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O renascer pop-rock de um Coelho Radioactivo

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Coelho Radioactivo é uma das muitas facetas de João Sarnadas, cofundador da editora-coletivo multidisciplinar portuense Favela Discos e músico nos projetos Sarnadas, Flamingos, Well, José Pinhal Post-Mortem Experience, entre outros. Em outubro de 2022, o artista de Aveiro edita, passados quase 8 anos, um novo disco sob este pseudónimo: o longa-duração Coelho Radioactivo e Os Plutónios, onde se junta a Carlos Rosário (teclados), Pedro Teixeira (bateria) e Ricardo Barros (baixo). No âmbito deste lançamento, entrevistámos o artista com o intuito de descobrir mais sobre o álbum.


Apesar do intervalo de 8 anos referido, Sarnadas afirma que não foram anos parados: “Não senti que deixei o projeto durante esses anos, porque fui tocando durante parte desse tempo”. Entretanto, foram-se construindo as oito músicas do novo disco, entre estas a “Falamos do Escuro”, que foi tocada em concertos de apresentação do Canções Mortas (2014), ou a “Não Esperes Por Mim”, feita na mesma altura. O lançamento enfrentou alguns obstáculos, entre eles a ida do teclista, Carlos, para fora de Portugal, numa certa separação dos membros que dificultou o processo de escrita coletivo que tinham iniciado. João Sarnadas trabalhou ainda noutros projetos, nomeadamente a Favela Discossobre a qual escrevi anteriormente – onde se ocupou não só com Well, Sarnadas e José Pinhal Post-Mortem Experience, mas também com a gestão da editora, concertos e residências.


Com todos estes fatores, Coelho Radioactivo e Os Plutónios demorou mais tempo a estar pronto do que o esperado:


“Nós estávamos à espera que fosse um disco mais fácil de fazer, porque as músicas já estiveram feitas – eu digo estiveram porque depois deixaram de estar, e agora voltaram a estar outra vez. (...) Se calhar era bom que ele tivesse saído mais cedo, mas na verdade acho que isso não aconteceu porque as condições não eram corretas, e nesse sentido acho que agora são muito mais justas.”


Felizmente, esta espera permite a realização de concertos de apresentação do álbum (em banda) este ano, ainda por anunciar. A instrumentação pop-rock trazida pelo novo formato (em contraste aos últimos lançamentos de Coelho Radioactivo, que não utilizavam muito mais do que algumas guitarras ou teclados, voz, e percussões simples) molda as canções com uma sonoridade única, mantendo um núcleo de certa forma cru, mas que agora se encontra envolto em camadas movimentadas recheadas pelos grooves de bateria, linhas de baixo para embalar, teclado quentes e guitarras simples mas dinâmicas. Há riffs avassaladores no sintetizador, em “Mão Luminosa”, e na guitarra, em “Já Não Tenho Tempo”.


Apesar de só escutarmos os registos em estúdio deste formato em 2022, Os Plutónios já acompanhavam concertos de Coelho Radioactivo desde antes do disco Estendal (2012), construindo uma identidade sonora ao longo do tempo que alimentaria as músicas que nos chegaram:


“A certa altura fazia sentido, também como era a banda que me acompanhava ao vivo na altura, um disco com eles. (...) Eu já levava uma música, uma base, uma progressão de acordes, ou o que quer que seja, com a ideia que seria com aqueles instrumentos, com bateria, baixo, guitarra e teclado, que é uma cena que [antes] nunca pensei propriamente muito.”


Para além da colaboração com Os Plutónios, há ainda, em “Anda Vai Prá Cama”, a participação do músico lisboeta Luís Severo, que constitui com Sarnadas o duo Flamingos, sobre quem escrevi em 2022. Apesar da harmonização da voz de Severo com a de Sarnadas, que nos leva logo a pensar nas canções de Flamingos, percebemos rapidamente que se trata de uma canção de Coelho Radioactivo – o que não deixa de matar um pouco as saudades de Flamingos.


          “Essa música teve um processo de composição ligeiramente diferente, porque foi mais idealizada em casa. Não foi tanto como as outras de Plutónios, que foi muito em estúdio (...). Quando fiz a música, com aquele ritmo e o riff, fiz logo assim com aquela linha de guitarra e de teclado inicial. Na altura até estava um bocado em dúvida se seria uma música minha, ou se seria uma música de Flamingos, porque estávamos com Flamingos ainda a bombar. [O processo de composição] não foi tão partilhado. Em Flamingos, nós compúnhamos mesmo em conjunto, de uma maneira extremamente exaustiva, e em Coelho Radioactivo não costumo analisar tanto o que estou a fazer, costuma ser um processo muito mais imediato. (...) Acho que até cheguei a partilhar um bocadinho a ideia da letra com ele, mas eventualmente acabei por ser eu a fazer. Ou seja, a ideia da música foi mais carregada por mim, e depois fui partilhando com o Luís, fui partilhando com os Plutónios.”


Entre as colaborações já “antigas” e a nova embalagem musical com banda, a cereja no topo do bolo de Coelho Radioactivo e os Plutónios é a capa de Zé Cardoso (Rubber Mirror). Inspirados pelos anos 90, nomeadamente o disco Dirty dos americanos Sonic Youth, os gráficos deste álbum tomam a forma de um conjunto de estátuas, que podem ser vistas na capa e no booklet da edição física em CD.


            “Este disco também tem a ver com uma cena mais 90s, como um disco de banda mais coletivo, e também se calhar algumas músicas soam-me um bocadinho mais 90s. (...) A ideia era ser assim uma capa à antiga, tipo CD. O Zé tem essa cena dos bonecos, (...) curto bué dos bonecos dele, e depois a certa altura concentramo-nos na ideia de a capa ter assim caras com bonecos antropormórficos.”


Para além do CD, foram ainda feitas t-shirts, com uma inspiração semelhante, que estão disponíveis no Bandcamp de Coelho Radioactivo, e esperemos que também numa futura banca de merch em concertos com Os Plutónios, a única peça ainda a faltar neste aguardado regresso. O disco, com músicas como a “Fuckuldade” ou “Mão Luminosa”, parece estar escrito mesmo para se ouvir ao vivo, com banda completa, a respirar os ares frios do Norte litoral – resta-nos esperar por datas.

 



Afonso Mateus



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