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The Beatles of Comedy: um texto sobre música e humor

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Nada faz mais sentido do que desfruir da música para fins humorísticos, principalmente, quando a narrativa é sobre a condição humana. Questionar sobre a própria vida e o futuro é inerente a todos, mesmo que seja por uns momentos. Tudo o que fazemos, literalmente, molda a forma como pensamos e olhamos ao nosso redor, mas e se em todas as nossas introspeções houvesse, em ambiente, bem baixinho, um som, uma música, uma espécie de musical da nossa vida? É absurdo, mas faria sentido.

O processo de criar uma piada exige um distanciamento sobre o tema em questão, recorrendo a uma vasta criatividade linguística ou gestual, ou, então, pode ser tão simples como uma entoação irónica e uma careta, pois na verdade o que conta é rir. Um bom comediante sabe da existência dos Monty Python, pelo menos aquele que não tem a minha idade (já passou algum tempo, eu sei), mas o grupo pode dar muito que falar mesmo hoje em dia.

Inicialmente, em 1969, os Pythons tinham seis elementos, Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Terry Jones, Michael Palin e Eric Idle. Cada um tinha um papel fundamental na construção das piadas e normalmente dividiam-se em três blocos: Chapman e Cleese, Palin e Jones trabalhavam nos textos, Idle tratava das canções e dos monólogos, e Gilliam dedicava-se às animações - nem sempre seria assim. O resultado foi uma espécie de surrealismo humorístico com muita sátira, humor físico, ironia e assuntos mórbidos, todos compactados numa Série com 4 temporadas, realizadas em vários sketchs e curtas-metragens, “Flying Circus” (1969) e “And Now for Something Completely Different” (1971), e em filmes, como “Monty Python and the Holy Grail” (1975), “Life of Brian” (1979) e “The Meaning of Life” (1983), entre outras produções. O objectivo é rir, sem dúvida, mas deixa sempre aquele gostinho a ensimesmação que vem depois da piada, como um tipo de catarse.

Indo direto ao assunto deste texto, o mais fácil será começar pelo filme “The Meaning of Life”. Foi produzido por John Goldstone e dirigido por um dos Pythons, Terry Jones, e marca a última produção do grupo e a última aparição de Graham Chapman no ecrã. O filme é composto, ao início, por uma curta-metragem “The Crimson Permanent Assurance”, com cerca de 15 minutos, dirigida por Terry Gilliam, que fala sobre um grupo de empresários que se revolta contra a companhia, invadindo-a com um barco de piratas. Depois segue-se o filme composto por 7 partes que explicam os vários estágios da vida. Tudo começa por uma conversa num aquário de um restaurante onde os peixes observam o amigo a ser servido e comido. Em conclusão, todos perguntam: “What are we doing here?”. Depois seguem-se os vários episódios do quotidiano, desde o nascimento “Part I: The Miracle of Birth”, passando pela crise da idade média “Part IV: Middle Age”, até à morte “Part VII: Death”. Num curto tempo de 90 minutos são apresentados vários temas que refletem as visões da sociedade, tais como, o sexo, a religião, o consumo, o argumento, a burocracia, as leis, a morte, entre outros. Este filme é diferente pela sua narrativa invulgar e original dos sketchs, assim como pelo uso dos efeitos visuais que interferem na história. Geralmente, os efeitos são colagens e montagens toscas em estilo pastiche, como por exemplo o pé do cupido (cupid’s foot), que se tornou um dos símbolos do grupo, e neste caso temos a mão de Deus (God’s hand), que interage com os personagens.

Contudo, é a presença da música, em forma de um Musical, que realça o sentido absurdo da narrativa em “The Meaning of Life” e, estranhamente, tudo isso faz sentido. A música foi composta por John Du Prez, ex-membro da banda Modern Romance (1980-85 e 1999-atualidade), que colaborou com os Pythons desde “Life of Brian”, e teve a distintiva cooperação de Eric Idle, amigo de longa data do compositor – ainda assim, houve a colaboração de outros compositores. As canções vão decorrendo em paralelo com a narrativa, o que nos permite compreender como a intensidade humorística foi muito bem trabalhada com a música. Depois do sucesso de “Always Look On The Bright Side Of Life” (1979), neste filme, a música "Every Sperm is Sacred", criada por André Jacqueim e David Howman, com a letra e a performance de Michael Palin e Terry Jones, chegou a ser nomeada para os BAFTA (British Academy Film Awards) de 1983, como a melhor música original para filme. O contexto da canção é uma sátira aos ensinamentos católicos sobre o controlo da natalidade das famílias crentes e a questão do uso dos métodos contraceptivos no Reino Unido à época. É de notar que o movimento a favor do controlo da natalidade (birth control) tornou-se muito activo ao longo da primeira metade do século XX, porém o seu desenvolvimento só se fez sentir mais tarde, como por exemplo, na Irlanda, em 1979, a venda de contraceptivos só foi permitida consoante uma autorização médica.

O conto passa-se em Yorkshire e começa com o pai a chegar a casa do trabalho, que depois de reunir todos os filhos - acreditem são mesmo muitos, penso que sejam uns 66 - anuncia que está a ser difícil sustentá-los e, por isso, terá de os vender para experimentação científica. A música surge para explicar o porquê de os pais não usarem os métodos contraceptivos e, principalmente, torna explícito como uma determinada entidade contribui, significativamente, para uma concepção social. Rapidamente, a canção torna-se num hino do bairro onde todos cantam “Every Sperm is Sacred / Every sperm is great / If a sperm is wasted / God gets quite irate” e o musical assume grandes proporções, com muitos figurinos, encenação e coreografia - realizada por Arlene Phillips -, acabando por intensificar a piada e o seu significado.

Ao longo do filme, em que na sua aparência nada faz sentido, existe uma clarividência das mensagens, não só a partir de toda a criatividade artística, mas sobretudo, através da correlação com a música.


Miguel Alves

Para assistir ao vídeo da música mencionada: https://www.youtube.com/watch?v=bzVHjg3AqIQ&t=1s

Os possíveis interessados na música dos Monty Python: https://music.apple.com/us/artist/monty-python/527234

Fontes: https://www.bbc.com/news/uk-northern-ireland-45057221 https://www.bbc.co.uk/programmes/p012wlg7 https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2013/01/the-beatles-of-comedy/309185/ https://montypython.fandom.com/wiki/Monty_Python%27s_The_Meaning_of_Life#Part_II:_Growth_And_Learning www.montypython.com

Palavras-chave: "música", "humor", "Monty Python", "The meaning of Life", "musical".


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