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Breves considerações sobre bandas sonoras, Tenet e Inception

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A Música poderia ser adjetivada como inalcançável, imensurável, inefável, entre inúmeras outras descrições não concretamente elucidadas… Porém, é tendência a que assim seja considerada como um Todo e um Algo. Uma identidade definida por si mesma, e em si mesma. Quando a esta lhe atribuímos significados e quando a criamos com essa intenção, já a tomamos como um todo. Contudo, quando é criada em contexto de obras cinematográficas, ganha objetivos e significados mais específicos. É um completo mundo novo. São as chamadas bandas sonoras.

Uma música que por vezes acontece dentro da própria narrativa, outras vezes que ocorre em específico para o público espectador. Música que direciona a nossa atenção, que cria expectativas ao ouvinte e semeia pistas do que está por vir, da trama que se enreda ou que, de forma contrastante e repentina, da teia antes invisível se liberta um grito de óbvio entendimento de quem perdido na história estava. Música que, através do timbre, afinação, instrumentalização, ritmo, dinâmicas, carácter e diversas qualidades mais, influencia o humor de um momento cinematográfico, cria referências ou ainda se associa a personagens, lugares ou situações. Se o cinema é um estímulo multissensorial que assola os recetores sensitivos e a atividade neuronal do espectador a cada milissegundo, como diz A. J. Cohen, a música que dentro de essa mescla de estímulos acontece, muitas vezes sem uma receção consciente e ativa, é fundamental para a compreensão da narrativa.

Quando o foco do espectador é uma frase repetida mentalmente vezes sem conta, na linha do “não sou capaz de compreender o que está a acontecer”, o processo subliminar da música que está madurando o pensamento e a mente do ouvinte, para quando a compreensão por fim chegue, é completamente alheio à pessoa. A resposta pode, na realidade, já se estar a formar ou a ser referenciada entre as notas, melodias e/ou motivos que, sem ainda a perceção do ouvinte, comunicam ao sistema límbico que tipo de emoções é necessário computorizar sentir neste preciso momento – é a apelidada orientação emotiva – para o maior plot twist sentido pelo público desde a última obra de Christopher Nolan, que se está a desenredar em frames enquanto passa, quase despercebida à consciência, a música que continua a ser reproduzida.

Nesse preciso instante, não interessa o quanto sejam recordadas as edições especiais de exibição de filmes com orquestras presentes que permitem um especial enfoque na performance musical, ou em tempos idos em que tal era prática normal (momento nostálgico fabricado) … Na herança do mundo cinematográfico de Hollywood, a música é complementária e não está feita para ser o centro das atenções (pelo menos não na sua interinidade). Essa continua a ser a beleza e apelo das bandas sonoras: uma beleza que passa despercebida, mas que é indispensável ao bem-estar e deslumbre do espectador, o algo que permite a transformação em extraordinário.

E todo este decorrer nos leva a Tenet (2020), de guião e direção de Christopher Nolan e música de Ludwig Göransson, por toda uma questão que deixamos à responsabilidade do Acaso.

Não sou desconhecedora ou completamente ignorante dos feitos anteriores de Christopher Nolan. Já tinha experienciado o revirar mentalmente do avesso provocado pelo cineasta, enquanto Hans Zimmer nos guiava pela mão, ou pelo ouvido [perdão – ainda que não me arrependa]… Recordo em particular a obra cinematográfica Inception e a presença da canção inconfundível “Non, je ne regrette rien”. Terá o autor ajudado o pobre público confuso sobre a localização temporal, espacial e emocional da cena? Certamente. Será a música o “objeto” puro, intocado e tão emocionalmente carregado presenteado ao próprio espectador?… Poderemos atribuir esta descrição a algo que já foi demonstrado que tem a capacidade de poder alterar o significado de um aspecto particular de um filme, e podendo esta polarizar a percepção de um momento cinematográfico ambíguo? Por outras palavras, influenciar e até mudar a experiência do público.

Coloca-se, portanto, uma outra questão: estará um espectador que assiste a uma obra cinematográfica sem a sua componente auditiva perdendo parte significativa da obra, hollywoodesca ou não, que pensa a sua essência de imagem e som como um todo?

Incluso quando imagem e música não são plenamente congruentes – a música como mood-incongruent (demonstrar um contraste irónico, ainda que tal possa gerar incerteza sobre onde e/ou a quê prestar atenção, sem se saber se o conflito terá uma cadência final e perfeita) –, tudo é maquinado para um mesmo resultado. Sabendo, intuindo, compreendendo ou não, na sua íntegra o conteúdo está enredado para criar uma história tal como é pretendida.

Em seguimento a estas poderosas palavras e após a leitura de diversos artigos sobre o processo cognitivo da música em filmes – uma área que requere uma constante atualização por vezes, e por diversos motivos, inalcançável –, seria possível explicar porque, terminada a sessão de cinema, não tenho eu qualquer memória da notável banda sonora de Tenet? Absolutamente nenhuma recordação permanece. Não tenho vestígios de um motivo ou particular excerto…

Efetivamente, já muitos apoiaram a tese de que a visão domina sobre a audição e que tal supremacia se manifesta particularmente no mundo cinematográfico, já que o principal objetivo é contar uma história apoiando-se, maioritariamente, em estímulos visuais. Todavia, é certo que não se deveria retirar da equação que ao enigma da minha falta de memória se poderia admitir uma simples explicação: a prematura perda de faculdades cognitivas da minha parte.

Mariana Rodrigues

Biografia principal:

Boltz, Marilyn G (2004). The cognitive processing of film and musical soundtracks. Memory & Cognition 32, 1194-1205

Cieślak. Agnieszka (2019). Meanings of music in film from a cognitive perspective. Interdisciplinary Studies in Musicology 19, 2019

Tino G. K. Meitz, Hauke S. Meyerhoff & Markus Huff (2020). Event related message processing: perceiving and remembering changes in films with and without soundtrack. Media Psychology, 23:5, 733-763

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