Um elogio a Luísa Sobral no dia da Mulher
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Há muito que queria escrever sobre a Luísa. No entanto, existem músicos que admiro tanto que me demoro a chegar a uma escrita sobre os mesmos. Mas, de repente, surge um momento, quase tropeçando no pensamento, em que volto a demorar-me sobre a essência deste artista em particular (o modo como a sua voz escorrega no meu ouvido, como escolhe os acordes, que instrumentos coloca, entre tantos outros “fatores”, se assim se podem chamar, que tornam um cantor-compositor belo); e a minha mão encaminha-se, quase por engano, para a escrita. Neste caso em particular, sinto que demorei a chegar à escrita da Luísa por a Luísa ter tanto de escrita.
Aliás, foi assim que me encontrei na sua arte: através do seu gosto pela palavra. Se bem me lembro, acho que comecei a ouvir o podcast da cantautora, “O Avesso da Canção”, antes de a conhecer tão bem enquanto letrista e compositora. Um pequeno parêntese: o podcast (terminado em 2022) tinha como propósito entrevistar cantautores portugueses e questioná-los acerca do seu processo de composição. Assim, a própria Luísa vestiu, ao longo dos episódios, o papel de entrevistadora, para virar do avesso a composição de tantos artistas. E foi neste processo que me enamorei pela arte da Luísa que, aos poucos, ia revelando no podcast também o seu modo de compor, pela forma como colocava as perguntas ou como respondia a comentários dos compositores. Aguçado o gosto pela palavra, fui-me demorando na poesia da cantautora: descomplicados e transparentes, os versos da Luísa habituam-nos a tocar no lugar certo do coração, onde a emoção (e a comoção) rapidamente nos podem apanhar desprevenidos. Aos poucos, o enamoramento, que já vinha da poesia, passou para o arranjo de cada canção; para as pequenas pausas; para o modo de colocar a voz, ou de dizer o texto.
Haveria tantos aspectos que eu poderia escolher para tecer este elogio à obra da Luísa. Hoje, sendo o dia da Mulher, não poderia senão escolher a sua música “Serei sempre uma Mulher”, uma canção-dor sobre o retrocesso dos direitos das mulheres afegãs, que há tão pouco tempo o mundo assistiu e assiste. Esta canção possui a capacidade única de nos fazer sentir a batalha enfrentada por estas mulheres, cada vez mais reprimidas por uma ideologia que põe em causa a sua individualidade. E mais (como a própria Luísa expressou durante o seu último concerto conjunto com a sua grande amiga Márcia, ao qual tive o privilégio de assistir), esta luta ressoa em todas nós, mulheres, e em todos nós, enquanto Humanidade: é um retrocesso de direitos comum. Se uma mulher afegã perde hoje um direito, eu, mulher branca europeia, sou menos livre, hoje “perde-se o que se ganhou”, como é expresso na canção, tornando ainda mais visível o percurso comum que todas nós, mulheres, estamos a trilhar – havendo ainda tanto para se caminhar neste espaço de injustiça e de desigualdade de género: “Vou lutar até ao fim / E se não for para mim / Seja para quem vier”.
Emociono-me sempre que me cruzo com esta canção. E, por isso, te agradeço, Luísa. Por me fazeres pensar com mais frequência nestas mulheres e em nós mesmas. No que já fizemos e no que falta fazer. Através da tua arte, pões-me em confronto com a dureza destas vidas que parecem tão longe, mas estão tão, tão perto.
Sara Maia