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O que um não apreciador de rock acha disto

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Há uns tempos fui convencida a assistir a um concerto de rock micaelense no Tokyo, que, para quem não sabe, é casa de concertos e saídas à noite há muitos anos.


Sendo eu convencida a ir, não pude evitar fazer o mesmo a um amigo que, em nenhuma forma, aprecia rock, aproveitando a oportunidade para tornar esta noite num experimento social musical.

Tendo perfeita noção de que seria complicado convencer este velhote, que preferia, com certeza, estar a falar com outros membros do Círculo Wagner (não estou a brincar, existe mesmo, consiste em falar sobre adorar Wagner e ouvir a sua música em conjunto com outros apreciadores, e o meu amigo não apreciador de rock faz parte do mesmo).


Assim, decidi que a caminho do concerto iria convencê-lo com algumas músicas do artista que iríamos ver, King John. Para minha surpresa, e talvez (um pouquinho de) desilusão também, este canta em inglês, com um sotaque imaculado, sem uma ponta de açorianice.

 

O golpe resulta com um dos seus hits, “Júlia (Circles of Life)”, e ambos nos entusiasmamos para o que vem aí, mas sendo ambos pessoas com pouca capacidade de cumprir horários, atrasamo-nos meia hora para o esperado espetáculo, e o velhote vai estacionar o bote, deixando-me entrar para não perder mais nada.


O Tokyo estava a vibrar, com excelentes músicos a acompanhar o projeto de King John, e com uma energia familiar a percorrer a sala, num cenário musical muito intimista. Foi difícil colocar este artista numa caixinha, a partir do momento que ele começou a atuar, alternando entre rock, toques de blues na sua voz e instrumentais e umas sérias referências indie. Claro que estes géneros andam sempre de mão dada, mas gospel, e até country ameaçam romper essa comum aliança na música de King John, e aguçam a curiosidade de qualquer um que se disponha a ouvir — “Júlia (Circles of Life)” é um exemplo perfeito desta mistura de géneros, e um produto do seu álbum recente, Good Son, do fim de novembro de 2023.

 

King John faz música despretensiosa, que não requer qualquer esforço para nos convencer a continuar a ouvir, um problema com o qual me debato frequentemente ao tentar descobrir música nova.


Entretanto, voltou o não apreciador de rock, acabado de estacionar, e olhamos um para o outro em modo de aceno aprovador, como quem está a gostar do concerto, ainda assim, para garantir o seu bem-estar, pergunto se ele está a gostar, ao que ele responde: “Vou buscar um whisky.”. Talvez tenha sido o lado blues da música que o levou para a bebida destilada, porque eu vi um ligeiro sorriso de satisfação nele, tendo até dançado um pouco!


Entretanto, começou a tocar, se não me engano, “The Water”, hino ritmado por uma forte aliança entre a bateria e o piano.


Agora, a minha certeza sobre se tratar desta música prende-se com o facto de ao ouvir a mesma em casa, ter sentido algo idêntico, devido à forte bateria, ou, mais concretamente, à natureza rítmica da canção — isto é, mesmo quem quisesse ficar indiferente, não conseguiu evitar ser marcado por esta. O velhote fez questão de comentar que:” O baterista está a querer fazer ouvir-se muito.”


Esqueceu-se que estávamos num concerto de rock.


King John prosseguiu a noite com palavras e canções de desabafo sobre um rapaz da ilha habituado à constante do mar, da floresta, da natureza de acesso fácil a viver numa cidade tão cosmopolita como Lisboa, onde a banda sonora são os carros ao invés do inconfundível som dos cagarros*.

 

*aves açorianas que emitem um som muito característico.




Marta Tavares



 

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