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Cuca Vida: o complexo sabor da vida trazida pelo confinamento

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Cuca Vida é o nome atribuído ao primeiro álbum do Conjunto Cuca Monga, cozinhado ao longo do primeiro confinamento, que se iniciou em março de 2020, por 6 bandas consideradas as principais integrantes da editora Cuca Monga e lançado em junho de 2020. Entre estas bandas contam-se nomes como Capitão Fausto, Ganso, Reis da República, Luís Severo, Rapaz Ego e Zarco, mas também projetos paralelos com membros destas bandas, como El Salvador, BISPO e Modernos, por exemplo.

Ao longo das 12 faixas que se desenrolam nesta criação musical construída sobre a base do distanciamento físico, aquilo que nos é transmitido passa, no entanto, por um sentimento de familiaridade entre um conjunto de músicos que, por mais afastados que pudessem encontrar-se aquando do processo de composição, demonstram união numa conjuntura caracterizada por uma fragmentação generalizada a nível musical e até social. Este sentimento de união distanciada parte de anos de experiência em conjunto, mas acima de tudo de uma amizade, claramente vincada ao longo dos cerca de 40 minutos de música com que fomos presenteados, num período onde as portas do mundo exterior às nossas casas começavam a ser abertas.

Contrariamente ao que possa ser pensado, por mencionar o reflexo da união em Cuca Vida, o que chega até nós é, na verdade, uma composição musical com um sentido de personalidade – ou, melhor dizendo, personalidades – bastante reforçado e diferenciado em cada um dos temas. Personalidades estas que refletem não só a sonoridade de 9 bandas diferentes juntas num projeto unificado, mas também as personalidades de 20 músicos que divergem entre si, e que se sobrepõem numa composição sob o princípio do overdubbing, originando um denso aglomerado de camadas que, no final de contas, parece autoalimentar-se e desenvolver-se através de ligações entre cada uma delas. Ouça-se, por exemplo, a utilização de um copo de vinho como instrumento de percussão na faixa inicial do álbum, sob o nome Sem Razão, e a forma como o mesmo está moldado em prol do desenvolvimento instrumental e, simultaneamente, a forma como o próprio desenvolvimento instrumental está moldado a este instrumento percutido.

Assim, as personalidades tornam-se cada vez mais claras quanto maior for a atenção prestada. Desde o groove dilacerante nos sintetizadores de Francisco Ferreira (teclista dos Capitão Fausto e persona por trás do pseudónimo BISPO, no seu projeto a solo), que integram temas como Sem Razão e Tou na Moda, às modulações e mudanças repentinas características de Luís Montenegro (teclista e compositor dos Reis da República e do seu projeto a solo, conhecido por Rapaz Ego), ou até a um sentimento de paz e nostalgia melancólica que nos trazem temas como Travessia, desenvolvidos com a predominância de Luís Severo e Tomás Wallenstein (vocalista e guitarrista dos Capitão Fausto e Modernos), e ainda à euforia nos sopros de Fernão Biu (vocalista, guitarrista e encarregue dos sopros nos Zarco e Ganso), o que se verifica é uma confirmação da realidade onde se perpetua uma multiplicidade de personalidades em cada uma das faixas. Será, então , deste modo que a personalidade do álbum, e até mesmo do Conjunto Cuca Monga, se moldará.

Abordando temáticas como a inescapável pandemia e a realidade do início da segunda década do século XXI através dos olhos dos diversos artistas integrantes, Cuca Vida leva-nos numa viagem que parece decrescer progressivamente em intensidade (e até na sua “dançabilidade” ), enquanto cresce progressivamente no seu carácter introspetivo. Um início marcado por uma sonoridade mais espaçosa nos temas Sem Razão, Tou na Moda, Escudo e Má Vontade, que contam simultaneamente com linhas de baixo que transmitem alguma agressividade pelo seu ataque, conjugadas com o jogo de sintetizadores que cheiram à década de 70 do século passado, suscita-nos uma vontade de dançar provocada pelo groove que nela sentimos. No caso de temas como Travessia, Liberdade, Casa Andante e Os Amigos, é sentido um crescendo emocional e introspetivo, conjugado com o uso de instrumentos acústicos que nos trespassam com sentimento.

Este crescendo é, no entanto, interrompido precisamente a meio, contando com as faixas Proporções Bíblicas (Absolutamente à porta) e Se Algum Día, que acabam por contrastar com a direção seguida pelo álbum até então. Num tom maioritariamente jocoso, que se pode até considerar nalgumas ocasiões gozão, acaba por se tornar interessante pelos conceitos sobre os quais assentam ambos os temas. Em Proporções Bíblicas (Absolutamente à Porta), somos presenteados com uma passagem do testemunho vocal, onde grande parte dos artistas incluídos no Conjunto assume o protagonismo e dá uso às palavras numa autêntica corrida de estafetas em jeito de rap, numa faixa que se prolonga por uns 8 minutos e 19 segundos algo maçadores pela ausência de uma variação instrumental ao longo de grande parte do tema.

No caso de Se Algum Día, este reggae pandémico traz-nos de volta à ação e invoca as problemáticas levantadas pela pandemia, por meio de um género musical que naturalmente aborda temáticas líricas simples, paradoxais em relação à profundidade dos pensamentos expressos por Fernão Biu, que nos começa a transportar para a introspeção e reflexão com que acaba Cuca Vida.

É então deste modo que, a 17 de dezembro, num concerto inédito no âmbito do festival Super Bock em Sintonia de 2020, um conjunto de 20 músicos e colaboradores encheu o palco da Altice Arena de alegria e felicidade, naquela que foi a última prestação do eterno Gastão Reis. Este concerto que desafiou a pandemia veio para consumar o trabalho notável por parte deste conjunto de bandas, subdividido num conjunto de músicos do mais alto nível no paradigma português. É assim que este Conjunto (verdadeiramente merecedor da letra maiúscula) leva para a frente o cenário musical português, numa conjuntura em que o progresso e a inovação não são apenas benéficos, mas, a meu ver, necessários.


Francisco Sanona


Titulo do álbum: Cuca Vida Autor: Conjunto Cuca Monga Artistas convidados/as: Capitão Fausto, Ganso, Luís Severo, Zarco, Reis da República, Rapaz Ego, Diogo Rodrigues, Joaquim Quadros, Constança Rosado, Gonçalo Perestrelo, Isis Bernard. Editora: Cuca Monga Ano: 2020 Produção e Masterização: Luís Montenegro, Tomás Wallenstein e Manuel Palha

Palavras-chave: “música portuguesa”; “música alternativa”; “confinamento”; “atualidade”.



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