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Tempo de Dom La Nena

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No dia em que fiz 21 anos, o álbum Tempo, de Dom La Nena, foi dado a conhecer ao mundo. Já há algumas semanas que aguardava com inquietação e expectativa o terceiro álbum da violoncelista, cantora e compositora brasileira, que surge na sequência de Soyo (2015) e Ela (2013). O álbum Tempo, que foi, pelo menos nesse dia, irracionalmente sentido como um presente, foi também uma surpresa para mim. Se em trabalhos anteriores Dom La Nena refletia sobre as suas raízes, sobre a sua identidade enquanto brasileira que viveu (e cresceu) em várias partes do mundo, em Tempo parece haver uma mudança nas reflexões, preocupações, pensamentos, que a cantora decide partilhar com quem a ouve. Neste álbum, produzido na totalidade pela própria intérprete e compositora, as mudanças nas temáticas abordadas são também acompanhadas por mudanças sonoras.

A voz quente e doce de Dom La Nena e o som do seu violoncelo guiam-nos pelas treze músicas que perfazem este álbum, seguindo um fio condutor, que é o Tempo. O álbum inicia-se com a faixa com a qual partilha o nome, que, por sua vez, se inicia com o som do violoncelo de Dom tocando uma melodia simples que, com o adicionar de múltiplas vozes, como que por camadas, vai crescendo, intensificando-se e complexificando-se, ganhando uma dimensão quase dramática. Esta faixa instrumental prenuncia, sem palavras nem explicações, sem pressa nem demora, como serão as duas faixas que se seguem, de seu nome Oiseau Sauvage e No Tengas Miedo: majestosas, melancólicas e muito belas.

Segue-se a canção Todo Tiene Su Fin, uma música que, do meu ponto de vista, contrasta com as três primeiras pelo ambiente leve e doce que constrói, pelos corais quase angelicais que, em conjunto com o violoncelo, dão suporte harmónico à música, e até pelas palavras de conforto que Dom La Nena repete: “Todo siempre acaba bien”. O videoclip desta música, realizado por Jeremiah, condiz na perfeição com a canção e apresenta uma estética muito diferente da dos videoclips de Oiseau Sauvage e Quién Podrá Saberlo, mas, sem dúvida alguma, partilham os três uma indizível beleza, que merece ser apreciada.

É neste álbum que Dom La Nena apresenta os seus primeiros três originais de música instrumental (em que a voz não entra como solista, mas apenas em corais): a já referida faixa Tempo, Valsa e Esperando Alma. O vazio que se poderia sentir pela falta da voz e das palavras de Dom é preenchido por melodias tocadas no elegante violoncelo. É muito interessante a maneira como Dom La Nena cria novos espaços e papéis para o violoncelo, um instrumento erudito e visto primeiramente como melódico, explorando os recantos e as potencialidades máximas do seu instrumento, simultaneamente solista e acompanhante, criando sonoridades muito novas recorrendo ao pizzicato, a trémulos, à madeira do tampo do violoncelo para percussão, e construindo melodias que se complementam.

De facto, quase todos os sons deste álbum ou são provenientes do violoncelo ou são cantados por Dom, havendo duas exceções significativas. Nas músicas Esperando Alma e Teu Coração, a compositora e produtora escolheu usar como percussão uma gravação do bater do coração da sua filha, na altura ainda não nascida, oferecendo a quem ouve um outro entendimento das suas palavras cantadas. Para além disso, Dom La Nena conta com a colaboração de Julieta Venegas e a sua poderosa voz na canção Quién Podrá Saberlo. Esta enigmática canção remete, de uma maneira subtil, para um passado que nos é desconhecido e para uma certa melancolia que lhe é associada. Faz-nos refletir sobre o que acontece aos nossos antigos sonhos ou àquilo que gostaríamos de esquecer, sobre como lidamos com os nossos medos e com as nossas “canções inacabadas”.

Não poderia escrever sobre Tempo sem me deter sobre a 11ª faixa deste álbum, denominada Samba Para Você. Esta canção fala-nos de solidão, choro, dor, e também de amor, deixa transparecer uma certa angústia e é realmente emocionante, sendo talvez a mais melancólica deste álbum. A composição e o arranjo são verdadeiramente excecionais e mais não digo, não porque nada mais haja a acrescentar, mas porque há músicas que parecem dizer tudo. Só nos resta desejar que Dom componha muitos outros sambas para o seu interlocutor, que, nesta canção, é apresentado como sendo parte imprescindível do seu processo de criação.

Tempo é um álbum com momentos musicais de uma beleza fora do comum e é um disco que vem consolidar o percurso de Dom La Nena no mundo da música. O seu terceiro álbum tem um caráter reflexivo e problematiza questões que têm na sua origem o passar do tempo e que são apresentadas, no entanto, de uma maneira delicada e até subtil. Este álbum, que foi escrito maioritariamente enquanto Dom estava grávida, contém, segundo as palavras da própria, uma “reflexão sobre o tempo, sobre o nascimento, sobre a espera, sobre a velhice, sobre a morte, sobre o medo da solidão, o medo do vazio”1. E que bonita reflexão.



Sara Madeira Cal

Título: Tempo Autora: Dom La Nena Artista convidada: Julieta Venegas (voz) Edição e ano: Six Degrees Records, 2021 Produção: Dom La Nena Mistura: Noah Georgeson

Palavras-chave: "tempo"; "violoncelo"; “música cantada em português”; “música cantada em francês”; “música cantada em espanhol”.

1 Retirado de https://www.publico.pt/2021/03/27/culturaipsilon/noticia/melancolia-doce-musica-esperar-vida-1955522



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