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O VERÃO JÁ FOI, LEVOU-ME O PESADELO

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Após dois anos intensos e cheios de saudade, 2022 trouxe-nos de volta, finalmente, um verão sem restrições, recheado de concertos e festivais que vêm aliados a viagens incríveis com amigos. Mas, como todos sabemos, não há nada mais importante do que uma boa banda sonora, por isso, neste artigo, apresento os três discos que me têm sido indispensáveis nos últimos meses. Todos de origem nacional, servem como exemplo da diversidade e qualidade que conseguimos encontrar na música portuguesa.


O primeiro lançamento, que me absorveu completamente em junho, é o Benefício da Dúvida (2022), da cantautora lisboeta Maria Reis. Editado pela Cafetra Records em maio deste ano, oferece-nos 7 músicas intensas, emocionais, e que se parecem tornar melhores cada vez que as ouvimos. O álbum toma um registo mais acústico, com arranjos compostos e tocados por Maria e pela irmã Júlia Reis. Algo já comum entre a editora, deparamo-nos com alguns instrumentos menos utilizados na música atual portuguesa, como é o caso da viola braguesa e do pandeiro, que contribuem para a sonoridade característica do disco.


As letras, cantadas por uma voz que soa tão genuína e crua, mostram-se igualmente potentes, facilmente atingindo qualquer um sem piedade – sendo que já no passado EP Flor da Urtiga (2021) encontrávamos esta habilidade de Maria Reis. Os três últimos temas, “Tipo do Ferro”, “Desaparece” e “Elefante na Sala”, são, para mim, os que mais se destacam na dimensão lírica, com linhas como: “Canseira, custa ‘tar contigo / Já nem penso duas vezes em te ignorar”; “Tás mal habituada / É da paranoia / Tranquiliza pensa só em quem queres ser / Vais dar conta do recado”; e “Veio atrás, o que é que eu faço pra não ser só mais um disparate / Veio atrás de mim ainda bem porque sofria sabotagem do momento”.


Benefício da Dúvida tem uma edição física em vinil, disponível no Bandcamp da artista e da Cafetra Records.


Já em julho, perdi-me no EP lançado pelos Hause Plants um mês antes, intitulado Sleeping With Weird People EP. O projeto surge a partir de Guilherme Machado Correia (voz, guitarra), acompanhado por João Simões (baixo), Dani Oliveira Royo (guitarra) e João António Nunes da Silva (bateria). As canções deste lançamento parecem estar mais cuidadosamente construídas em comparação às do EP de 2021 Film For Color Photos, que se apresentava mais enevoado. Os instrumentais têm uma certa familiaridade para quem cresceu com algumas das influências sentidas nestas músicas (LCD Soundsystem ou The Strokes), decorados de guitarras que convergem nos refrões e a fugir à construção de guitarra-baixo-bateria com o uso de um sintetizador como elemento principal para a faixa “Fake Friends”.


Em termos líricos, sentimos que os Hause Plants nos levam com eles até Nova Iorque, onde passaram o início do ano – “Well I can do whatever you like / Like I’ll wake you up early, walk around New York / Shouting down the street” ou “And now the city that surrounds you / Makes you feel like you did before”. A amizade também não fica esquecida, como vemos na última faixa do álbum – “All my troubles stay outsider / (I’m surrounded by my friends / Having fun until it ends / I’m ready to start again / Do it all over again)”.


Além disso, é impossível ignorar o inesquecível concerto que deram no Sobe à Vila, que antecede o festival Paredes de Coura, onde a diversão parecia não acabar.


Por fim, em agosto, redescobri os Conferência Inferno. Já tinha ouvido o EP Bazar Esotérico e o álbum Ata Saturna, mas só tinha ficado preso à faixa de abertura do EP, “Cetim”. Depois de outro concerto na Vila, desta vez dos portuenses Baleia Baleia Baleia que incluíram uma versão da “Apocalipse” dos Conferência Inferno no seu set, revisitei os dois discos e, desde então, têm estado em loop.

Apesar de também gostar muito do Ata Saturna, há algo no Bazar Esotérico que ressoa mais comigo, com drum machines e sintetizadores repetitivos e até agressivos que quase nos dão rewire ao cérebro para ouvir o EP vezes sem fim. A voz de Francisco Lima parece ditar-nos ordens para uma revolução, recorrendo a frases que à primeira escuta sabem a pouco, mas que quanto mais as ouvimos sentimos que nos estão a indicar uma certa direção. A linha “Tudo é quase nada”, repetida várias vezes em “Cetim”, não parece nem redutora nem exagerada, mas perfeitamente adequada aos dias que vivemos. Em “Estática” encontramos uma alusão ao nome da banda, por entre palavras bem escolhidas e pesadas: “Conferência no inferno / Transmissão psíquica / Na televisão do eterno / Paraíso da estática”. No meio de incríveis letras, as minhas preferidas terão que ser as do tema “Apocalipse”, onde logo os versos de abertura têm uma assertividade com a qual já os canto: “Eu já não me governo / Sem me corroer um pouco / Eu já não sou sincero / Sem me converter em louco”; “Eu já não me governo / Neste caos eminente / Já não sei o que quero / Neste fato indecente”.


Ainda não posso opinar sobre a prestação da banda ao vivo, mas já me estou a preparar para o fazer após o MIL Lisboa, onde irão atuar no dia 30 de setembro.


Partilhados os meus discos mais ouvidos deste verão, tenho a obrigação de esclarecer que os continuarei a ouvir nas próximas estações, porque música boa sabe bem em qualquer altura.


Afonso Mateus



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