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“Stop Making Sense” ou a exploração da sinestesia artística

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A primeira vez que tive a honra de entrar em contato com a figura de David Byrne foi durante um festival em 2018 e, perante a minha ingenuidade e ignorância, a minha única referência sobre o próprio era: “ele é o cara que canta aquela música…. “Psycho Killer qu’est que-ce fa-fa-fa-fa-fafafafa better”. Durante o espetáculo, que ocorreu num belo pôr do sol, e do qual ninguém conseguiu sair indiferente, talvez o meu senso de percepção não fosse dos melhores devido ao ambiente psicotrópico que me absorvia por osmose (ou não). David Byrne entra no palco ao som da hipnotizante “Once in a Lifetime” dos próprios Talking Heads, carregava um cérebro de brinquedo estendido para o alto, enquanto seus dançarinos  - e no final da canção se deambula pelo palco como um boneco sem controle. E essa foi apenas uma das tantas ações desconcertantes que seguiam as canções.

 

Alguns anos depois, mais precisamente duas semanas atrás, já situado com a maravilhosa e consagrada discografia dos Talking Heads, fui me aventurar com o longa-metragem “Stop Making Sense”, realizado e idealizado por Jonathan Demme e pelo próprio David Byrne num momento onde os Talking Heads já eram aclamados pela sua musicalidade mais colorida entre a new-wave dos anos 80.


O filme por si só é um deleite que sem ser debatido já nos causa mistos de euforia e epifania. A concepção de espetáculo é aqui redefinida para um nível além do que estamos acostumados. Os álbuns por si só carregam uma estrutura artística muito própria, mas os concertos são uma extensão do que os artistas podem acrescentar a modelagem do que os define: as canções. Por exemplo o concerto dos Tame Impala no Primavera Sound desse ano foi carregado de efeitos de luzes pirotécnicas para criar aquela atmosfera psicadélica que sentimos ao ouvir algum álbum da banda, porém essa psicodelia não se transmite para o palco e o espetáculo no geral. A sensação era de estar ouvindo o álbum sem qualquer tempero a mais e a interação de troca mais calorosa de Kevin Parker com o público foi quando o próprio, de maneira pitoresca, bebe um gole da cerveja e pronuncia: “Hmmm. Superbock, the taste of Portugal”.

 

A sintonia entre Damme e Byrne para comporem “Stop Making Sense” foi mágica. Byrne, para além de suas bases de influência, se comporta como uma performance e um objeto de voyeurismo místico, e quase indecifrável diante da tela e dos espectadores reais; Com movimentos de um boneco ventríloquo que vai ganhando sua própria mobilidade de expressão diante da montanha russa melódica do setlist, uma espécie de caricatura à Jim Carrey com conceitos do “Mito de Sísifo” de Camus. Por exemplo, em certo momento do filme a banda está performando “This must be a place” enquanto Byrne dança lindamente com uma lâmpada - uma releitura genial de Fred Astaire dançando do mesmo jeito no filme “Royal Wedding”. A iluminação, que é protagonista presente durante o espetáculo, vai da claridão pura e passeia até uma obscuridade digna de expressionismo alemão.Em “Once In a Lifetime” somos carregados durante seis minutos de música por apenas quatro planos, um deles que enquadra Byrne como uma espécie de crânio macbethiano contando uma história com suspense – artifícios de mestre feitos por Jordon Cronoweth, diretor de fotografia de “Blade Runner” (1982).


A definição mais sólida para a quantidade de experimentalismo musical-cinematográfico é muito difícil de ser transmitido para palavras sólidas, o sensorialismo que passeia durante o musical é um estudo semiótico que reforça a todo minuto o título do filme. Diferente do que nós chamamos de filmes-concertos que estamos acostumados a consumir, como bandas de megassucesso na indústria (Coldplay, One Direction), em “Stop Making Sense” nós nunca saímos da esfera do espetáculo, na grande maioria do filme estamos posicionados como espectadores que se remexem nas cadeiras ou até mesmo de pé. O grande legado dessa obra, para além da qualidade inerente que carrega como musical/filme-concerto, é a junção de diferentes espaços de expressão até criarem uma sinestesia do que é um show, um filme ou a própria subversão de qualquer conceito parecido. Não que qualquer desses devaneios aqui escritos faça sentidos, mas assista o filme e simplesmente viaje para a delícia inópista de não fazer sentido algum.





Dionys Campos



 

 

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