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Salvador Sobral e os seus batimentos

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“Então, o que achaste das músicas novas que toquei?”

Pode parecer mentira, mas foram estas as palavras que ouvi saírem da boca de Salvador Sobral, um dos cantores portugueses que mais admiro, algumas horas depois do seu concerto em Correggio, Itália. Numa noite quente do agosto de 2020, numa cidade com cerca de 25 mil habitantes, Salvador Sobral estreou-se em terras italianas, e eu tive não só a sorte de assistir, mas também de me sentar a beber uma cerveja com ele e a sua equipa no final do concerto.

Nesse ano, Salvador Sobral tocava em concertos o seu segundo álbum, Paris, Lisboa (2019). Constituído maioritariamente por melodias e letras escritas por outras pessoas, este álbum servira como reintrodução de Salvador na indústria da música depois de, em 2017, juntamente com a irmã, Luísa Sobral, ter conseguido a proeza de ser o primeiro (e único, até à data) vencedor português do Festival Eurovisão da Canção. Assim, Paris, Lisboa saiu numa altura em que o artista tinha todos os holofotes a si apontados, ao mesmo tempo que se tentava desprender do emblema comercial da Eurovisão e revelar a sua genuína imagem musical.

Esta imagem, como explicou Salvador Sobral na sua página do Instagram, pauta-se pela existência enquanto “(…) intérprete muito antes de ser um compositor (…)”. Contudo, decidiu evadir-se da sua zona de conforto após o seu segundo álbum e a sua faceta de cantautor foi apresentada ao público em maio de 2021, aquando do lançamento do seu terceiro álbum, bpm. Composto e escrito na íntegra por Salvador, em conjunto com o seu eterno cúmplice Leo Aldrey, coautor e produtor do álbum, este projeto é, na minha opinião, a sua obra mais bela e bem conseguida. Salvador Sobral leva-nos, durante menos de uma hora, por histórias perdidas e conquistadas – é o seu relato mais pessoal e íntimo, sem descurar ou esquecer o lado de contador de histórias.

A banda que o acompanha é formada por Abe Rábade no piano, André Santos na guitarra e rajão, André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria. Em comunhão, estes músicos gravaram o disco no estúdio Le Manoir de Léon, em França, isolados de toda e qualquer distração. Este “sentimento de fraternidade e harmonia”, como Salvador descreve, pode-se percecionar no curto documentário “bpm. A making of” (dividido em seis episódios disponibilizados no seu canal do Youtube) e persiste ao longo do álbum. A voz do cantor ocupa tanto espaço quanto a voz dos restantes instrumentos, estando todos ao mesmo nível. Apesar de ser nos concertos que Salvador e a sua banda libertam todo o jazz que trazem dentro de si e nos mostram o que está por trás das músicas de estúdio, bpm inclui momentos de pura magia instrumental e distancia-se do pop de Paris, Lisboa. É a conjugação perfeita entre voz e melodia, lado a lado e de mãos dadas.

Os primeiros quarenta segundos do álbum transportam-nos, literalmente, para um “mar de memórias” – o título da música inaugural – através de um instrumental lindíssimo. Como se estivéssemos a navegar em alto-mar, atravessando memórias passadas, “Histórias esquecidas, glórias perdidas / Vidas cruzadas com mortes fingidas”. É o mote perfeito para o que irá suceder, para a viagem emocional pela qual o cantor nos guiará. Cantará os seus “batimentos por minuto” (que dão nome ao álbum, “bpm”), aquilo que o faz viver – o amor, o medo, a música. Fá-lo através de três idiomas diferentes, português, inglês e espanhol, como já lhe é habitual (e como costuma fazer em concertos internacionais, nos quais costuma cantar pelo menos uma música na língua do respetivo país). Para ele, não há qualquer tipo de barreiras, incluindo linguísticas, na música. Pelo contrário, tudo se define no último verso de “canción vieja”: “Pero creo en la música / Para crear puentes”.

Em “sangue do meu sangue”, primeiro single do álbum, fala-nos sobre a impotência, tanto física como psicológica, de um homem apaixonado pela mulher: “A teu lado medito / Na melhor forma de dizer / Que os frutos do nosso amor / Não se podem colher”. Esta técnica de storytelling revela-se típica do seu estatuto de intérprete – recordemos, a título de exemplo, a música “Benjamin”, do seu segundo álbum, na qual canta sobre um homem transexual. No entanto, bpm reflete um Salvador Sobral mais disposto a mostrar-se e a despejar-se nas próprias canções. Sentimos a voz do autor e não apenas a do cantor: “Sem voz / Sem corda / Não sou eu / Agarro a alma / E deixo-a cair”, revela, na música intitulada “sem voz”, abrindo-nos uma fresta do seu outrora impenetrável ser. Este terceiro álbum é, assim, a demonstração clara de que é capaz de cantar não só os outros, mas também ele próprio.

Há quase dois anos, eu ouvia duas das músicas de bpm pela primeira vez. Em Correggio, Salvador Sobral apresentou “sangue do meu sangue”, contando-nos a história de que fala esta música e, antes de terminar o concerto com “Anda estragar-me os planos” (como geralmente acontecia na tour de Paris, Lisboa), cantou “bom vento”. Eu, deliciada com a oportunidade de ouvir estas novas músicas e feliz com o prenúncio de um disco em breve, mal podia esperar para ouvir as restantes faixas do álbum.

No final do concerto, eu e mais alguns membros do público sentámo-nos à mesa de um café (um bar italiano) com Salvador e a maioria dos membros da sua equipa. Conversou-se sobre Itália, o mundo da música e outros assuntos não menos interessantes. Eu era a única fã portuguesa presente e pouco se falou em português; Salvador aproveitou para praticar o seu italiano, que surpreendeu e deslumbrou. Mas, no final da noite, perguntou-me: “Então, o que achaste das músicas novas que toquei?”. E eu respondi: “Gostei mesmo muito. Quando é que sai o álbum?”. Tive de esperar quase dez meses para ouvir finalmente aquelas músicas gravadas em estúdio, mas a espera valeu toda a pena.

bpm comemora o seu primeiro aniversário amanhã, dia 28 de maio de 2022.

Maria Beatriz Rodrigues

Link para “bpm. A making of”: https://www.youtube.com/watch?v=OAaqCZaTW7k

Título do álbum: bpm Ano de edição: 2021 Editora: Warner Music Spain Duração: 47:37 minutos Produção: Salvador Sobral e Leo Aldrey Artistas convidados/as: Margarida Campelo

Palavras-chave: “Salvador Sobral”, “música portuguesa”, “jazz”.

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