Imperatrizes no século XXI
Com a perfeita noção do meu atraso imperdoável, desta vez venho contar coisas sobre “os” L’Imperatrice. É com pena que confesso que só recentemente descobri este grupo viciante, ao seguir a recomendação certeira de uns amigos com bom gosto.
Composta por Charles de Boisseguin (teclas), Flore Benguigui (vocalista), Hagni Gwon (teclas), Tom Daveau (percussão), David Gaugué (baixo) e Achille Trocellier (guitarra elétrica), L’Imperatrice nasceu em 2012 com Charles de Boisseguin, que começou como crítico musical antes de lançar o primeiro EP da banda. Enquanto crítico musical, De Boisseguin criou uma revista, Keith, cujo nome faz homenagem a todos os grandes Keiths (Richards, Haring, etc...), nas suas próprias palavras. Inicialmente, durante os primeiros três anos, De Boisseguin recusou a presença de voz na banda, querendo destacar L’Imperatrice entre o pop padrão, que, geralmente, é apenas reconhecível pela voz dos vocalistas.
O seu primeiro EP, com o mesmo nome da banda, L’Imperatrice, foi lançado de forma independente, tendo recebido atenção suficiente para conseguir ao grupo um contrato com a editora francesa microqlima. Na altura do lançamento do EP, o teclista convidou Hagni Gwon para se juntar ao projeto, que por sua vez conhecia um baterista, que conhecia um guitarrista, e vice-versa. E assim, a parte instrumental de L’Imperatrice ficou completa.
Em 2015, De Boisseguin conheceu Flore Benguigui num concerto, e ouviu a cantora, mais tarde, a atuar no Café La Presse, percebendo que ela era o elemento que faltava ao grupo. Assim, a cantora juntou-se com o lançamento de Odyssée, o terceiro EP. É de notar que De Boisseguin insiste em tratar a voz de Flore como mais um instrumento e não como voz propriamente dita.
Contudo, Flore Benguigui teve uma iniciação como “imperatriz” um tanto atribulada recebendo comentários com implicações sexistas por parte dos media e do público, que a criticavam por não ser tão artista” como os restantes membros, embora seja a compositora das (suas) linhas melódicas vocais e escreva as letras em conjunto com Charles de Boisseguin. Este (não tão) “fun fact” vem carregado de ironia, sendo que a banda se orgulha de ativamente usar a sua música para lutar contra a misoginia.
Como referência à sua luta contra o sexismo, chamo a atenção para o hit recente do último álbum da banda — Tako Tsubo (2021) — “Peur des filles”, que é traduzido como: “Medo de raparigas”. Acompanhada por um sarcasmo cómico, a letra da canção canta: “T’as peur des filles (peur des filles) / Ah, si seulement c’étaient des gars” /– “Tens medo de raparigas (medo de raparigas) / Ah, se ao menos elas fossem rapazes”. O videoclipe da música, o único que conta com a presença da banda, foi realizado por Aube Perrie, e desafia a misoginia sob a forma de thriller surreal, com uma cinematografia belíssima, figurinos e cores vintage. Flore aparece como uma femme fatale que decapita os outros membros, que, depois de decapitados, a acompanham a dançar ao som da música.
De Tako Tsubo, é de destacar também “Submarine”, escrita pela vocalista sobre o fim de uma relação recente. Começando com um teclado relaxado, “Submarine” inicia-se como algo reminiscente do R&B, que se revela pop funky, mantendo simultaneamente a sonoridade base do R&B. O tema é de mencionar também pelo facto de ter sido composto por Flore, numa altura que admite (finalmente) sentir-se à vontade para escrever “como uma rapariga”, num grupo com mais cinco rapazes.
“Voodoo?” é introduzido por “Tako Tsubo”, single homónimo do álbum, que vem antes do primeiro., Com apenas 38 segundos, serve de “segway”, para “Voodoo?” como uma transição completamente suave e certeira.
“Voodoo?” surge com um baixo forte e funky ao qual é impossível resistir. É um dos únicos singles do álbum que é cantado em inglês. “Off to the Side” é um dos outros e é impossível não ser referido, apesar de ser completamente subestimado, e merecer ser dos mais ouvidos em Tako Tsubo.
No fundo, L’Imperatrice traz ao pop uma onda funk, disco, diversão e genialidade há muito não sentida. Não tenho dúvidas de que vão continuar a crescer, tornando-se os (muito desejados) desaparecidos Daft Punk da próxima geração.
Marta Tavares