Jessie Ware em What’s Your Pleasure?
A tão pouco tempo do Dia dos Namorados, pareceu-me obrigatório rever o mais recente lançamento da cantora e compositora inglesa Jessie Ware, What’s Your Pleasure?. Jessie Ware contava já com três álbuns de estúdio, entre eles Devotion (2012), Tough Love (2014) e Glasshouse (2017), onde teria sido comparada com Sade e teria já alternado entre o R&B, soul e outras novas fragâncias da pop.
Agora, vestido o veludo preto, retocado o batom vermelho e postos os sapatos de dança, Jessie Ware celebra o amor no sentido lato: What’s Your Pleasure? pode ser ouvido no carro com a nossa cara-metade ou desfrutado na glória da nossa individualidade. Apesar de ter citado Joni Mitchell, Frank Ocean e Solange como referências importantes na sua carreira musical, Ware foi capaz de mostrar a influência da música disco de Donna Summer, reveladora no ritmo e batida em praticamente todos os temas, mas também no charme e na poesia sedutora dos versos que iniciam a canção “What’s Your Pleasure?”, “I can tell we’ve got potencial, / Is this love too hot to handle? / Make a wish, blow out my candle / Make a wish for me”. O charme de Jessie Ware é semelhante ao de Dusty Springfield na sua música “Spooky” e a sensualidade, que lembra Donna Summer, impera a atmosfera em canções como “Spotlight”, na qual Ware canta: “Ain’t enough to say that I think of you / Words can never do the things that I need them to / Tell me when I’ll get more than a dream of you, / Cos a dream is just a dream / And I don’t wanna sleep tonight”. O refrão: “If only I could let you go / If only I could be alone / I just wanna stay, / In the moonlight, this is our / time, in the spotlight” ou em “Soul Control”, “Can't take my eyes off of you tonight / You're moving like a waterfall / Rush into my life, stay a little while / 'Cause I know that we could have it all”. A adrenalina, a certeza, o prazer e a dor misturam-se em What’s Your Pleasure?, como se fossem roupas no tambor da máquina de uma qualquer lavandaria a lavar no programa mais frenético e quente, como canta na sua música mais slow “In Your Eyes”: “ 'Cause I can hardly breathe / I'm feeling like I wanna be free / From feeling this pleasure and the pain / But it never goes away / 'Cause it's harder to see / When you're giving me every look I need / I live again”. Em “Step Into My Life”, Jessie Ware parece continuar à flor-da-pele, exigindo que o seu interlocutor expresse o seu amor, para que o baile possa prosseguir: “Give into me / Show what you're feeling / In harmony / Show me you need me, boy”.
A canção que mais remete para a música dos anos 80 é a “Read My Lips”. O instrumental é hipnotizante, catchy e caloroso – como em qualquer tema de What’s Your Pleasure? – e a voz de Jessie Ware está em sintonia completa com tudo o que está a acontecer. A poesia mostra como a comunicação não-verbal é tão ou mais poderosa que a verbal no que toca à linguagem do amor. Jessie Ware canta: “We’ve been talking for a while, boy / I got your message on my phone / I need to talk to you face to face 'cause / I don't wanna be alone” – o que me recorda a música “Blissing Me” da Björk, quando canta, “Is this excess texting / a blessing? / Two music nerds obsessing / He reminds me of the love in me / I'm celebrating on a vibrancy / Sending each other MP3s / Falling in love to a song” – e remata no refrão: “If you wanna know the truth / Read my lips / 'Cause they're telling you to make your move / Read my lips”. Ao dissecar a comunicação não-verbal e ao mostrar que basta ler os seus lábios para saber a verdade, a cantora mostra, ao longo dos 53 minutos que perfazem o álbum, o modo como as próprias palavras nos falham ou, em muitos casos, não são suficientes: “Words are never enough, my only wish / Is you forget about the things I say / Read my lips”. Jessie Ware também nos descreve a sua “utopia”, onde reside a sua busca urgente pelo amor, como canta em “Save a Kiss”, “Now my heart is racing / Passing all the places we've been / Counting down the minutes / 'Til I give you all of me”. Em “Mirage (Don’t Stop)”, Jessie Ware evoca a dança e o groove como mantras artísticos para o rejuvenescimento: “Last night we danced / And I thought you were saving my life” – exigindo que não se pare de dançar – “Don't stop, moving together / Keep on dancing.” A última canção, “Remember Where You Are” é, atrevo-me a dizer, uma das músicas mais bonitas que já ouvi na minha vida. Passado o frenesim, são feitas as confessions on the dance floor, como diria Madonna: “Can we keep moving in the after hours? / Can we keep loving on the edge of doubt? / You should let me save the day / Please and thank the pain away / Why don't you take me, take me home?”.
A produção, a orquestração, a poesia e a atmosfera geral em What’s Your Pleasure? são excecionalmente sublimes. Cada música é repleta de fragmentos, momentos e interações tão comuns para toda a gente, contudo, tão poderosos e bonitos. Lançado numa altura de grande tensão e medo, quando a maior parte dos indivíduos se encontrava em isolamento social devido ao surgimento da pandemia mundial da COVID-19, o lançamento de What’s Your Pleasure? foi recebido de braços abertos. Em 1979, os Roxy Music já tinham aconselhado, “Dance away the heartache / Dance away the tears / Dance away”, mas Jessie Ware faz disso regra e cabe-nos cumpri-la. E nunca o trabalho de casa foi tão divertido.
Catarina Fernandes
Título do álbum: What’s Your Pleasure? Ano de edição: 2020 Editora(s): PMR, Friends Keep Secrets, Virgin EMI e Interscope Duração: 53:24 minutos Produção: Benji B, Adam Bainbridge, James Ford, Morgan Geist, SG Lewis, Joseph Mount e Matthew Tavares
Palavras-chave: “pop”; “disco”; “post-disco”; “R&B”; “alternativa”; “Jessie Ware”.