top of page

"Os Sons de um Povo" - José Relvas e o renascer do Rancho da Mata. 01.04.23

InShot_20230104_004705332.jpg

(Fotografia de Martinho Cruz)


Texto da rubrica Os Sons de um Povo, com lugar na Mata, Castelo Branco, Beira Baixa.


    

Há festa na Mata e juntam-se as suas gentes para celebrar mais um ano do Festival de Foles, no Largo de São Pedro. Por entre os caminhos verde-escuros da Beira Baixa, repletos da realidade húmida que os distingue, fazem-se ouvir os acordeons – é dia de uma agitação incomum naquela freguesia, desde há muito resignada perante a sua condição de vale entre as terras do Portugal turístico e do país vizinho ali tão perto.


     “Rancho da Mata já houve, mas como foi tudo embora daqui, já não há cá nada disso”, diz-nos um senhor de bigode branco e boina cinzenta à porta do salão de festas, onde se organizam os últimos preparos para a atuação de um grupo de tocadores albicastrenses. De um lado do pavilhão sentam-se os homens e as mulheres que, cansados, assistem à correria dos jovens como se de uma representação do passado se tratasse; do outro, ficam as bancas dos produtores de queijo, cesteiros e outros artesãos que procuram um bom dia de negócio.


     Numa das cadeiras está Dona Ilda, viúva há 3 anos e matense de origem – com deixas exclamativas e ruidosas, fala-nos do filho que emigrou para França e a vem visitar, e do filho que mora em Frade de Baixo, mas não tem tempo para o fazer. Para ela, este tipo de eventos são uma oportunidade para contar a sua história com quem seguirá caminho após as festividades, e ninguém fica indiferente à sua agitação. Nem mesmo José Relvas, o mais antigo construtor de adufes, que ao retornar à sua banca após uma pausa, se vê envolvido numa fervorosa negociação com a senhora pelos instrumentos que tem à sua frente.


     “Vá, toma lá, trinta euros – olha que eu vou comprar ao senhor da Póvoa!” - “Por trinta euros fica-me mais caro a mim as peles, vá comprar onde quiser”. Aproxima-se um grupo de mulheres interessadas na discussão. Dona Ilda agarra num adufe e, em jeito de persuasão, começa a entoar as palavras ao som da batida,


Senhora do Almurtão, p’ra lá da labora - “Vá! Isto é p’ra cantar!”


Juntam-se as vozes das mulheres que ali estavam, e o adufe de José Relvas, e cantam todos a uma só voz,


Olha a laranjinha que caiu, caiu,

Num regato d´água, nunca mais se viu - “Cantem todos!”

Nunca mais se viu, nem se torna a ver,

Cravos à janela, rosas a nascer


Continua a disputa pelo preço do adufe, até que as mulheres que se tinham aproximado, desafiam o artesão a marcar a batida novamente, e retomam a atuação coletiva,


As cordas do meu adufe,

Ai, as cordas do meu adufe,

São de pau de laranjeira,

São de pau de laranjeira


Quem houver de tocar nele,

Ai, quem houver de tocar nele,

Há de ter a mão ligeira,

Há de ter a mão ligeira.


- “Não é as ‘cordas do meu adufe’, é as ‘armas’”, corrigiu José Relvas, que veio de Idanha-a-Nova – “Isto aqui é o São Pedro o padroeiro, a gente na Mata diz assim, varia de terra p’ra terra!”, responde uma das mulheres. E, dado o início do concerto do grupo de acordeonistas de Castelo Branco no palco, não houve tempo para mais cantigas. Ainda assim, com o aval do mestre adufeiro, foi plantada a semente da partilha da tradição folclórica beirã. Até se pôde ouvir uma voz a afirmar,


     “Vamos aqui renascer o Rancho da Mata.”




Martinho Cruz, pd imr

CONTACTOS

  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube
  • Spotify
Os textos, artigos e imagens publicados neste website são propriedade exclusiva dos seus autores.
Para citar qualquer um dos elementos referidos dever-se-á indicar o nome do/a autor/a, o título do texto e de qualquer outro elemento, e referir o nome do website onde se integram.
A cópia, modificação, reprodução, distribuição ou outro uso desses elementos é interdita, salvo autorização expressa dos respetivos autores.
logo_final-removebg-preview_edited.png

Faz parte deste projeto enviando-nos uma mensagem!

Obrigado!

Obrigado pelo envio!

bottom of page