Grimes - O Impulsionar de uma Visão singular da Pop
Se as massas consideram Britney Spears a princesa da Pop, parece-me que se trata de uma questão de anos para que os críticos considerem Claire Boucher, persona artística por detrás de Grimes, a princesa do Synth-pop. Influenciada inicialmente pela música de Mariah Carey e Dolly Parton, Grimes lança-se em 2010 com a estreia de “Geidi Primes” para mais tarde dever a sua popularidade ao lançamento do seu single “Oblivion”, do seu disco “Visions” de 2012.
Desde o lançamento de “Visions”, Grimes lança mais dois discos: “Art Angels”, em 2015, e o seu mais recente álbum, “Miss Anthropocene”, lançado o ano passado, e que, segundo a canadiana, é o disco de que mais se orgulha. Na minha opinião, “Art Angels” é, contudo, a sua obra mais sublime – desde o seu lirismo à inovação de Grimes como artista Pop. Sem medos e de forma completamente autónoma, Grimes, cansada dos comentários sexistas dos engenheiros e técnicos de som no estúdio, junta as pedras para formar o seu castelo, construído somente por si. Grimes aprende a tocar instrumentos como guitarra acústica, ukulele e violino, instrumentos cujo estudo, até então, não lhe havia suscitado particular interesse, complementando o seu universo musical que contava já com o piano e o teclado, sem nunca menosprezar as potencialidades dos sintetizadores, que estão presentes em todas as faixas, de uma maneira ou de outra; para além disto, Grimes aprendeu a utilizar o Ableton Live, um dos programas mais standard para a produção de música. O progresso musical que escutamos em “Art Angels” deve-se, em grande parte, ao complemento dos instrumentos de cordas e também ao seu empenho no processo de produção e masterização, que, uma vez mais, fez sozinha.
“Art Angels” é a prova do talento de Grimes como artista e produtora a solo: a energia frenética e hipnotizante do disco sente-se, desde logo, no tema “California”, onde somos convidados a entrar no seu castelo, com os batuques da bateria, dos tambores e da simulação de palmas, que parecem anunciar a chegada da artista. Confessa, com a sua voz doce e trabalhada, “The things they see in me / I cannot see myself / When you get bored of me / I’ll be back on the shelf”, e, a partir daí, cria a atmosfera dupla: inocência-confiança, que reclama ora de um lado ora de outro. Temas como “Art Angels”, “Easily” ou “Pin” parecem realçar o seu lado mais cândido, ainda assim obscuro; já temas como “Scream” onde 潘PAN (Aristophanes), rapper do Taiwan, colabora, “Fresh without Blood”, “Kill V. Maim” ou “Venus Fly”, que conta com a participação de Janelle Monáe, mostram o lado confiante, provocatório, experimental e artisticamente inovador de Grimes. Canções como “Kill V. Maim” – uma alusão explícita a “The Godfather”, perspetivando Al Pacino como um vampiro híbrido que consegue viajar pelo espaço – mostram-nos o caráter único de Grimes como artista Pop feminina, especialmente quando alterna a sua voz aguda e frágil com os seus gritos graves, como se ouvíssemos um guerreiro (afinal de contas, “I’m only a man / and I do what I can”), acompanhada de uma energia vibrante e rápida. Não há como escapar à dimensão onírica de “Art Angels”. Como explicou em várias entrevistas, todos os temas são uma materialização abstrata de personagens manga que cria, o que faz sentido se pensarmos nas palavras que formam o título do disco e se refletirmos no significado do substantivo anjos (“angels”), tendo em conta que são seres não-terráqueos, que habitam o céu.
É possível estabelecer uma relação entre os temas da primeira parte e da parte que se segue à faixa “Pin”. Se na primeira parte somos levados a voar e a fantasiar, na segunda parte os temas remetem-nos para o progressivo acordar de um sonho para a realidade, como cantaria no refrão: “Falling of the edge with you / It was too good to be true”. Esta premissa é retomada em canções como ”Realiti”, onde temos uma lírica menos imaginada e mais crua: o refrão alerta-nos para as dificuldades da vida como jovens adultos, desafios esses que eram facilmente menosprezados na inocência da infância, “Oh, baby, every morning there are mountains to climb /Taking all my time / Oh, when I get up, this is what I see / Welcome to reality”.
O teclado, os sintetizadores e a contenção da voz de Grimes progridem em “World Princess Pt. II” até ao seu crescendo, sensivelmente a meio da música, para retomar o som reverberante do teclado, que nos deixa extasiados e ansiosos pela próxima transição. Já o tema “Life in the Vivid World” destaca-se pelos seus coros e pelos arranjos, que criam não só uma dimensão angelical, mas também uma aura que parece pairar no ar, intocável. O disco termina com “Butterfly”, tema que parece ser um hino à liberdade artística e onde revela, desde o início, a sua fórmula musical, “Big beats, black cloud/ Get it wrong, get loud/Write a song, get down/And everyone will know”, versos que me parecem uma excelente definição para descrever a música de Grimes.
Os seus sons viciantes são acompanhados pela sua poesia simbólica e criativa e beneficiaram da sua experimentação instrumental e técnica, que deixa qualquer ouvinte no chão da pista de dança. É importante lembrar que todos os visuais são feitos pela própria Grimes, que desenhou a capa do disco e realizou também todos os videoclipes. A inovação artística – musical e visual – e o legado que deixou para outros artistas da esfera Pop-alternativa é indiscutível.
Catarina Fernandes
Titulo do álbum: Art Angels Artista: Grimes Editora: 4AD Artistas convidados/as: 潘PAN (Aristophanes), Janelle Monáe Ano: 2015 Produção e Masterização: Grimes
Palavras-chave: “música pop”; “música alternativa”;“synth-pop”;“dance”; “art pop”.