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O CONFORTO DE PEGA MONSTRO

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Era março de 2012 quando as irmãs Júlia e Maria Reis, após um EP de estreia lançado no ano anterior (2011), editavam o seu primeiro álbum, que viria a moldar o futuro do DIY (Do-It-Yourself) português: o disco homónimo Pega Monstro. Puro ruído caseiro de fim de adolescência, direto, cru e divertido.


O disco é a 8ª edição (CFR08) da Cafetra Records, coletivo lisboeta formado por um grupo de amigos por volta de 2008, quando tinham entre 15 e 18 anos. Sedentos por criar e partilhar música autonomamente, desenvolveram a editora obedecendo a uma ética Do-It-Yourself. Esta vontade de manter uma independência na criação de música não era novidade em Portugal – editoras-coletivo como a Ama Romanta, Beekeeper e, mais tarde, FlorCaveira, precederam a Cafetra, semelhantes no seu modus operandi. Nesta linha, encontramos músicos que influenciaram significativamente a Cafetra, sendo um dos casos mais relevantes o artista B Fachada, apelidado de “Tio B” pelos membros da editora, que gravou e masterizou (juntamente com Eduardo Vinhas) o disco aqui abordado das Pega Monstro.


Pega Monstro (2012) é um dos primeiros avanços mais confiantes da Cafetra, que se estreara na edição musical em 2011. É o primeiro de três discos de Pega Monstro, menos imediato a formar raízes nos ouvintes, mas de certa forma mais especial. Com o tempo torna-se mais acarinhado, instalando-se na memória como um conforto que se mantém constante e oferece a possibilidade de escapismo para um mundo menos complicado, onde ter uma afta na boca é material para toda uma música (“Afta”).


As 12 faixas do álbum passam por amor, raiva, aborrecimento e diversão, com letras intemporais, por vezes tão simples e agridoces, que fazem com que seja impossível negar as capacidades de letrista que Maria Reis já demonstrava nesta altura. Chegam a ser provocadoras em músicas como “Fetra”, uma resposta em forma de canção a críticas redutoras da banda («Não me chames menina que eu já tenho 18 (20) anos»), afirmando a vontade do duo de fazer música apenas para si próprias e para os seus amigos: «porque se isto não é música então faz tu uma canção / e se eu desafino canta lá tu, ó meu cabrão / e se isto não é punk então não sei o que se passa / porque o que faço é só para mim (é só para a Fetra)».


Ao longo do disco surgem outros versos soltos aos quais nos apegamos facilmente, tal como um pega monstro. Berram sobre a escola em “Akon”, sucedida por “Savanna 74”, onde nos cruzamos com uma voz calma e amorosa – «eu sei que não posso viver contigo / mas o que eu queria mais era ter uma casa junto ao rio» – deixando uma lágrima no olho.


Destaco ainda a versão em forma de medley de “Sugar Hiccup”, dos Cocteau Twins, em “Suggah”, penúltima faixa do álbum que é uma espécie de canção de embalar rock, com riffs de guitarra sucintos, compostos por todas as notas certas. O disco termina num tom doce com “Homosec”, onde Maria afirma não ter amigas, e deixa-nos o verso final «só tenho amigos / e a minha irmã».


Acredito que para muitos que não conheçam o álbum ou a banda este texto não seja convincente suficiente, porque a verdade é que o que o torna tão especial são os laços que formamos após cada audição. Mas há uma dimensão inegável: o carinho que tantos associam ao disco, e o seu impacto no DIY português. Para compreender verdadeiramente esta dimensão, pareceu-me essencial representar outras opiniões neste artigo, e por isso deixo-vos três perspetivas de pessoas que acarinham a música das Pega Monstro como eu:


«O debut das Pega Monstro expandiu o universo do que a música significa para mim, atraída por tamanha catarse de raiva e angústia. As letras rejeitam os ornamentos românticos e as metáforas do que as “músicas de amor” me tinham habituado e favorecem a honestidade e crueza das situações mundanas da minha adolescência. As coisas são como são em Pega Monstro. Não há tragédia amorosa mais dolorosa que o simples “O meu cão já morreu, e eu não quero outro igual”, que Maria Reis canta em “Akon”.»


Rita Ruivo


«O que dizer da estreia das Pega Monstro, Maria e Júlia Reis no modo que ainda hoje lhes é mais reconhecido - rock despretensioso, sujo, cru? Já muito foi dito e ainda muito está por dizer - basta ver como o disco ainda hoje capta a atenção de tantos jovens alternos (particularmente lisboetas), que encontram nas Pega uma catarse que muitos poucos discos oferecem. É o símbolo máximo daquilo que era a nova canção portuguesa - desculpa-me tio B, mas muita papinha ainda tens de comer para fazer um disco assim tão bom - e cuja influência ainda se sente hoje. De Sallim a 800 Gondomar, dos Meia  até Filipe Sambado, a irreverência das Pega fez-se sentir nesta última década. Provavelmente, ainda se fará sentir daqui para a frente. É o sinal que é mesmo um grande disco. Porque o é.»


Miguel Rocha


«Pega Monstro foi possivelmente o álbum que mais marcou a minha pré-adolescência. Lembro-me perfeitamente de, quando tinha 13 ou 14 anos, tentar fazer um caminho de bicicleta muito íngreme entre a aldeia dos meus avós e outra a cerca de 4 quilómetros, acompanhado apenas pelo meu mp3 com músicas que o meu pai tinha sacado, e de estar quase a desmaiar enquanto ouvia a “Pall Mall” e retirar algumas forças daí. Na altura agarrei-me muito áquilo por ser algo diferente do que me rodeava mas pouco a pouco fui-me apercebendo que moldou em muito a minha posição na vida e enquanto músico. É urgente dar mais força e criar plataformas para uma maior visibilidade a bandas femininas e/ou queer


Francisco Pires


Com o seu disco homónimo, as Pega Monstro deixaram claro que a música, nomeadamente a música rock em Portugal, pode ser para qualquer um, independentemente da idade, capacidades técnicas, críticas recebidas ou género – fator infelizmente relevante até aos dias de hoje, tendo em conta que quando olhamos para cartazes de festivais de rock com artistas portugueses, quase só se vê homens.


Esperar pelas “próximas Pega” não é pertinente. Há que apreciar o que nos trouxeram, mas acima de tudo é necessário estar atento ao que agora anda por aí, aos que hoje fazem música nesse mesmo espírito – porque querem e porque gostam. O importante é fazer.



Afonso Mateus



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