Sleaford Mods, UK Grim (2023)
Recentemente disseram-me que a música dos Sleaford Mods é má. Seria estulto tomar isto como um insulto pessoal (não fiz a música), ou como um insulto à banda (a pessoa não a conhece muito bem). Após algum tempo a considerar esta afirmação, cheguei à conclusão de que é, em parte, verdade.
O álbum mais recente dos Sleaford Mods, UK Grim (2023), peca por reduzir a maior qualidade da banda ao nível da sua sonoridade. Os sons feitos pela banda não são propriamente bons. São repetitivos, por vezes irritantes, mesmo que algumas canções fiquem no ouvido. Mas o que me parece mais interessante na sua carreira não se trata de uma questão musical. O facto de não serem bons músicos no sentido técnico não reduz a qualidade da banda. Como as melhores bandas punk, o que interessa é uma questão de carácter e de intenção, não se a música é boa ou má.
A maior qualidade do grupo está nas letras das suas canções. Na segunda canção do álbum, "DIwhy", o vocalista Jason Williamson discorre sobre pessoas que têm um estilo e forma de se apresentarem DIY (Do It Yourself):
You sell guitars on Facebook, and you drink too much beer, sonny,
You do playlists for Fred Perry, you boring cunt,
And you shave your hair just above your ear.
Oh, yeah, not another white bloke agro band,
Oh, yeah, we're all the fucking same, let's not kid ourselves, man.
Some win and some lose the fame game.
I saw a doctor, I said, "Why do I feel like slapping these B&M goths,
All this post-punk dross?"
He said, "Because they're fucking cunts, Jason. Fucking hit 'em!"
O interessante nesta letra não é a diatribe de Williamson contra B&M goths ou post-punk dross ou pessoas que fazem playlists para a Fred Perry, mas a admissão e resignação ("let's not kid ourselves, man") de pertença a um grupo de pessoas que lhe causam desdém: "white bloke agro band[s]". Os Sleaford Mods são precisamente isto, mas Williamson admite logo a seguir que "some win and some lose the fame game". Ao dizer isto, baixa a bitola pela qual a sua própria banda é avaliada, admitindo na estrofe anterior que "I still wanna be rated by some prick".
Querer ser avaliado por alguém de que não gostamos (ou prestar atenção a opiniões maldosas de alguém sobre nós) faz parte de termos uma visão mais completa da nossa vida (dito de forma mais arguta pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein nos seus comentários a um livro de J. G. Frazer, "Yes, it is important that I must make my own even anyone’s contempt for me, as an essential and significant part of the world seen from my vantage point.").[i]. É importante que Williamson (e, por extensão, a banda) tenha em conta o que dizem sobre ele, como fazendo parte do mundo em que ele também diz coisas maldosas sobre outros.
Os comentários depreciativos incluem comentários auto-depreciativos e é aqui que o álbum falha: em discos anteriores da banda não faltam diatribes contra os outros e contra eles mesmos, mas admitir que fazem parte do mesmo grupo de pessoas que "win or lose the fame game" é estranho, e vira o foco para as suas qualidades normalmente mais fortes (as letras), e deixa claro que neste álbum são mais fracas. Há, por assim dizer, uma declaração de intenções falhada. Não era, a meu ver, tão interessante nos álbuns anteriores que a letra fosse só sobre política, por essa mesma razão: era sobre política, e não política. O talento de Williamson para escrever letras era distinguível das suas crenças. No entanto, esse talento não é tão notório neste álbum por haver um maior foco em "dizer alguma coisa" com as letras, e, assim, a qualidade das letras cai por terra.
Na terceira canção, "Force 10 From Navarone", Williamson canta com a vocalista da banda inglesa Dry Cleaning, Florence Shaw. As letras dos Dry Cleaning são conhecidas por serem feitas por Shaw ao juntar diferentes pedaços de conversas num estilo cut-up, não querendo propriamente dizer nada. Ora, nesta canção, as estrofes de Williamson são intercaladas por uma estrofe de Shaw:
Mummy can't reach, and then a pause,
You look different, a large green blob,
Allergic to your own things.
Get married and go on safari.
Fucking viral, fucking batman video, you fucking moron,
Why don't you phone up, spine bend, legs sync, scooter club?
Shit smell, that's my road kill hat, don't touch it.
Esta estrofe pode ter um sentido convincente para além da explicação "a cantora escreve as letras ao juntar pedaços de conversa sem contexto"? No contexto de uma canção feita pela sua banda, diria que faz todo o sentido, visto que as intenções da banda são claras quanto a este respeito. Mas na canção dos Sleaford Mods só serve de adorno e não se liga com o resto da letra. A estrofe cantada por Shaw está entre o refrão cantado por Williamson: "Jason, why does the darkness elope? / Cross-sectioned, it's not a drink and I don't fucking smoke." A discrepância entre a estrofe cantada por Shaw e o refrão cantado por Williamson pode ser abrigada sob um verso que surge no final da mesma canção: "Bet ya never used it, we only seem to use what we are told we own". A questão que se coloca é: o que é "it"? Eu diria que é o talento para escrever boas letras. Não parece acertado que só usamos o que nos dizem que temos, neste caso, qualidades, visto que normalmente temos opiniões próprias sobre as nossas qualidades. Williamson volta a mostrar-se reticente à ideia de que o que os outros acham de nós faz parte do que somos e fazemos. No entanto, esta resistência, em vez de se traduzir em canções interessantes sobre ele e outros, torna-se sobre a sua frustração em não conseguir aceitar este facto.
Para além dos temas políticos do álbum, interessa bastante a requalificação da banda no espectro musical em que não só eles se inserem, mas são inseridos por outros (ouvintes, a crítica). Voltando aos versos de "DIwhy", "I saw a doctor, I said, 'Why do I feel like slapping these B&M goths, / All this post-punk dross?' / He said, 'Because they're fucking cunts, Jason. Fucking hit 'em!'", a conversa não é entre um psiquiatra e Jason, mas entre Jason e Jason. Entre as linhas políticas e morais do álbum, há uma reflexão da parte do vocalista sobre a qualidade da banda e a relação que tem com géneros e cenas musicais das quais eles não têm a certeza de fazerem parte. Esta reflexão é, neste álbum, demasiado aparente.
James Dias
[i] Ludwig Wittgenstein, The Mythology in Our Language. Remarks on Frazer’s Golden Bough. Trad. S. Palmié. Ed. Giovanni da Col e Stephan Palmié. Chicago: HAU Books, 2018, p. 52.
James Dias (autor):
É mestre em Teoria da Literatura pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Está neste momento a realizar o seu doutoramento no mesmo programa sobre os poetas Alexandre O’Neill e Philip Larkin. Os seus interesses principais incluem literatura, cinema e música, particularmente música punk, country e pop.