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Revisitando “A Burning Hill”

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No passado dia 9 de novembro de 2021, Mitski anunciava nas redes sociais o lançamento do seu novo single, do álbum “Laurel Hell,” estreado hoje mesmo, à data de publicação deste artigo, dia 4 de fevereiro de 2022. “The Only Heartbreaker” é o segundo single do antecipado novo álbum da cantora, mas, ao assistir ao videoclipe, não conseguia ignorar uma forte sensação de déjà vu enquanto Mitski rodopiava numa floresta, queimando tudo em seu redor. Ao percorrer os comentários do vídeo no Youtube, vejo um curioso que dizia apenas “I am the fire and I am the forest and I am a witness watching it” e instantaneamente sou levada de volta a 2016, para a última faixa do álbum “Puberty 2”.

“A Burning Hill” é a faixa final do seu álbum de 2016 e é uma canção relativamente curta e simples, mas quando se trata de Mitski há sempre camadas para espreitar debaixo da superfície. A canção acompanha a cantora após uma separação dolorosa que a deixou “destruída”: Mitski revela que se despiu de ambições e quer apenas apreciar a simplicidade da vida, não tendo mais nada para desejar. A cantora depara-se com a sua relação unilateral e antecipa o sofrimento da separação ao provocá-lo ela mesma; ao dizer que ela é “o fogo, a floresta e a testemunha,” Mitski, expõe as consequências de viver ciente da sua condição sofredora sem que consiga fazer algo acerca disso. O acompanhamento instrumental é muito reduzido, dando destaque ao registo grave da guitarra, que apoia a melodia da voz com notas cheias e marcadas. No videoclipe, a câmara segue a cantora que se desloca pela cidade, vestindo uma camisa branca (tal como diz logo no primeiro verso), apresentando um olhar imperscrutável que nunca se cruza com a câmara. A dimensão do olhar é muito importante no vídeo e, quando ouvimos “And I've been a forest fire / I am a forest fire / And I am the fire, and I am the forest / And I am a witness watching it / I stand in a valley watching it / And you are not there at all”, Mitski devolve-nos finalmente o olhar, com uma intensidade que nos parece “queimar,” uma personificação do “olhar omnisciente” de que ela fala na canção ao dizer que é simultaneamente a destruição e a testemunha. O último verso ganha especial importância quando o ligamos com dois anteriores (“I think I’m finally worn / For you have a way of promising things”): materializa-se a ideia de um parceiro que não corresponde os esforços da cantora e que se apresenta numa posição de total neutralidade, deixando a Mitski o trabalho de cometer erros por ser a única que toma iniciativa no relacionamento, culminando na sua autossabotagem. No entanto, se o olhar de Mitski nos queima durante a primeira estrofe, na segunda mergulhamos (literalmente) numa outra realidade, onde no vídeo observamos a cantora, que se deixa arrastar pela corrente fraca do riacho. Mitski faz um uso muito deliberado da imagética que emprega e, ao escolher a água, não só cria uma oposição entre os versos anteriormente cantados e a imagem, como também personifica os seus sentimentos de derrota após a sua relação; sem forças para continuar a lutar, Mitski não segue em frente, mas é arrastada para a frente, lentamente e sem grande luta. Mitksi renuncia aos seus sonhos e diz que talvez se quiser algo mais “pequeno” que conseguirá evitar mais desilusões.

Enquanto que “The Only Heartbreaker” apresenta um estilo marcado pela centralidade de uma batida mexida e sintetizadores, conferindo à canção uma sonoridade típica da década de 1980, “A Burning Hill,” é pontuado pela guitarra e pela melodia suave da cantora, numa onda muito mais folk. Logo desde a primeira estrofe da canção, podem começar-se a estabelecer paralelismos entre as duas canções: Mitski canta “If you would just make one mistake / What a relief that would be / But I think for as long as we’re together / I’ll be the only heartbreaker,” pegando novamente na temática da autossabotagem dentro do relacionamento e um desejo de o parceiro devolver o esforço que a cantora lhe oferece, para que não seja ela a única capaz de cometer erros. Já na segunda estrofe, Mitski aceita o seu papel de má da fita na relação e logo de seguida diz “I´ll be the water main that’s burst and flooding / You’ll be by the window, only watching,” fazendo uma ligação direta ao videoclipe de “A Burning Hill.” Existe também alguma similitude na maneira de estruturar estes versos e os de “A Burning Hill,” ainda que se note a diferença que, em “The Only Heartbreaker,” o parceiro testemunha o momento de rutura da cantora e age indiferentemente, enquanto que na outra canção, a destruição é feita a solo (“I stand in a valley watching it / And you are not there at all”). Deste modo , percebe-se como “The Only Heartbreaker” e “A Burning Hill” não só são canções que se complementam uma à outra pela temática e pela imagética, como também são o espelho uma da outra: o novo single faz menções à água e apresenta imagens de fogo, tratando-se do oposto no caso da outra canção.

Com o seu segundo single do novo álbum, Mitski faz um tributo elegante a “Puberty 2”, um dos seus trabalhos mais consagrados e experimental em termos de temáticas. Em entrevista para a Rolling Stone, Mitski diz acerca da canção:

​ “[It is about] the person always messing up in the relationship, the designated Bad Guy who gets the blame. It could simply be about that, but I also wanted to depict something sadder beneath the surface, that maybe the reason you’re always the one making mistakes is because you’re the only one trying.”

Patrícia Moreira

Título da canção: “A Burning Hill” Ano de edição: 2016 Editora: Dead Oceans Duração: 1:49 minutos Produção: Patrick Hiland

Título da canção: “The Only Heartbreaker” Ano de edição: 2021 Editora: Dead Oceans Duração: 3:04 minutos Produção: Patrick Hiland

(Fonte da imagem do artigo: @mitskimaxims, Tumblr)

Palavras-chave: “indie”; “folk”; “pop”; “rock”; “análise comparada”.

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