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Mitski: no cruzamento entre a simplicidade e o sentimental

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Puberty 2 (2016) continua a ser o álbum mais discutido e aclamado da cantora nipo-americana Mitski (e com toda a razão), desde o seu despojamento ornamental ao peso intenso da palavra com que a cantora impregna em cada faixa, cada uma mais intensamente emocional e desoladora que a anterior. Neste álbum, vemos Mitski a voltar às suas raízes composicionais e a abordar temas crescentemente pessoais, como a sua relação com a sua identidade racial, o amor, a solidão, a desilusão, a saudade, a depressão.

A cantora não desilude na sua escrita complexa e repleta de emoção e, sobretudo neste álbum, podemos ver como a simplicidade musical faz brilhar o significado da palavra, algo que é apoiado pela interpretação profundamente intimista e sentimental. A escolha de instrumentais pouco dominantes e progressões harmónicas simples e previsíveis permitem ao ouvinte concentrar-se na letra e deixar-se embalar pela voz doce que traz algum conforto ao nosso próprio desgosto. Em várias entrevistas, a cantora referiu que era acima de tudo uma compositora, querendo com isto dizer que não importa se a guitarra não é tocada na perfeição ou se a sua voz não soa totalmente afinada, mas que aquilo que devemos retirar das suas composições são as emoções e que cada “falha técnica” é um compromisso em prol da expressividade.

Uma das associações temáticas mais prevalentes na discografia de Mitski é a do amor e da desilusão que frequentemente o acompanha – e este álbum não é diferente. Conseguimos reconhecer uma narrativa invisível entre diversas faixas, onde, no final, o amor que esperávamos que nos preenchesse só nos deixa mais sozinhos do que estávamos antes. A música “A Loving Feeling” diz-nos isso mesmo com as palavras “What do you do with a loving feeling / if the loving feeling makes you all alone? / What do you do with a loving feeling / If they only love you when you’re all alone?”

As temáticas de desilusão, vergonha e alienação pelo objeto do seu afeto vão continuar a aparecer ao longo do álbum. Nesta sequência, podemos estabelecer ligação com a canção “Once More to See You Again”. Esta música é, a meu ver, o magnum opus do álbum e a canção com versos mais potentes. Somos desde logo colocados dentro do carro com a cantora, numa viagem de regresso durante o pôr do sol, em que o sujeito poético evita a todo o custo olhar para o seu amante, acabando por falhar. Sentimos o desejo, o secretismo de toda a situação e uma recusa do amante em reconhecer o compromisso com a cantora, como aparece no refrão “If you would let me give you pinky promise kisses.” O clímax do refrão e da canção acontece nos versos seguintes “Then I wouldn’t have to scream your name / Atop of every roof in the city of my heart”; a relação vê-se pressionada pelo seu carácter secreto e a cantora sente a solidão da sua situação e apela ao objeto da sua afeção que a deixe vê-lo novamente (“If I could see you / Once more to see you”). O clímax é particularmente pungente pela maneira suave e melancólica com que Mitski canta, numa linha melódica que sobe e desce num tom suplicante, como se o seu amante fosse ceder ao seu pedido de não a querer esconder do mundo.

Este álbum abraça-nos na sua melancolia e dá-nos conforto ao servir de câmara de eco para os sentimentos de cada ouvinte e, por vezes, permeia-nos com sentimentos de saudade que não sabíamos existirem. Laura Snapes, da NPR (uma plataforma de rádio americana), comentou sobre este álbum “[it] is a strike against the happy/sad poles that govern our lives.”


Patrícia Moreira


Título do álbum: Puberty 2 Artista: Mitski Editora: Dead Oceans Ano: 2016 Produção e Masterização: Patrick Hyland

Palavras-chave: "música alternativa" "música rock" "punk rock" "folk-punk".



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