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B Fachada, Chico da Tina e as peculiaridades do público português

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Num espaço de 3 dias tive a oportunidade de ir aos concertos dos dois artistas portugueses que eu provavelmente mais escutei durante minha curta, porém singela, espreitada pelo mundo musical português. O já consagrado B Fachada, que me apanhou pelos ouvidos durante o mês de março do primeiro confinamento, com o homónimo e clássico álbum de 2009, gerando em mim um grande fascínio e pesquisa, percorrendo toda a sua discografia até ser presenteado pelo lançamento do derradeiro Rapazes e Raposas em julho de 2020.

Chico da Tina... bem, eu não lembro de fato quando comecei a ouvi-lo, provavelmente algum colega me apresentou como alguma espécie de ‘meme’, depois comecei a pesquisar mais sobre e sempre dava risadas das letras do ‘trapstar do minho’, seu visual e suas piadas. Até que tudo deixou de ser irónico e eu comecei a apreciar o trabalho da vedeta franciscana. O EP "Trapalhadas" foi provavelmente a primeira obra de trap que eu consumi com uma admiração grande, desconstruindo os meus próprios preconceitos sobre o género. Os dois artistas, que provavelmente estão em polos muito opostos em relação a suas estéticas musicais, mas, apesar de tudo, partilham em suas similaridades um exaltamento à cultura portuguesa e sua originalidade, e a provocação mais direta ao público perante as observações dos ambientes sociais que os dois frequentam/frequentavam. Ambos passam por fases diferentes de suas carreiras, mas com o mesmo poder de impactar com a qualidade de suas obras, furando bolhas sociais em relação ao consumo de seus trabalhos por diferentes tribos (sociais).

E tudo levou até a agitada quarta semana do mês de março de 2022. Semana essa que também contou com um fantástico e gratuito concerto do Sérgio Godinho que merece ser aqui lembrado sem parênteses. No dia 24 de março, levei meus amigos, que tanto penavam com o meu constante vício de colocar qualquer música do Tio B na coluna durante qualquer convívio. Portanto, a expectativa era enorme, mesmo com o meu constante aviso que o B Fachada não era tão primoroso ao vivo, era mais paixão do que técnica com a suspeita do meu eufemismo. Três dias depois, no dia 27 de março estava num impasse moral enorme se ia ou não para o concerto do Chico da Tina, já tinha um bilhete para os Ganso na mesma noite e no mesmo horário, porém, a ligação provocadora de mais um amigo confirmando que ia ao concerto do Chico retirou-me todas as incertezas.

Como pequena observação aos padrões que encontrei nos dois concertos reparei no elevado número de alternas com as sobrancelhas pintadas e em como os dois começaram extremamente mal (somente na primeira canção). B Fachada deu sua partida com a “Trad-Mosh”, do último álbum - é de se acusar que a estrutura do lugar não era a adequada, mas tudo conspirou para o pior ali. A braguesa com um volume baixíssimo, a desafinação do B e a acústica, onde se ouvia mais o cochichar do público do que qualquer outra coisa; fatores que me levaram a uma breve vergonha de levar meus amigos para um concerto que aparentava se transformar num desastre. No concerto do Chico, o primeiro tema foi o icónico “Deitei Tarde Acordei Late”, com um delay enorme no microfone de Chico e seu autotune. Os olhares de estranheza misturavam-se com as risadas de alguns, inclusive com a minha e dos meus amigos que não conseguimos afirmar até hoje se aquilo tudo não era mais uma das encenações do Chico ou uma falha real.

Falando em questão de atmosferas, claramente são dois concertos com propostas diferentes em relação à troca de energia entre público e artista. Um B Fachada com mais de 10 anos de carreira já não tem paleio, vontade, nem cabelos para agitar centenas de pessoas a cada concerto. Ainda mais numa proposta onde por mais de uma hora de concerto, durante todo o espetáculo a postura e risadas de B Fachada davam a pista de que o próprio tinha se esquecido do conceito de “Quem Quer Fumar com o B Fachada?” e fumou tudo sozinho no camarim. O repertório foi em sua maioria o último álbum, com as duas breves exceções para uma adaptada versão da consagrada “Como Calha” e um cover de Zeca Afonso. E quem caiu ali de paraquedas, visto que o concerto era de graça, claramente não se sentiu totalmente embalado pelas canções menos conhecidas do cantor. Mesmo assim, o envolvimento sempre parecia muito pequeno. É de se exaltar que a maior conexão ali presente era entre Fachada e sua braguesa, numa simbiose enorme onde o cantautor sentia as próprias melodias como nenhum outro. Foi minha segunda vez num concerto do B Fachada, e o público parece sempre estar um pouco acanhado, talvez seja algo mais cultural que não me avisaram. Se o público europeu assume sempre esse lado mais voyeurista em concertos com um tom mais intimista avisem-me para na próxima vez não passar quase todo o concerto a cantar, uma vez que, os alternados do meu lado estavam sempre a comentar, não sei se de deboche ou simplesmente pelo tom cômico do meu dueto desafinado com o B.

Mas, por fim, B superou as adversidades dos problemas de sons e entregou belas e apaixonadas performances. Conseguiu fazer piada com a dificuldade entre conciliar as palhetas na mão e não as derrubar no chão, fingiu não escutar os pedidos saudosistas dos clássicos de antigos álbuns e ainda sobrou tempo para com muita elegância responder aos atrasados que zombavam das suas breves piadas. Num resumo, para quem tinha algum background do universo e linguagem do fachadês , foi uma noite de diversão. Quem foi de peito aberto, como um dos meus amigos, se impressionou com a paixão e malandragem das letras e da braguesa. Quem foi de peito fechado, não vale a pena comentar.

Já na atmosfera do senhor Concertina, foi um crescente de adrenalina sem curva para descer. As teorias podem ser muitas, todas com algum fundo de verdade, mas aquele universo de referências e extravagâncias criado por Chico é algo realmente notável e cada ato é pensado para criar uma reação sempre voltada para o extremo das reações. Seja a energia colocada em sua música que resultaram em pelo menos 10 moshes agressivos, que foram um terror para os meu tênis que se perderam duas vezes no emaranhado de pernas da Sala Tejo na Altice Arena. A fumaça esvoaçando pelo local, seja do palco ou dos cigarros presentes no público, os constantes convidados da trupe de Chico, as interações que sempre caem para um lado humorístico devido ao recorrente uso do culto a figura de Tina e seu ‘triangle chest’. Chico da Tina entregou muito com o seu lado performer, do jeito mais expositivo possível que a estética do trap representa, sempre a pular, a provocar e a conduzir o público no ritmo desejado pelo próprio. Em termos de energia e espetáculo, impecável. Chico se portou como um maestro do caos e o público (o maior encontro de alternos, mitras, crianças de 12 anos e não etiquetáveis que já vi) soube responder como se pedia a regência daquela entropia.

Enfim, a beleza disso tudo é que a música boa prevaleceu e foi entregue em ambos os concertos, em meios as adversidades e loucuras. E o que retirei como "pseudo" conclusão é que a experiência do concerto é muito dividida entre a performance dos artistas e a boa vontade de se entregar do público. B Fachada, com mais experiência, provavelmente já cansou de ‘encher as freaks de esperança’ e confia que sua música basta por si só para embalar as pessoas, e quem assim não se sentir, uma pena. Do lado do Chico, há muito vigor inerente ao seu ser e meio em que habita para espalhar o seu original repertório e odisseia arquitetada. Portugal se comunica perante os palcos... com algum esforço, tento perceber algo.


Dionys Campos​

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