é o mote inicial, leitmotiv da viagem (e criação) interpessoal que se desenrolará. Quem somos nós sem os que nos rodeiam? Quem somos nós sem as pessoas que estiveram no início, as que estiveram no meio, as que estiveram no final, e ainda as que estiveram sempre? Se atentarmos na maioria dos agradecimentos presentes em teses académicas, os destinatários principais são pessoas. Não são coisas materiais, não são sítios. Também há muitos animais, sim, mas a quantidade de pessoas a quem são dirigidos agradecimentos é indubitavelmente maior. Se eu passar uma meia hora na área das chegadas de um aeroporto, são meia dúzia de lágrimas de emoção que me caem dos olhos. A força com que as pessoas se olham, agarram, preenchem a distância que já não podem tolerar. Este primeiro álbum da “boy band” (inserir ironia) faz-me pensar em tudo isto, faz-me gostar um bocadinho mais de pessoas, faz-me sentir menos sozinha.


“the record” é um belo disco, posterior a um EP de 2018 e antecessor de um outro EP, “the rest”, continuação do álbum de 2023. Os três perfazem uma boa parte da música que ouvi em 2023 e o álbum é um dos meus preferidos lançados este ano. “Who would I be without you, without them?” cantam-nos, no final da faixa introdutória. Não sabemos responder, e ainda bem: ainda bem que elas se têm umas às outras, e ainda bem que nós podemos ouvi-las.



Maria Beatriz Rodrigues



CONTACTOS

  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube
  • Spotify
Os textos, artigos e imagens publicados neste website são propriedade exclusiva dos seus autores.
Para citar qualquer um dos elementos referidos dever-se-á indicar o nome do/a autor/a, o título do texto e de qualquer outro elemento, e referir o nome do website onde se integram.
A cópia, modificação, reprodução, distribuição ou outro uso desses elementos é interdita, salvo autorização expressa dos respetivos autores.
logo_final-removebg-preview_edited.png

Faz parte deste projeto enviando-nos uma mensagem!

Obrigado!

Obrigado pelo envio!

bottom of page