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Por Este Rio Acima

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Não é por acaso que, em 2009, a revista Blitz coloca o álbum Por Este Rio Acima (1982), de Fausto Bordalo Dias, na quarta posição da lista de melhores álbuns portugueses dos anos 80. Como tal, certamente não será também por acaso que, em março de 2020, Jorge Cerejeira, num número digital dessa mesma revista dedicado a eleger as “101 canções que marcaram Portugal” - artigo esse cuja linguagem não pecará, decerto, por falta de elementos nacionalistas -, se refere ao mesmo como o “melhor álbum de sempre da música portuguesa”.

Por Este Rio Acima é o primeiro trabalho de uma trilogia discográfica ao qual se seguem Crónicas da Terra Ardente (1994) e Em Busca das Montanhas Azuis (2011). Neste álbum, o cantautor lusitano nascido em 1948 - curiosamente, em plena travessia marítima com destino a Angola, onde vive os primeiros vinte anos de vida - faz embarcar o ouvinte numa viagem de 1h15 pela Peregrinação (1614), essa tão relevante obra de um tal infame Fernão Mendes Pinto, mas também pelas Crónicas de Zurara e de Fernão Lopes. Assim, não são apenas as histórias de amor, humor, sonhos e sucessos em redor de toda a epopeia quinhentista que foram os Descobrimentos que Fausto escolhe relatar nas dezasseis faixas que constituem Por Este Rio Acima - embora também as haja, está claro (afinal, há que não esquecer o tom tão aparentemente animado de “O Barco Vai De Saída”, “A Voar Por Cima Das Águas” ou ainda de “Navegar, Navegar”). Com efeito, há também - e sobretudo, aliás (ou não será essa uma parte tão considerável e absolutamente não ignorável da História desse período?) - assombrosos relatos de guerras, naufrágios, romances fatais (tal qual o olhar de Diogo Soares, “o galego”), sofrimento, penitência e crimes motivados por essa incontrolável e egocêntrica sede que é a da sobrevivência. Assim, as letras - da mais lépida à mais negra - são poesia magistralmente concebida e irrepreensivelmente transformada em música, com uma métrica que ronda, de facto, nada menos que a perfeição.

A técnica vocal de Fausto é, do meu ponto de vista, como nunca houve em Portugal; falamos, afinal, de um cantor verdadeiramente sublime a quem o folclore português (do Norte ao Sul do país, não esquecendo a “chamarrita” açoriana) se rende em atitude de total submissão. Nesse sentido, as modulações e progressões harmónicas presentes em Por Este Rio Acima são inovadoras e, por isso, inesperadas, quando tendo por base o estilo típico dos ranchos folclóricos portugueses do segundo quartel do século XX (veja-se, por exemplo, “De Um Miserável Naufrágio Que Passámos”). São ainda de não esquecer as claras e, em retrospetiva, imprescindíveis influências fadísticas presentes de modo transversal ao longo do álbum (haverá melhor exemplo do que “Olha O Fado”?).

Os arranjos e orquestrações, atribuídos não só a Fausto como também a Eduardo Paes Mamede, são outro fator central nesta obra de arte: os instrumentos tradicionais (da dita sanfona, ou acordeão, à guitarra portuguesa de Caldeira Cabral, não esquecendo elementos como as palmas, as flautas, a pandeireta, ou ainda a viola braguesa e o cavaquinho do ímpar mestre instrumentista Júlio Pereira) são uma presença constante ao longo destes 75 minutos, havendo até secções integralmente orquestrais (falo, claro, da faixa introdutória “É O Mar Que Nos Chama (Instrumental)” e ainda secções de “A Ilha”). A sensibilidade e genialidade musicais de Fausto (e de Paes Mamede, decerto) são, com a composição, os arranjos e as orquestrações de Por Este Rio Acima, evidenciadas, exacerbadas e inigualáveis.

Embora seja inevitável (que digo? – desejável!) a contínua adição de nomes ao Olimpo de Por Este Rio Acima, Sobreviventes, Cantigas do Maio e Mudam-se os Tempos (curiosamente, três outras obras - também elas de excelência, note-se - editadas em 1971), será possível que venha alguma vez a surgir trabalho fonográfico que prevaleça sobre este verdadeiro magnum opus da música portuguesa?


Guilherme Santos

Título: Por Este Rio Acima

Autor(a)/Banda/Grupo: Fausto Bordalo Dias

Artistas convidad@s: Júlio Pereira (viola braguesa, cavaquinho); Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa)

Edição e ano: LP (duplo) - ‘Triângulo/Sassetti’ (1982); CD - ‘CBS’ (1984)

Gravação: março - setembro de 1982, Angel Studio (Londres)

Produção e direção-musical: Eduardo Paes Mamede

Arranjos e orquestrações: Fausto; Eduardo Paes Mamede


Palavras-chave: "música portuguesa"; "música de cantautor"; "música popular"; "folclore"; "Peregrinação".



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