Vamos ao Baile de Máscaras?
É com (grandes) certezas que digo que estamos todos saturados da pandemia e de qualquer menção que lhe seja feita, mas parece que algo de positivo surgiu depois de tantas contrariedades ou pelo menos essa é a teoria de Zé Ibarra, um dos integrantes do quarteto Bala Desejo, que credita a adversidade como uma das razões para a consolidação da banda.
O fenómeno musical começou como um despreocupado convívio entre amigos que passavam a quarentena juntos, num apartamento em Copacabana, cada um deles já com uma carreira musical promissora, que mantêm até hoje — Zé Ibarra e Lucas Nunes integravam a banda Dônica, em conjunto com Tom Veloso, filho do lendário Caetano Veloso, com quem Lucas trabalhou também no seu álbum “Meu Coco” (2021); Dora Morelenbaum fazia parte do grupo musical Zanzibar e Julia Mestre compunha trabalho a solo, ambas com singles muito bem-sucedidos já lançados.
Tendo em conta o sucesso individual de cada um, não é surpreendente que a junção dos quatro amigos em jam session, captada pela cantora Teresa Cristina em algumas lives do Instagram, tenha captado a atenção dos organizadores de um festival Paulista, o Coala Festival, que convidaram o grupo para participar na edição de 2021, materializando Bala Desejo como uma banda oficial. Infelizmente, o evento terá sido cancelado, devido à pandemia, levando (felizmente) à criação de um álbum, patrocinado pela Coala Records: SIM SIM SIM.
SIM SIM SIM, primeiro e único álbum da banda, foi publicado em duas partes (lados A e B), com direção artística e produção musical dos próprios Bala Desejo, e coprodução de (DE) Ana Frango Elétrico. O álbum surgiu como um desejo de renascença, de festejar e de voltar ao desejado Carnaval, negado aos músicos (e ao mundo), durante a pandemia. O quarteto procurava trazer consolo para si mesmos, e para o mundo, ao fabricar o som que necessitavam de ouvir quando acabasse a pandemia, nascendo assim o conceito base de Bala Desejo: o “Recarnaval”.
A tristeza da quarentena juntamente com o acaso que reuniu os quatro amigos e o olhar atento de personagens-chave da música brasileira foram os ingredientes secretos que garantiram o sucesso do grupo.
O álbum acabou por ganhar o Grammy Latino na categoria de “Melhor Álbum Pop em Português” este ano, um prémio merecido para tamanho êxito numa primeira tentativa.
SIM SIM SIM é uma viagem carnavalesca do início ao fim, com uma qualidade ridiculamente consistente ao longo do álbum, reconfortando o ouvinte com a passagem de uma música para a seguinte: nunca sentimos aquela desilusão frequente de quando ouvimos um álbum inteiro de seguida e descobrimos que nem sempre gostamos da canção que se segue.
De acordo com Zé Ibarra, a primeira música a ser composta para o álbum acabou por se tornar a mais importante, e uma das minhas prediletas também, de seu nome “Baile de Máscaras (Recarnaval)”. O título por si só esconde à vista de todos a verdade da canção (e do álbum), que vem trazer o novo Carnaval, pós-pandemia, o “Recarnaval” que Bala Desejo tanto almejava.
Em “Baile de Máscaras (Recarnaval)”, brilham os vocais de Dora Morenlenbaum e Julia Mestre, que se abraçam em harmonizações doces e melodiosas que pouco deixam a desejar. É uma música que grita MPB (Música Popular Brasileira), uma segunda geração de Bossa Nova, que se desenvolveu em desafio à situação política do Brasil nos anos 60. Ora, em jeito de pirosice podemos chamar à canção um hino de desafio à falta do Carnaval, que gera uma vontade indescritível e eufórica de participar na festa.
Para quem gosta de festa, mas num formato menos frenético, temos “Lua Comanche”, igualmente cantada num espírito de “Recarnaval”, mas em uníssono pelos integrantes da banda, com ritmos incrivelmente carismáticos a acompanhar; ou “Dourado Dourado”, uma canção quase divertidamente melancólica, mas não tanto composta em modo de festejo, acompanhada também pelos ocasionais uníssonos da banda, e, sempre, com os leais acordes ritmados de guitarra acústica por trás.
Convido-vos, então, a embarcarem no Baile de Máscaras que é este primeiro álbum de Bala Desejo, com certezas (mais uma vez) de que não vão querer sair do “Recarnaval”.
Marta Tavares