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Almost Famous: Uma reflexão sobre a natureza humana do filme

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Em 2023, são muitos os álbuns clássicos de rock que celebram o seu 50.º aniversário, demonstrando assim que o ano de 1973 foi um ano de excelência no que diz respeito à produção musical deste género. Só para terem uma ideia da proliferação de lançamentos históricos, álbuns como The Dark Side Of The Moon dos Pink Floyd, Aladdin Sane de David Bowie, Houses Of The Holy dos Led Zeppelin, Aerosmith dos Aerosmith ou Raw Power dos The Stooges foram todos editados num espaço de quatro meses. Já os não menos importantes Goodbye Yellow Brick Road de Elton John, Quadrophenia dos The Who, Queen dos Queen e (Pronounced ‘Lĕh-‘nérd ‘Skin-‘nérd) dos Lynyrd Skynyrd surgiram também em 1973, mas de forma mais espaçada.


1973 é também o ano em que decorre a ação do filme de drama/coming of age musical Almost Famous. Com um caráter semiautobiográfico, o filme inspira-se na história de vida do seu realizador, Cameron Crowe, que, com apenas 15 anos, foi contratado para escrever para a revista Rolling Stone - algo que lhe permitiu ter um contacto muito próximo com as maiores estrelas de rock da época.


Se por um lado o filme aborda os vários clichés associados ao lema “sexo, drogas e rock ‘n’ rol”, fazendo até referência a vários episódios reais, por outro leva-nos numa espiral de reflexão em torno de vários conceitos que surgem ao longo da narrativa. Um desses conceitos é o de groupie, um termo hipermistificado e utilizado ao longo das décadas para descrever as raparigas que andavam em tournée e dormiam com os músicos. No filme, esse conceito é muitas vezes desmistificado ao ser substituído pelo termo band aid, uma figura feminina que é equiparada às entidades mitológicas conhecidas como musas, isto porque, segundo a personagem Penny Lane (Kate Hudson), “as groupies dormem com as estrelas de rock porque querem estar ao lado de alguém famoso, nós estamos aqui por causa da música (…), nós inspiramos a música…”.


Tal como acontecia na Grécia Antiga, onde as musas eram entidades cuja função consistia em inspirar a criação artística, também nos anos 70 muitas destas figuras femininas que faziam parte do círculo íntimo das bandas eram “utilizadas” como fonte de inspiração para a composição musical. Alguns exemplos de músicas onde é bem percetível a inspiração por parte dessas referências femininas são “Plaster Caster” dos Kiss, “We’re an American Band” dos Grand Funk Railroad ou “Can We Still Be Friends” de Todd Rundgren. No entanto, ao longo da história, as groupies sempre foram vistas como figuras descartáveis e imorais, muito por culpa dos estereótipos machistas que se foram formando ao longo das décadas no seio da indústria musical, especialmente por indivíduos que nem sequer estiveram “lá”. Cameron Crowe tem toda a legitimidade para abordar este assunto, pois conviveu de perto com esta realidade, e é numa perspetiva muito mais humanista, mas também realista, que Crowe aborda estas figuras em Almost Famous, não só ao dar-lhes um papel de destaque em toda a narrativa, mas também ao demonstrar o quão a música de determinados artistas era importante na vida destas figuras femininas, ao ponto de deixarem tudo para trás para embarcarem numa aventura única.  


Outros dois conceitos que também são abordados no filme e que se apresentam como dicotómicos são “real” e “cool”. Ao longo de Almost Famous, estas duas noções acompanham o trajeto do personagem principal William Miller (Patrick Fugit), com o real a representar a realidade em que Miller está inserido e o cool aquilo que ele procura ser. No entanto, e como em tudo, existe naturalmente uma certa subjetividade quanto aos níveis de medição destes dois conceitos. Vejamos, por exemplo a cena em que William conhece o famoso jornalista musical Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman) e lhe diz que escreve artigos para o jornal da escola. Bangs questiona-lhe se ele é a estrela da escola, ao qual Miller responde que eles (os seus colegas) o odeiam. Aqui podemos ver que, para Bangs, ser jornalista musical é sinónimo de ser cool, porém essa não é a mesma perceção com que os colegas de escola de William ficam acerca  de si. William tem a completa noção de que não é cool e sabe que a única maneira de se tornar é ao aproximar-se das bandas que idolatra. Contudo, quando Miller acede a esse mundo, rapidamente se apercebe que o cool e o real não são passíveis de convivência. A natureza humana de William faz com que este escolha o real ao invés do cool, colocando assim os Stillwater (banda sobre a qual está a fazer a sua reportagem) num estado de fragilidade e desconfiança.


William escolhe assim viver na verdade, e acaba por perceber que fez a escolha certa quando Lester Bangs lhe confidencia que: “a única moeda verdadeira neste mundo falido é aquilo que partilhas com alguém quando não és cool.”. Desta forma, chegamos à conclusão que ser honesto e verdadeiro é sinónimo de ser cool e Miller, sem qualquer tipo de esforço e por vezes de forma inconsciente, personifica essa estética comportamental na perfeição.


Almost Famous é uma autêntica carta de amor à música e aos anos dourados do rock, ao invocar uma época onde o talento e a singularidade artística se tocavam de uma forma quase divina. Para nós, jornalistas musicais, é sem dúvida uma fonte de alento ao demonstrar aos outsiders que existe muito mais além desta atividade tão desafiante do que aquilo que possa transparecer. Não se trata de tentar ser cool ou dono de uma opinião suprema, trata-se sim de apenas e unicamente expressar o nosso amor incondicional a esta forma de arte tão especial que é a música.




Rodrigo Oom Baptista


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