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O mundo encantado de Pang

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Caroline Polachek voltou a surpreender os seus fãs em 2019 quando se estreou a solo com o álbum Pang, depois da delirante discografia que o trio Chairlift nos deixou e depois de ter colaborado com artistas como Blood Orange e Charli XCX – com a qual trabalhou muito recentemente para o novo single, “New Shapes”, que inclui Christine and The Queens – e ter escrito e produzido para Beyoncé e Travis Scott.

Protagonista da sua narrativa e detentora monarca da sua música – afinal de contas, o nome do seu novo projeto é o seu nome próprio, – Polachek foi capaz de criar, com a ajuda do compositor e produtor inglês Danny L. Harle, o mundo encantado de Pang. A utilização do adjetivo "encantado" pode parecer bizarra, já que o Cambridge Dictionary considera que o termo pang pode ser entendido como “a sudden sharp pain or painful emotion” e a própria cantora explicou em entrevistas que a razão pela qual o álbum se intitula assim se deve aos vários momentos de adrenalina que experienciou (aos quais chamou de "pangs"), que a impediram de dormir e aceleraram o seu metabolismo. Contudo, – e ainda que o instrumental em Pang pinte o seu mundo com os mais belos tons cor-de-rosa – o adjetivo encantado não surge aqui como uma glorificação da fantasia, mas, pelo contrário, como a admiração pelo real e pela vulnerabilidade.

Será a própria música Pang e a sua quadra inicial, “There's a look in your eyes when you're hungry for me / It's a beautiful knife, cutting right where the fear should be / Into me / Pang”, em que podemos ouvir, através de uma sonoridade pungente, talvez explosiva como fogo de artifício, a palavra "pang", que irá definir a fragilidade e intensidade do álbum. Os franceses diriam que o sofrimento e o desabar da jovem Polachek coulent de source1 em músicas como “Hit Me Where It Hurts”, “I Give Up” e “Ocean of Tears”. Em “Hit Me Where It Hurts”, a voz doce e quente de Polachek confessa: “I'm feeling like a butterfly trapped inside a plane / Maybe there's something going on, / I'm not insane / If I'm already out of time, then make it worse / Go on and hit me in the heart / Hit me where it hurts”, pedindo a quem a poderá ouvir que acabe com o seu sofrimento – sofrimento esse que, como era esperado, se localiza no coração, e, a partir desses primeiros versos, começa o crescendo da música, acompanhado pelo baixo e pelas batidas características de pc music. O recetor ao qual Polachek se refere é posto em causa, pondo a nu a questão da solidão em “Door” (uma das mais bonitas canções em Pang), onde se interroga: “Sometimes I don't know who I'm singing to / Who is the you who I sing to / When the house is empty?”. A questão da solidão vem inevitavelmente acompanhada pela derrota, pela urgência em desistir. “I Give Up” é amarga e bela – como são todos os amores que não resultam – e não parece mostrar o lado da redenção como acontece em outros temas como “New Normal”, música belíssima onde a magia e o irreal imperam, ou “Look At Me Know”, onde canta: “I can't run anymore / Gotta stay right here and face the storm”; pelo contrário, a jovem questiona: “How far can you fall? When you’re already down” e é, sem dúvida, a mais triste música em Pang. À semelhança de “I Give Up”, “Ocean of Tears” amplifica a dor ao extremo através da sua poderosíssima analogia: a distância entre os dois amantes é do tamanho de um oceano, oceano esse formado por lágrimas. O instrumental experimental em Pang parece ter ido beber inspiração ao álbum homónimo do duo Crystal Castles, que cedo se tornou uma referência fulcral na música eletrónica alternativa, e, em músicas como “Ocean of Tears”, a associação não me parece descabida.

O hit sensação é “So Hot You’re Hurting My Feelings” e toda a gente sabe porquê: o registo 80s grita “pista de dança”. O registo lírico melancólico mantém-se e a noção de amor ardente – não correspondido? – é desenhada na seguinte situação: “And I'm out at a party, they're playin' our song / I cry on the dance floor, it's so embarrassing / Don't send me photos, you're makin' it worse / 'Cause you're so hot, it's hurtin' my feelings”. A situação pode parecer ridícula, mas é crua e realista: a questão do embaraço traz-me de volta a 2013, relembrando outro hit pop, “Everything is Embarrassing” de Sky Ferreira, e ainda outro da própria Polachek em Chairlift com a sua canção “Crying in Public” de 2016.

O sistema nervoso do mundo encantado em Pang é formado por canções como “Go As A Dream” e “Parachute”, onde a dimensão onírica é evidente através do instrumental de ambas as músicas. Em “Parachute”, o registo é diferente e Caroline Polachek faz um voto de confiança a si mesma: “Here's where I jumped / From the airplane without questioning it / The curve of the coast of Los Angeles / Spreading itself below / And blooming overhead / The parachute / I've got to trust it now”. O alcance da sua voz em “Parachute” é arrepiante. A voz de Caroline Polachek é genuína, majestosa por natureza; a sua sprezzatura musical é impressionante e o trabalho nos arranjos da sua voz é, por excelência, o que mais me seduz e encanta em Pang, para além, claro está, da sua honestidade assertiva. Esta honestidade em Pang parece-me muito roethkiana. Talvez o mais célebre poema de Theodore Roethke – poeta conceituado do século XX, inserido na veia confessionalista da poesia americana – seja “Open House”. Revejo na composição de Caroline Polachek os seguintes versos de Roethke: “My secrets cry aloud. / I have no need for tongue. / My heart keeps open house, / My doors are widely swung. / An epic of the eyes / My love, with no disguise.” A questão da vulnerabilidade é comum na música, já que, como qualquer outra arte, serve como meio de expressão criativo; no entanto, o trabalho a solo de Caroline Polachek veio confirmar que a sua poesia lírica é marcada pela oscilação e intensidade dos sentimentos e Pang como a sua mais sublime confissão até à data. Se Chairlift enchia as medidas, o projeto a solo de Caroline Polachek tornou-se, a meu ver, uma referência essencial na pop alternativa contemporânea, onde podemos ver o talento da jovem norte-americana transbordar, pela sua frescura e hibridez.

1Expressão idiomática francesa que quer dizer que algo é evidente, “claro como a água”.

Catarina Fernandes

Título do álbum: Pang Artista: Caroline Polachek Ano de edição: 2019 Editora: Perpetual Novice Duração: 46:30min

Produção: Caroline Polachek, Danny L Harle, A.G Cook.

Palavras-chave: “música pop”; “música alternativa”; “eletrónica”; “indie”.

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