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O NORTE LITORAL DE DUQUESA

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Nestes últimos meses, o quarteto nortenho Glockenwise tem estabelecido a sua posição como uma das melhores bandas atuais na música portuguesa, com o lançamento do álbum Gótico Português (sobre o qual a Sara Cal escreveu um artigo em março) e a sua posterior apresentação ao vivo.


Após assistir a dois dos concertos do novo disco – dia 12 de maio em Lisboa, numa Culturgest quase esgotada, e dia 20 em Braga, num gnration definitivamente esgotado –, vi-me encantado pela banda de Barcelos, tal como quando eu tinha 15 anos acabadinhos de fazer e assisti à apresentação de Plástico nos Maus Hábitos, no Porto (dezembro de 2018).  Este foi o grupo que me fez começar a ouvir música portuguesa, que marcou dois dos três anos do meu secundário e me mostrou que se podia ser músico em Portugal.


Por trás desse encanto, do magnetismo do tão aclamado Plástico e da emocionalidade avassaladora do Gótico Português, estão as letras cuidadas e escritas minuciosamente de Nuno Rodrigues. O vocalista e guitarrista dos Glockenwise começou por escrever apenas em inglês – língua dos primeiros quatro lançamentos da banda – e só em 2018, com Plástico, assumiu a escrita na língua portuguesa.


Quem estiver mais atento e familiarizado com o mundo do grupo de Barcelos saberá que, na verdade, Plástico não foi a estreia de Nuno Rodrigues no que toca à composição de letras em português. Esta deu-se com Norte Litoral (2017), segundo EP do alter ego a solo do músico, Duquesa.


Norte Litoral junta sete canções originais de Nuno Rodrigues, totalizando 26 minutos, a maior parte delas em inglês. Mas, lá pelo meio, cruzamo-nos com duas faixas em português: “Afinal”, que é logo a primeira do disco, e “Norte Litoral”, que o termina numa intimidade acústica.


Se em Glockenwise Nuno Rodrigues nos fala da margem obscurecida e esquecida, em Duquesa ilustra o seu norte litoral com tons mais claros, onde o amor é a temática central. Encontramos letras sobre dúvida e inseguranças (“Who am I? / I count myself among better men / And it's so hard to pretend”, em “Better Men”), e o retrato de um lugar partilhado com outra pessoa (“E afinal estou acordado / Depositado a teu lado / A sorver o norte litoral”, em “Norte Litoral”).


As duas canções em português, apesar de adotarem um registo diferente, retratam os primeiros avanços do que mais tarde seria um dos momentos de crescimento mais importantes para os Glockenwise: a transição para a sua língua materna. Mostram-nos de forma um pouco mais clara do que anteriormente o que se passa na cabeça de Duquesa, e já tomam as características que têm vindo a contagiar quem se cruza com a lírica dos discos Plástico e Gótico Português – a possibilidade do ouvinte se rever e relacionar com o que está a ser cantado.


Em “Afinal” deparamo-nos com um pouco da melancolia que já esperamos dos Glockenwise, entregue numa temática de dúvida. “Afinal”, que começa o EP, inclui alguns dos meus versos preferidos deste disco, com uma especificidade inesperada que é o que acaba por permitir a sua subjetividade (“Sou cúmplice do afeto / Sempre fui o pior neto”).


Sendo do Porto, a música “Norte Litoral” foi imediatamente uma das composições que me contagiou sem qualquer dificuldade. Encontramos pequenas dicas com referências históricas – “Lusitanos nunca fomos nós” – e somos transportados para um imaginário sereno, cuja paisagem é pintada pelas palavras e acordes de Nuno Rodrigues – “Está o rio espalhado / Cheira a ti em todo o lado / O granito é melhor molhado”. Depois de um EP cantado na sua maioria em inglês, ouvimos “Deixem-me no meu lugar / Sou da costa quero ver o mar”, e lembramo-nos que quem nos cantou durante estes 20 minutos foi o rapaz de Barcelos que, não tendo muito mais para fazer, começou uma banda com amigos.


Duquesa não é o mesmo que Glockenwise. Nem o tenta ser.  Contudo, para os fãs da banda que tem tido um crescente sucesso, principalmente para quem tiver uma ligação especial às suas letras, vale a pena ir espreitar esta vertente a solo de Nuno Rodrigues. Aproveito para mencionar que Rafael Ferreira, guitarrista dos Glockenwise, também tem um projeto a solo, Ra Fa El, que lançou um dos meus EPs preferidos do ano passado – mas essa apreciação terá de ficar para outro dia.


Resta apenas aguardar pela possibilidade de um regresso de Duquesa, que não lança música desde Norte Litoral, nem toca ao vivo desde 2019. Por enquanto, temos o futuro disco do ano Gótico Português para aproveitar.



Afonso Mateus



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