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God save the most judgmental creeps: a relação parassocial na carreira de T. Swift

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Em 2022, Taylor Swift lança o seu álbum altamente antecipado Midnights (2022), lançamento este que dominou o top 10 da Billboard Hot 100 e que acumulou uns impressionantes 184 milhões de streams apenas no primeiro dia, um dos inúmeros recordes que este álbum quebrou. Se estes números são já de levantar a sobrancelha, não é, então, de estranhar que o seu próximo álbum, The Tortured Poets Department (2024), também tenha uma receção estrondosa, com mais de 300 milhões de streams no dia de estreia do disco. A este feito junta-se o domínio total dos primeiros 14 lugares da Billboard Hot 100. Apesar de Taylor Swift se ter afirmado como um nome incontornável da indústria musical, é possível denotar uma grande diferença em termos de números e popularidade da cantora, que surgiram do seguimento do seu décimo álbum Midnights. Para além disso, é também notório o impacto da sua mega tournée mundial, The Eras Tour, que decorre há mais de um ano e ainda só se encontra a meio, onde a cantora leva os seus fãs por uma viagem sónica ao longo das eras da sua carreira de mais de 18 anos.


Falar desta artista é sempre algo polarizante, sobretudo desde que ocorreu esta grande mudança em termos de popularidade na sua carreira, que é já há muito conhecida pela sua base de fãs leal e, simultaneamente, incorrigível em certos aspetos. Taylor Swift conseguiu este nível de devoção dos seus fãs através de diversos modos, não só pela grande interação com os fãs nas redes sociais, mas também pela partilha das experiências da cantora no seu estilo de escrita e composição diarístico, que tem ainda uma camada mais profunda de significado devido à grande preocupação da cantora de fazer conexões temáticas entre canções e álbuns e a utilização recorrente de easter eggs em canções, videoclips, publicações nas redes sociais, entre outros. Todo este esforço de conexão com a sua base de fãs deu os seus frutos: por exemplo, quando Taylor passou pelo seu período de escrutínio dos media devido aos conflitos com Kanye e Kim Kardashian relativo à canção de Kanye “Famous”, Taylor Swift talvez pode ter sido odiada pelo mundo, mas nunca pelos seus fãs.


Esta grande reverência dos seus fãs, estando aqui a referir-me a mais do que um fã casual ou “stan”, torna-se rapidamente numa espada de dois gumes. Se por um lado a lealdade e defesa extrema desta personalidade pode reverter a seu favor, por exemplo, em termos de marketing e vendas, a relação parassocial que muitas pessoas estabelecem com Taylor acaba por se tornar numa arma apontada à cantora quando ela age de um modo que não é compatível com a sua imagem pública. Uma relação parassocial pode ser definida como um relacionamento unilateral no qual ocorre uma forte conexão e intimidade com alguém que não se conhece, num vínculo sem reciprocidade, observado amplamente em casos de celebridades. É recorrente observar stans a afirmar que sentem que a cantora não é uma personalidade gigante da indústria, mas sim uma espécie de “girl next door” e que através das suas letras a entendem e se relacionam com ela profundamente. Apesar desta simulação de um relacionamento próximo entre artista e fãs que Taylor cultiva desde o início da sua carreira, o escrutínio nem sempre passa despercebido e impacta várias facetas da sua personalidade artística.


Taylor Swift atingiu um nível de sucesso que nunca esperava ver, e ainda que a cantora não seja acanhada a fazer críticas a quem a desrespeita, os seus fãs nunca estiveram na posição do alvo das suas críticas; aliás, a cantora sempre demonstrou gratidão para com a sua base de fãs, tendo inclusivamente escrito uma canção dedicada a eles, “Long Live”, que age como uma retrospetiva do seu sucesso, carreira e apoio incondicional dos fãs. Contudo, em 2023 alguns dos seus fãs lançaram a campanha online #SpeakUpNow, numa tentativa de tomada de responsabilidade da cantora pelas ações controversas do seu alegado namorado da altura, Matty Healy, numa espécie de súplica à cantora para terminar o seu relacionamento com ele. Aqui é muito notável o nível a que muitos fãs deixam os seus relacionamentos parassociais chegar com a cantora, demonstrando uma posição de direito de determinação do rumo da vida da mesma. Esta instância, no meio de muitas outras, auxiliou na demarcação de uma posição forte contra a intrusão dos seus fãs na sua vida pessoal e podemos observar críticas a eles nas canções “But Daddy I Love Him” e “I Can Do It With a Broken Heart.” Pessoalmente, eu achei estas críticas surpreendentes, não por não concordar com elas, mas porque Taylor Swift enquanto personalidade sempre se tentou manter junto da marca de uma boa rapariga humilde muito grata pelos seus fãs. Em “But Daddy I Love Him”, a cantora toma quase um registo dramático de troça, onde reconhece abertamente que ouve as críticas que fazem aos seus comportamentos (ditos irracionais) e o direito que as pessoas sentem em ditar quais devem ser os seus parceiros românticos. Taylor pega de forma particular na opinião pública sua e reivindica-a, dizendo que já não importa de todo:


“I’ll tell you something right now / I’d rather burn my whole life down / Than listen to one more second of all this bitching and moaning / I’ll tell you something about my good name / It’s mine alone to disgrace”


Ela faz ainda uma menção que pode ser interpretada como uma crítica direta à situação #SpeakUpNow, onde ela julga as pessoas que tentam dar a sua opinião sobre as suas relações amorosas, dizendo que não adianta protestar nas redes sociais porque isso não irá surtir efeito nenhum e que ela não vê sequer estas publicações de protesto, dizendo:


“God save the most judgemental creeps / Who say they want what’s best for me / Sanctimoniously performing soliloquies I’ll never see / Thinking it can change the beat / Of my heart when he touches me”


Já em “I Can Do It With a Broken Heart”, Swift fala da sua ética profissional, dizendo que independentemente do que se passa na sua vida, ela vai sempre atuar e cumprir os seus compromissos profissionais, dando aos fãs uma pequena visão das situações e sentimentos da cantora. Logo no começo da canção deparamo-nos com versos como “They said «Babe, you gotta fake it til you make it.» / And I did / Lights, camera, bitch smile / Even when you want to die”. Nesta canção a artista faz uma crítica dura aos fãs, dizendo “All the pieces of me shattered / As the croud was chanting «MORE»”, que não é só uma referência à artista atuar enquanto se encontra em estados de espírito mais frágeis, mas também pode ser lido como uma crítica à fome insaciável dos fãs por mais música, sendo que desde 2021 Taylor Swift tem uma média de 2 a 3 álbuns anuais devido ao processo de regravação e reaquisição dos masters dos seus seis primeiros álbuns de estúdio. Mesmo assim, inúmeras teorias florescem online de quando o próximo álbum sairá ou qual o conteúdo deste e que easter eggs levam a estas teorias.


Com The Tortured Poets Department (2024), Taylor Swift consagra o seu lugar cimeiro na indústria musical. Contudo, este álbum não se encontra isento de críticas, como seria de esperar, e a sua receção crítica quer pela indústria quer pelos seus fãs tem sido variada. O álbum apresenta uma miríade de tópicos, desde o desgosto amoroso, a reivindicações sobre a sua figura pública e artística, ou até desabafos muito sinceros e pesados sobre situações de infidelidade, consumo de drogas, depressão e largas alusões ao suicídio. A Taylor que se apresenta neste álbum é sincera a toda a força, por vezes até demasiado, levando ao choque das perceções que o público e os fãs têm de si. No entanto, com este álbum a cantora pretende, de uma vez por todas, esclarecer a conversa sobre si: é ao mesmo tempo uma volta da vitória e um aviso para os seus ouvintes. Neste sentido, a relação parassocial revela-se central na receção do álbum, por um lado provando as críticas que a cantora faz ao público e por outro criando também o efeito oposto da intensificação da obsessão dos fãs. De um modo geral, nota-se a tendência do louvor do álbum pelos seus fãs e o desagrado por parte da indústria e pessoas que não se consideram propriamente fãs. Eu sinto que esta grande divergência de opiniões não se deve apenas ao fascínio e completa reverência pelos seus fãs, no sentido em que os fãs têm sempre uma maior tendência para gostar, mas também pelo nível de referenciação que a artista faz pelas faixas. Taylor Swift é conhecida, como já anteriormente mencionado, por deixar pistas nas suas canções e videoclipes e, tendo em conta que este álbum tem um registo mais poético do que diarístico, existem amplas referências que ela faz a si mesma, à sua história e canções anteriores, que seriam muito difíceis de entender para alguém do público geral. Isto não quer dizer que é impossível desfrutar do álbum sem ser “fã platina”, mas eu considero que este nível de entendimento das referências traz todo um nível diferente de prazer e conhecimento à audição.


No prólogo do álbum, presente nas edições físicas deste, pode-se ler um poema introdutório que ajuda muito a esclarecer os temas e o tom do disco que se avizinha, mas para mim existem dois versos que se destacam no meio dos restantes: “He never even scratched the surface of me / None of them did. Estes são dois versos bastante interessantes porque vão testa a testa com a questão da perceção do público de Taylor Swift e da incompreensão que esta sente, estando aqui a referir, por exemplo, a larga perceção de que ela namora compulsivamente para ter material para os seus álbuns, mas referindo-se também à incompreensão que Taylor sente por parte dos seus parceiros. As especulações sobre as “musas” das suas canções são amplas e online correm teorias de todos os níveis, umas mais plausíveis que outras. Contudo, no final das contas, Taylor defendeu-se através de uma escrita mais poética, sendo que a beleza da poesia é a sua multitude de interpretações e a cantora brinca com isso ao escrever canções com especificidade suficiente para podermos dar uma pequena espreitadela para a sua condição, mas sempre sem ser específica o suficiente para dar a satisfação de um sentido conclusivo de quem a canção está a falar, fazendo uma mistura inteligente e inconclusiva das diferentes musas em jogo. O âmbito poético do álbum aponta também para uma vertente importante da sua carreira e da sua personalidade artística: Taylor Swift é uma artista que gosta de contar histórias e que o faz pela sua própria catarse, pelo que a tentativa de fazer um “teste de paternidade” das suas canções (ou seja, quem foi a musa que inspirou a canção) é inútil porque não só distrai da canção e do conto presentes nas mesmas, mas também precisamente porque a catarse é apenas para si e não para o público, sendo que a cantora não precisa de dar nenhuma satisfação numa peça de música e poesia que é tão importante e tão self-serving como esta.


Quer a bem quer a mal, vai haver conversas sobre a cantora, por vezes com críticas válidas e por vezes com críticas que apenas servem para dizer mal porque é popular não gostar daquilo que é mainstream, mas, acima de tudo, é muito mais importante ponderar as nossas próprias opiniões e perceber que o objetivo é o consumo da arte e não da crítica da arte em si. Como disse Brad Bird:


“In many ways, the work of a critic is easy. We risk very little yet enjoy a position over those who offer up their work and their selves to our judgment. We thrive on negative criticism, which is fun to write and to read. But the bitter truth we critics must face, is that in the grand scheme of things, the average piece of junk is probably more meaningful than our criticism designating it so.”



Patrícia Moreira



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