Don´t Stop Believin': a jornada musical de Arnel Pineda
No dia 21 de fevereiro de 2008 os Journey estreavam, no Viña del Mar International Song Festival, no Chile, o seu novo vocalista Arnel Pineda. A pressão em cima de Arnel era imensa, não só por parte dos fãs da banda americana, que reivindicavam mais uma vez Steve Perry, o vocalista da formação clássica, como sendo insubstituível, mas também por parte de toda uma nação, as Filipinas, que passou a aclamar Arnel como uma espécie de herói nacional. Terminado o concerto, começaram a surgir as primeiras reações de apreço, muitos elogiaram a capacidade vocal de Pineda, enquanto outros destacaram a sua infatigável presença em palco. Já os mais audazes arriscaram mesmo dizer que, se fechássemos os olhos, poucos seriam aqueles que conseguiriam diferenciar Pineda de Perry.
Mas afinal quem é Arnel Pineda e como é que ele foi descoberto por uma das maiores bandas de rock do mundo?
Arnel Pineda nasceu em Manila, nas Filipinas, a 5 de setembro de 1967. Desde tenra idade foi incentivado pela mãe a desenvolver o seu gosto pelo canto, tendo sido inscrito, pelos seus pais, em diversos concursos . No entanto, aos 13 anos, a vida de Arnel foi seriamente abalada com o falecimento da sua mãe devido a um problema de coração. Com os elevados gastos nos cuidados de saúde da mãe, a família Pineda, que não vivia em grandes luxos rapidamente se endividou, e, ao aperceberem-se que já não tinham forma de sustentar os gastos do dia-a-dia, viram-se forçados a retirar Arnel da escola para que este pudesse ir trabalhar de forma a ajudar o seu pai em termos monetários. Também sem dinheiro para pagar a renda da casa, Arnel viu-se obrigado a viver nas ruas de Manila durante cerca de dois anos, durante os quais fazia pequenos biscates como limpar sucatas ou limpar barcos que se encontravam nas docas. Pineda não tinha sequer a possibilidade de comprar comida, desta forma, a solução passava muitas vezes por comer apenas um pacote de bolachas que tinha que chegar pelo menos para dois dias.
Mas a luta de Arnel pela sobrevivência não o fazia largar a música, pois era aí que encontrava o seu conforto, e, em 1982, com apenas 15 anos, tornou -se o vocalista da banda Ijos. Ainda assim, o seu primeiro reconhecimento só chega em 1986, quando, juntamente com outros elementos dos Ijos, forma os Amo e vence o concurso Rock Wars. Os anos que se seguiram foram de bastante sucesso para os Amo, com mais uma vitória num concurso, desta vez em 1988 no Yamaha World Band Explosion das Filipinas e com vários espetáculos espalhados por diversos clubes do país. Porém, a carreira de Arnel também ficaria pautada pela efemeridade de muitos dos seus projetos musicais e é assim que, em 1990, sai dos Amo e forma a banda Intensity Five. Com nova participação no concurso da Yamaha, Arnel é premiado pela primeira vez na categoria de melhor vocalista. Contudo, Pineda só começaria a ter alguma estabilidade já com os New Age, projeto que, em 1991, chamou a atenção de um agente e que consequentemente foi contratado para se tornar na banda residente do famoso restaurante Grammy’s em Hong Kong. Com os New Age, Arnel consegue finalmente solidificar o seu nome na indústria musical filipina e, em 1999, desperta o interesse de uma editora discográfica multinacional. É pela mão da Warner Bros. que Pineda tem então a sua primeira experiência de estúdio ao gravar o seu álbum de estreia homónimo. Este registo não só fez bastante sucesso nas Filipinas como também permitiu a Arnel chegar às rádios do país através da rotação das faixas "Iiyak Ka Rin" e "Sayang”. Em termos formais, o álbum resulta num conjunto de baladas pop rock que nos é categorizado como pinoy rock ou filipino rock, uma categoria que abrange todos os géneros de música rock que são performados nas Filipinas ou por músicos filipinos.
Nos anos que se seguiram, Pineda manteve-se com os New Age, mas ao mesmo tempo ia colaborando com diversos projetos paralelos que viam em Arnel uma espécie de elo mais forte para a sua banda, até que, em 2006, juntamente com Monet Cajipe, o seu guitarrita de longa data, formou os The Zoo. Com atuações regulares nos clubes de Manila, a banda começou a construir uma sólida reputação e rapidamente assinou contrato com a MCA Universal para a gravação do seu álbum de estreia “Zoology”, editado em setembro de 2007. Nos seus concertos, o grupo combinava repertório original com covers de bandas de rock clássico como era o caso de Journey, Led Zeppelin, Survivor, The Police, etc. Em muitos desses concertos estava presente Noel Gomez, fã e amigo de Arnel Pineda, que fazia questão de gravar os espetáculos e posteriormente partilhá-los na então recente plataforma de vídeos YouTube. No entanto, Arnel não se encontrava preparado para o que lhe estava prestes a acontecer…
Mais ao menos na mesma altura (2007), do outro lado do mundo, mais precisamente na área de São Francisco, Califórnia, os Journey continuavam a passar por um período conturbado e pouco caloroso, isto porque, desde que o seu emblemático vocalista Steve Perry abandonara a banda em 1998, nunca mais tinha sido possível reestabelecer a chama que os tinha guiado durante os anos de maior sucesso (1978-1983). As razões eram naturalmente compreensíveis, primeiro porque Steve Perry é dono de uma voz intocável capaz de rivalizar com nomes como Freddie Mercury, Robert Plant ou Paul Rodgers, e segundo porque os fãs não estavam predispostos a aceitar o ultraje que seria substituir uma figura tão icónica como Perry. Ainda assim, os Journey tentaram reerguer-se, primeiro com Steve Augeri e posteriormente com Jeff Scott Soto, mas a baixa afluência nos concertos, bem como os problemas vocais de Augeri, levaram a banda californiana a ir em busca de um terceiro vocalista que pudesse restituir a mística dos Journey.
A procura pela nova voz foi levada a cabo por Neal Schon, guitarrista e líder da banda, que utilizou a recém-criada plataforma YouTube para analisar todas as possibilidades. Passados longos dias de busca, Schon já tinha visto e ouvido quase todos os vídeos de interpretações de músicas dos Journey que se encontravam no site, desde as mais profissionais, levadas a cabo por vocalistas de bandas de tributo, aos amadores que cantavam a partir das suas casas. No entanto, e apesar de ter ido ao encontro de excelentes intérpretes, continuava a faltar alguém que não só tivesse um alcance e coloratura vocal semelhantes à de Steve Perry, mas também que conseguisse transmitir toda a emoção que o repertório dos Journey incute no ouvinte. Posto isto, e após muitas visualizações, continuava a não aparecer “o tal” e é então no momento em que Schon se preparava para desistir que surge um vídeo de Arnel Pineda com a sua banda The Zoo a cantar a música “Faithfully”, dos Journey, num bar em Manila.
A reação de Schon perante a prestação de Arnel foi de êxtase, pois estava perante a voz que tanto procurara. Pineda não só apresentava uma voz poderosa, com variações tímbricas que iam desde o cristalino ao arranhado, como também cantava com bastante feeling, algo que Schon valorizava, e muito, nos seus critérios. Completado o primeiro passo, Schon não tardou em contactar os outros elementos da banda para que também eles pudessem ver o vídeo (escusado será dizer que as reações foram tão efusivas como a do guitarrista). Todavia, o entusiamo colocou também à vista algumas dúvidas, isto porque Arnel vinha de um país de terceiro mundo e não tinham a certeza se ele saberia sequer falar inglês e também porque iria precisar de um visto, que lhe podia ser concedido ou não, para se poder deslocar aos EUA de forma a realizar a audição. Mas nenhum destes “obstáculos” demoveu Schon de contactar Pineda e, entre uma troca de e-mails e de telefonemas, o vocalista recebeu indicações para se deslocar a São Francisco para uma semana de audições em agosto de 2007. Quando chegou à Califórnia, Arnel dirigiu-se ao estúdio para o primeiro dia de audições, que seriam levadas a cabo pelo guitarrista Neal Schon e pelo teclista Jonathan Cain. No entanto, Pineda, ao acusar o cansaço da viagem, bem como os efeitos do jet lag, não estava a demonstrar todo o seu potencial, algo que provocou um certo desagrado em Schon e Cain. Ainda assim, e visto que iria estar uma semana em São Francisco, a decisão passou por deixar Arnel repousar e marcar encontro no estúdio para o dia seguinte. E assim foi: após uma boa noite de sono, Pineda regressou ao estúdio e trouxe com ele todo aquele poder vocal que tanto Schon como Cain tinham visto nos vídeos do YouTube. Estava então fechado. Arnel Pineda era o novo vocalista dos Journey.
Os meses que se seguiram foram de grande agitação para Arnel, com a banda em entrar imediatamente em estúdio para gravar o álbum “Revelations” (que só seria lançado em junho de 2008 e que viria a ser certificado disco de platina) e também com uma tournée mundial agendada, que duraria dois anos e que iria levar os Journey aos quatro cantos do mundo, nomeadamente a novos mercados como Chile, Singapura, Austrália, Espanha e Irlanda, países onde os Journey nunca tinham tocado. Porém, a aclamação de Pineda só viria a acontecer no dia 14 de março de 2009, quando o grupo se apresentou pela primeira vez em Manila perante uma plateia de 30000 filipinos. A banda, ao aperceber-se da importância que aquele concerto tinha, não só para Arnel como também para toda a nação filipina, decidiu imortalizá-lo através do icónico DVD “Live in Manila”.
Passados 14 anos, Arnel Pineda continua à frente dos Journey e é, até hoje, o vocalista com maior longevidade, superando o lendário Steve Perry. Entretanto, também lançou o seu segundo álbum com a banda, intitulado “Eclipse” (2011), bem como “AP” (2016), o seu segundo trabalho a solo. Com o seu espírito altruísta criou também a Arnel Pineda Foundation, com o intuito de ajudar crianças filipinas a terem acesso a uma educação e a cuidados de saúde de qualidade.
Aos 54 anos e com uma vida recheada de emoção, muitos afirmarão que a história de vida de Arnel daria um excelente filme e é isso mesmo que vai acontecer. Juntamente com a produtora Warner Bros. está a ser preparado uma cinebiografia, com realização de Jon M. Chu e enredo de Scott Silver, que promete “rivalizar” com “Bohemian Rhapsody” e “Rocketman”. Contudo, enquanto o filme não chega às salas de cinema, podes sempre ficar a saber mais sobre a ascensão de Arnel Pineda ao estrelato através do documentário “Don´t Stop Believin’: Everyman´s Journey”, que disponibilizamos aqui em baixo.
Rodrigo Baptista
Palavras-chave: "vocalista"; "rock"; "Filipinas"; "banda".