top of page

Genghis Blues: a aventura de Paul Pena

6f5c06b1-cb90-4b11-93e7-5450958e2fe4.jpg

Começo por Gonna Move, uma música de Paul Pena (1950-2005), que fala da inquietação e do movimento. Neste tema, fugir da inquietação, ou tentar compreendê-la, é expressar o que se sente.


Segue um excerto da letra:


“Came to a school in the big city

Looked around at the lights and I thought they were pretty

They told me to teach me to live by their rules

So I wouldn't be nobody's fool


I found out, not too long

Their rules wouldn't let me sing my song

I knew in order to be a man

I had to pull up roots once again and move on in this land”.

 

Foi no pequeno estúdio da sua casa, com uma mão no rádio e outra no papel, que Paul Pena se deparou com uma frequência da Radio Moscow que se parecia com um assobio, ou um harmónico, mas que ao mesmo tempo continha outra nota.


Paul, de descendência cabo-verdiana e nascido em Massachusetts, nos EUA, começou desde muito cedo a tocar com o pai, primeiro piano e depois guitarra. As primeiras melodias foram da morna e depois seguiram-se os ritmos do Blues, e depois o jazz, e de seguida o flamenco, e por diante mais outros estilos e géneros. Paul foi, desde muito cedo, diagnosticado com Glaucoma, que o tornou cego aos vinte anos de idade, mas contra essa adversidade, ou adaptando-se a esta, a sua carreira continuou e fez parte de alguns projetos como T-Bone Walker Blues Band e Steve Miller Band. Abriu alguns concertos da banda Grateful Dead e de Frank Zappa, e em 1972 tocou no Festival de Jazz de Montreux. Lançou um álbum intitulado Paul Pena, em 1971, produzido pela Capitol Records. Infelizmente, por volta da segunda metade dos anos 70, suspendeu a sua atividade para cuidar da sua esposa, que acabou por morrer em 1991.


Passaram-se vários meses, ou até mesmo anos, em que Paul se dedicara a estudar os sons e as melodias de uma terra distante e isolada chamada Tuva, uma república da federação russa localizada a noroeste da Mongólia. Para compreender o que cantavam e por não existir um dicionário Tuvano-Inglês, teve de traduzir a letra das canções de tuvano para russo e depois de russo para inglês. As canções falam do nomadismo e da natureza, envolvendo os elementos e os animais, e melhor que falar, cantam-nas. Em Tuva, existe uma grande aproximação, ou melhor uma consciência coletiva da importância da natureza no quotidiano, não existem vedações a delimitar os terrenos e, por isso, a sensação de liberdade é mais presente. Esta consciência foi desenvolvida ao longo de gerações e tal como a música que tocam, existe graças a uma memória musical coletiva de tradição oral, tal como Theodore Levin e Valentina Suzukei retratam no seu livro, Where Rivers and Mountains sing: Sound, Music, and Nomadism in Tuva and Beyound. Segue um excerto que fala sobre este aspeto:


“You have to have inside your head this stock of sounds that’s built up over years of living on the grasslands, (…). And you have to learn how to distinguish all the various sounds−for example, by going hunting with your father in the taiga forest, where the sounds are different than on the grasslands. All of these sounds filter into a child’s sound world, and when they pick up an instrument and start to play it, or start to do throat-singing, they can easily reproduce those sounds. Moreover, you can’t destroy the timbre-centered system, even if there is a lapse of a whole generation, because the sounds are lodged in the cultural memory of nomads. Timbral sound-making and timbral listening will survive as long as herders live in nature and listen to the sounds of the taiga and the steppe, birds and animals, water and wind.” (pp. 58, 2006).


Mas que sons são estes e porque é que fascinaram tanto Paul?


A curiosidade está no canto bifónico, ou trifónico, algumas vezes. Este canto, ou melhor Xoomei (Throat-singing), acontece na relação entre a respiração e a pressão do ar, que pode ser manipulada na garganta, no peito ou no abdómen. Depois passa pelas cordas vocais, que produzem a nota fundamental (base dos harmónicos) e de seguida sucedem-se os harmónicos na “caixa” bocal, onde são produzidos com a língua. Esta técnica usa como modelo, ou seja, como uma escala vocal, as seguintes vogais: uh, oh, ah, áh, éh, e yih. Isto permitirá criar várias melodias e atingir os harmónicos, que, com a nota fundamental, alcançam uma escala pentatónica com uma sexta, oitava, nona, décima e uma décima segunda acima da fundamental.


Paul dedicou-se a praticar esta técnica até conseguir produzir vários géneros vocais, que são tradicionais da música de Tuva, como o Sygyt (como um assobio) e sobretudo o Kargyraa (uma voz profunda). Dedicou-se também a cantar para os seus amigos que rapidamente se aperceberam do seu talento e combinaram um encontro com um cantor célebre de Tuva, Kongar-ool Ondar (1962-2013). Após o concerto de Kongar nos EUA, Paul foi ter com ele e cantou-lhe uma música conhecida de Tuva que o impressionou. Kongar decidiu convidá-lo para ir a Tuva e participar no Festival de Canto Tradicional de Tuva, que acontece de 3 em 3 anos. Por consequência, surgiu a hipótese de se gravar um documentário para captar esta aventura de Paul por Tuva.


Aos leitores do Ruído Mudo e aos fãs do canto Throat-singing, existe uma pérola sobre a música de Tuva e sobre esta técnica vocal: Genghis Blues (1999), título que se refere a Paul Pena, é um documentário muito rico em emoções e que retrata a vida do músico e a sua experiência em Tuva. Em 2000, Paul lançou o seu último álbum, New Train (2000), 27 anos depois de ter sido gravado. Apesar da sua depressão e da sua condição física, continuou sempre a expressar o que mais ama.


Segue um excerto do Gonna Move:


“Jump on a train, come on the train with me

Come on and ride, you will see

Come on this train, success bound

We got to get the feel and they came around

We're gonna get there in a little while

Come on with me, depart in style

Roll on, roll on, roll on, roll on

Gonna move, gonna move on the train

If it ain't fast enough I'm gonna jump on a plane”.


 

 

Miguel Alves

12 de setembro de 2023

 

 

 


 

Fontes:


Theodore Levin and Valentina Suzukei, Where Rivers and Mountains sing: Sound, Music, and Nomadism in Tuva and Beyound, Bloomington, Indiana Uneversity Press, 2006.

Overtone Singing: Physics and Metaphysics of Harmonics in East and West by Mark C. Van Tongeren, 2004. Fonte: Jtsor

Tuvan Throat Singing, The New Grove Dictionary of Music and Musicians, edited by Stanley Sadie, N.º 19 (Tiomkin-Virdung), pp. 300-302. Segunda edição. Londres: Macmillan Publishers Limited, 2001.


Segue o link do documentário:

Genghis Blues, 1999 - https://www.youtube.com/watch?v=mpSlPTC4zaI

 

CONTACTOS

  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube
  • Spotify
Os textos, artigos e imagens publicados neste website são propriedade exclusiva dos seus autores.
Para citar qualquer um dos elementos referidos dever-se-á indicar o nome do/a autor/a, o título do texto e de qualquer outro elemento, e referir o nome do website onde se integram.
A cópia, modificação, reprodução, distribuição ou outro uso desses elementos é interdita, salvo autorização expressa dos respetivos autores.
logo_final-removebg-preview_edited.png

Faz parte deste projeto enviando-nos uma mensagem!

Obrigado!

Obrigado pelo envio!

bottom of page