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Crónica de alguém que só queria gostar da música de Taylor Swift em paz

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Começo por admitir que estou numa relação complicada com a Taylor Swift. Na verdade, é difícil encontrar alguém que goste da sua música e não tenha uma relação complicada com ela. O debate milenar de separação entre arte e artista não parece fazer sentido no caso de Taylor: ela própria manteve essa ténue fronteira propositadamente desde o início da carreira (já repararam que todos dizem “a Taylor” e nunca nos referimos a ela sem artigo definido, como é habitual em artistas que não conhecemos?). Já muita tinta correu sobre isso (incluindo o poderoso artigo de Patrícia Moreira, que saiu na semana passada) e duvido ter algo mais a acrescentar, mas vou tentar.


Quando entrei na “great war”, em julho de 2023, para comprar bilhetes para a primeira passagem (ou segunda, visto que fui na segunda noite dos concertos) de Taylor Swift em Lisboa com a sua digressão mundial The Eras Tour, o meu entusiasmo estava a meio gás. O algoritmo já muito me tinha recomendado nas redes sociais e, mesmo sem me aperceber – ou sequer querer –, já sabia muito sobre os concertos que ela estava a dar nos Estados Unidos da América. O meu feed estava repleto de vídeos dos concertos, de vídeos de fãs a cantar, a chorar, a gritar, a receber o chapéu de “22”, a comprar roupa para o concerto, a maquilhar-se para o concerto, a fazer friendship bracelets para trocar no concerto, a dizer que o concerto tinha sido o melhor dia das suas vidas. Claro que eu não sou inocente, o algoritmo só me encharcava com este conteúdo porque eu cometia o erro de ficar um segundo a mais a ver um daqueles vídeos e, a partir daí, estava tudo arruinado e eu apelidada de swiftie para sempre. Assim, quando fui tentar comprar os bilhetes para o concerto, já estava a ficar farta de toda esta confusão. Estava chateada com a dificuldade de acesso à venda de bilhetes (por pouco não conseguia um código), com as horas que passei em frente ao computador com o coração a bater demasiado rápido, com o preço dos bilhetes, com o trabalho a tempo inteiro que ser swiftie se tinha tornado. Mas reprimi a minha desaprovação e pensei: “Vai valer a pena.” Ir ao concerto valeu, mas temo que ser swiftie já não valha.

 

Interlúdio


Já demasiada gente ouviu esta história, mas eu comecei a ouvir Taylor Swift há 10 anos, quando saiu o 1989. Nessa altura andava numa escola que detestava, tinha uma única amiga (e vários inimigos, como é normal para uma rapariga de 14 anos) e uma conta no Tumblr. Não sei como ou porquê, mas a minha mãe ofereceu-me o CD do primeiro álbum de pop “a sério” de Swift e eu passei a sentir-me um bocadinho melhor quando chegava a casa e ouvia as primeiras notas de “Welcome To New York” na aparelhagem que tinha no quarto. Fiquei obcecada com aquele disco. Mas entretanto o tempo passou, eu troquei de escola, fiz mais uma amiga e deixei de usar o Tumblr. Quando saiu o reputation (2017) e o Lover (2019), eu não quis saber. Tinha tido um one-night stand com o 1989 e duvidava que a proeza se repetisse; afinal, queria ser considerada fixe (o que quer que isso significasse) e ouvir Taylor Swift não estava incluído nesse plano. Mas tudo mudou em 2020 – como já todos sabemos – e eu transformei-me numa swiftie por causa do folklore (2020). A partir daí voltei atrás no tempo e deixei-me redescobrir toda a sua discografia (exceto o debut, perdoem-me a honestidade). Este é um “tale as old as time” e pouco deve importar para os que este texto leem, mas a verdade é que muito importa para o tipo de crítica que aqui faço a Taylor Swift – tal como acontece com a maioria dos seus fãs, é-me quase impossível separar a minha experiência pessoal do que tenho a dizer sobre a sua música.

 

*

Quando o dia começou a aproximar-se, comecei a sentir-me nervosa. Parecia que havia muito a preparar: escolher o outfit perfeito que se alinhasse com uma das “eras”, decorar todas as expressões que devemos gritar nos momentos certos das músicas certas, saber em que momentos se pode ir à casa de banho (o que inclui perder partes dos concertos de abertura, claro). Senti que me estava a preparar para um exame – se reprovasse, ser-me-ia retirado o estatuto de swiftie para todo o sempre. Dei por mim a repelir todos estes comportamentos. Eu não queria fazer nada daquilo e não percebia o que é que gostar da música de Taylor Swift tinha que ver com todo o código de conduta para os concertos. Assim, tentei afastar-me do caos: não vi o filme-concerto Taylor Swift: The Eras Tour, fugi de qualquer conteúdo relacionado nas redes sociais e não ouvi Taylor Swift durante meses. Estava pronta para o concerto.


O concerto correspondeu exatamente às minhas expectativas (talvez até as tenha superado). Foi um espetáculo grandioso, Taylor Swift não descansa nem nos deixa descansar durante um segundo, a setlist faz as mais de três horas de concerto deslizar suavemente, os constantes estímulos visuais e auditivos garantem que não se trata de uma mera apresentação de uma cantora internacionalmente famosa, mas sim de uma celebração coletiva estrategicamente planeada com o objetivo de bater todos e quaisquer recordes que possam existir. O ambiente no público é de companheirismo, as pessoas sorriem muito, trocam brilhantes e pulseiras, parecem compreender-se mutuamente através de simples olhares (se bem que não sei se foi isso que aconteceu com a criança à minha frente que me olhou o tempo todo enquanto eu chorava demasiado durante os dez minutos da “All Too Well”). Por outro lado, Taylor Swift é mecânica, calculada e irreal, ao contrário do que eu esperava; queria senti-la como alguém, queria emocionar-me pelo facto de aquela pessoa realmente existir e não ser apenas um produto preparado e embalado que nos é alimentado à boca. Mas isso não aconteceu. Taylor Swift é o espetáculo, não é uma pessoa normal da qual possamos verdadeiramente sentir-nos próximos, não é uma pessoa à qual possamos dar conselhos de vida e reprovar escolhas de parceiros amorosos. E está tudo bem com isso, porque podemos continuar a relacionar-nos com as músicas que ela escreve e canta, podemos continuar a usar a pulseira dada pelos espanhóis que pararam o carro para no-la dar, podemos olhar para uma fotografia dela e saber que, de facto, não a conhecemos, mas que a música dela lá estará sempre que precisarmos dela.


Ser swiftie não tem um manual de instruções associado. Nem sequer é preciso ser swiftie para se gostar de músicas de Taylor Swift. Ninguém tem de ser crucificado por gostar mais da “Shake it Off” do que da “Long Live” (falo por experiência própria). Mas para quem de facto sente algum tipo de relação emocional com a artista e as suas músicas, não é preciso provar nada. Não é preciso saber a setlist de cor para ir ao concerto. Não é preciso gastar 80 euros na camisola oficial do merch ou 20 euros na Temu para comprar um corpete de brilhantes que nunca mais se vai usar na vida. Deem uma oportunidade à música e deixem de lado o burburinho – nunca fez bem a ninguém!

 




junho de 2024

Maria Beatriz Rodrigues



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