A magia musical da Barbie
A pouca gente deve ter passado despercebido o fenómeno Barbie em alguma altura da sua vida. Desde os finais dos anos 50, quando começou a ser fabricada e vendida, a boneca e as suas várias versões acompanharam as infâncias de uma quantidade gigante de crianças (e não só). Mas o sucesso da Barbie não advém apenas da venda da imagem de uma mulher – até certo ponto sexualizada e objetivada.
Por este lado, não foi tanto a boneca física que me inspirou, visto que pouco brinquei com as que tinha, mas principalmente os vários filmes em cassetes VHS que eu via, cantava e revia religiosamente. Entre os meus favoritos, Barbie™ Lago dos Cisnes (2003), Barbie™ em A Princesa e a Aldeã (2004) e Barbie™ e o Pégaso Mágico (2005) – amigos com quem já vibrei ao som de “Sou como tu / E eu como tu / Igual a ti / Já percebi”, vocês sabem quem são; obrigada. (Aparte para dar os meus parabéns ao trabalho de tradução e adaptação para o português europeu destes filmes, cuja versão portuguesa está imaculável.) Contudo, a figura da Barbie sempre foi alvo de grande polémica, o que contribuiu ainda mais para o seu estabelecimento enquanto a boneca mais conhecida do mundo.
Mais de 10 anos depois de ser uma (mini)cinéfila devota às produções da Barbie, encontrei-me novamente nos meandros do público que entoa a banda sonora durante o filme, que não consegue desassociar a Barbie da sua magia musical. Desta vez, nos meus 20s, vesti a única blusa cor-de-rosa que tenho, coloquei a maquilhagem mais brilhante que consegui arranjar e sentei-me com a minha Ken numa sala de cinema esgotadíssima. Já tinha ouvido grande parte das canções que compõem a banda sonora e já estava viciada nalgumas delas (olá, Charli). O entusiasmo ouvia-se, assim como o burburinho da sala cheia. Mas pouco nos tinha preparado para o que aí vinha.
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A edição da banda sonora em álbum inclui dezassete músicas, a maioria delas da autoria de mulheres e pessoas não binárias. Barbie: The Movie foi produzido por Mark Ronson e idealizado em conjunto com Greta Gerwig, realizadora e guionista do filme. Estas canções são, acima de tudo, um reflexo da figura da Barbie contemporânea.
Começamos por Lizzo, que canta a divertida (e bastante literal) “Pink”. Apesar de não ser tão entusiasmante como outras músicas da artista, é um grande hino para todos nós que nos vestimos a rigor para ir ver a Barbie: “We like other colors / But pink just looks so good on us”. Seguimos com “Dance The Night”, de Dua Lipa. Quando a ouvi pela primeira vez, enquanto primeiro single da banda sonora, achei que não se comparava à “dançabilidade” de qualquer das faixas de Future Nostalgia (2021) – a não ser “Boys Will Be Boys”, a última e preterida –, o seu mais recente álbum. Mas após ouvi-la no grande ecrã, a acompanhar a melhor cena de dança que poderia esperar desta “Barbie estereotipada” de Margot Robbie, a canção adquiriu uma outra dimensão completamente inigualável. Já não consigo ouvi-la sem pensar na refinada e altamente coordenada sequência de dança do filme, e é me impossível não querer dançar. Por outro lado, “Barbie World”, colaboração entre Nicki Minaj e Ice Spice, está na minha cabeça desde que saí do cinema. Que linda utilização de samples de “Barbie Girl” dos Aqua, cuja versão original, para nosso agrado, não foi utilizada no filme; não queremos imaginar esta banda sonora sem a interpretação de Nicki e Ice Spice.
De seguida, chegamos a “Speed Drive”, a minha música favorita desta banda sonora. Herdeira de “Vroom Vroom” e “Crash”, Charli XCX não desilude nas suas demonstrações de amor automobilístico. Por sinal, também Greta não desiludiu na cena em que se pode ouvir esta música (tendo em conta o que vi, que não foi muito, porque estava ocupada a cantar “Ah-ah, Barbie, you're so fine / You're so fine you blow my mind”). Qual Batmobile, qual papamóvel, qual quê! A Barbie vai de boleia com a Charli da forma mais cool possível.
Depois desta viagem rodoviária, quero ainda comentar a inesperada sensação de “I’m Just Ken”, cantada pelo herói de musicais contemporâneos que respeitamos, Ryan Gosling. Uma balada ao estilo dos anos 80 que é, por sinal, a melhor demonstração de Ken e da sua “Ken-energy”: “I'm just Ken (And I'm enough) / And I'm great at doing stuff”. Gosling confere uma energia parodicamente entusiasta à personagem secundária que acompanha a protagonista de Margot Robbie e nesta canção fá-lo brilhantemente: vibramos com a sua emoção e alegado sofrimento por ser “always number two”. Quanto gostaríamos de ter ouvido a resposta da boca de Margot!
Por fim, falta-me referir a canção escrita por Billie Eilish e FINNEAS. “What Was I Made For?” é uma faixa triste e saudosa que encapsula tanto a viagem de Barbie, como de Billie e tantos outros nós. “I used to float, now I just fall down / I used to know, but I'm not sure now”. No fim de contas, e sem spoilers, a “Stereotypical Barbie” acaba por chegar à mesma conclusão de Billie: “I don't know how to feel / But I wanna try”. O que nos fez sentir muito foi, sem dúvida, esta melancolia de canção, assim como a sua posição estratégica no desenrolar do filme. De fazer cair umas ou quantas lágrimas, mas isso deixo ao vosso critério.
Há ainda mais algumas faixas que compõem a banda sonora e não mencionei, mas abordei as mais importantes, na minha opinião, no contexto cinematográfico. No geral, a minha relação com a banda sonora é semelhante à minha relação com o filme: conflituosa. Tem partes muito boas e partes menos boas, divertidas e empolgantes, mas também superficiais e até enervantes. Parece-me que também é assim a minha relação com a figura da Barbie. Mas uma coisa é certa: a criança que fui ter-se-ia divertido imenso a dançar comigo na sala de cinema.
Maria Beatriz Rodrigues
Palavras-chave: banda sonora, barbie, cinema, pop, filme