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Desistir ou tentar? Faye Webster e Weyes Blood dir-te-ão

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Se estivermos dentro de água sem pé e não soubermos nadar, ou afundamo-nos ou tentamos boiar até que alguém nos socorra. Em “Atlanta Millionaires Club”, a cantora norte-americana Faye Webster parece estar prestes a afundar-se; já em “Titanic Rising” – como o nome do disco sugere –, conseguimos sentir Natalie Mering, conhecida pelo seu nome artístico Weyes Blood, a boiar, à mercê do oceano, de olhos postos no sol. Ambos os discos partilham a mesma atmosfera espacial das profundezas do mar e uma grande entrega emocional por parte das jovens cantoras e são, curiosamente, os dois de 2019. Não obstante, “Atlanta Millionaires Club” e “Titanic Rising” divergem no leitmotiv das duas cantoras indie: Webster parece não ter esperança no futuro, enquanto Weyes Blood, por muito que lhe custe, está decidida a tentar ver o outro lado da moeda.

Lançado pela Secretly Canadian, o segundo disco de Faye Webster retrata uma etapa da vida da cantora em que esta se sentia muito só. Em “Room Temperature”, a primeira música do álbum, a atmosfera marítima é conseguida pelos sons da guitarra e dos pedais, que fazem lembrar a cidade ficcional de Bikini Bottom na série infanto-juvenil Spongebob Squarepants (o que acontece de forma recorrente no disco), e começa com o seguinte verso: “Looks like I’ve been crying again over the same thing / I wonder if anyone has ever cried for me / Nothing means anything, at least anymore / Even my tears have gone, room temperature”. O refrão é repetido até à exaustão: “I should get out more” – parece uma nota para si própria, algo a reconsiderar no seu dia-a-dia.

A doce e harmoniosa voz de Webster, os seus arranjos cuidados e jazzy, aliados ao seu talento como compositora, filtram de forma apaziguadora o sofrimento pelo qual todos já passamos graças ao amor – e à sua complexidade –, a artista canta-o no tema “Hurts Me Too”: “My mother told me one day / She’s tired of my sad songs / But loving you has only / Made me cry twice or so”. Ainda nessa canção, Webster descreve a tristeza que carrega através do conjunto de versos mais visuais e criativos, diria, de “Atlanta Millionaires Club”: “I hate that feeling at night / When I thought my eyes were closed / But they were open the whole time / It was just too dark to know”. Logo de seguida, o instrumental parece ganhar cada vez mais força e intensidade no crescendo, o que a torna uma das canções mais genuinamente humanas – note-se, frágeis – do álbum. Webster confirma o seu sofrimento/apatia várias vezes ao longo do álbum de forma subtil mas também dolorosa, nomeadamente na canção “Pigeon”, ao cantar: “It’s the little things / That just aren’t the same / I used to make my bed, / But now I see no point of it”; o mesmo se aplica na canção “Jonny”, música que se refere explicitamente ao ex-namorado da cantora na altura, e às perguntas que pairaram no fim da relação: “Jonny, did you ever love me? / Jonny, help me figure it out”, versos cantados com as mesmas tristeza e beleza que acompanham a meia hora que perfaz o disco.

Na balada “Kingston”, os instrumentos de cordas e percussão criam o ambiente apaixonado e hipnotizante que o ouvinte não esperava até então, tornando o efeito surpresa ainda mais caloroso e reconfortante (será a nesga de luz na escuridão?) quando ouvimos os primeiros segundos da canção e o verso “The day I met you I started dreaming”, que remetem para um cenário apaixonado completamente diferente do resto do disco (“He said baby, that’s what he called me, I love you / Every single word you say makes me feel some type of way”) – o que, para o estereótipo de hopeless romantic, encaixa como uma luva. Poder-se-á dizer que a nesga de luz de que falo é também evidente em canções como “Right Side of My Neck”, em especial no seu refrão (“The right side of my neck / Still smells like you”); apesar de discordar em termos interpretativos – o tom parece nostálgico –, e considerando a pungência romântica e submissa em “Kingston”, “Right Side of My Neck” não deixa de ser sobre a linguagem do amor, perdida no tempo e no espaço. O mesmo parece acontecer na oitava faixa do disco, “What Used To Be Mine”, quando Webster canta: “I miss your voice, you’re the only one with it / It reminds me of what used to be mine”, que nos transporta novamente para o universo melancólico, doloroso e niilista que define “Atlanta Millionaires Club”.

Em “Titanic Rising” – lançado pela Sub Pop Records, depois do sucesso de “Front Row Seat to Earth” em 2016 – o tom e a filosofia são diferentes. É curioso pensar na etimologia da palavra crise, do grego krísis, que quer dizer “momento de decisão, de mudança súbita”, referida na história da medicina, segundo conceções antigas, como o momento decisivo entre a vida e a morte. Acompanhada progressivamente pelo piano, teclado e violino, Weyes Blood escolhe a vida e decide mudá-la através da música, partilhando a sua própria luz ao longo dos quarenta e dois minutos que perfazem o álbum. No refrão de “A Lot’s Gonna Change”, primeira faixa do disco, Natalie canta, com a sua lindíssima voz, “In your lifetime / Try to leave it all behind” – versos que marcam a narrativa geral do disco. Como se o oceano não fosse suficientemente grande, Weyes Blood evoca o universo: em concreto, a galáxia de Andrómeda, na música “Andromeda”. Provando que o importante da vida reside na tentativa, Weyes Blood provoca o ouvinte: “Love is calling / It’s time to let it through / Find a love that will make you / I dare you to try”. Mesmo que o amor pareça estar a anos-luz, à semelhança de Andrómeda, Weyes Blood desafia-nos a tentar. Enche-nos de esperança em “Something to Believe” – a minha música favorita, até ao dia, de Weyes Blood – através da mesma emoção e intensidade que músicas como “Ballad Of Sir Frankie (Let It Roll)”, do ex-Beatle George Harrison, transmitem. Weyes Blood pede ajuda e simultaneamente é ajudada por si mesma. A lírica e a melodia criam a imagem, o corpo à superficie da água: “I just laid down and cried / The waters don’t really go by me / Give me something I can see / Something bigger and louder than the voices in me”; Weyes Blood encontra nela a força para vir ao de cima: “Didn’t always do it right / Might have left the heat on high / Didn’t know I had left / Thought I finally met my death / Gonna do all I can / Stay away from the quicksand”, espírito que vai prevalecer na continuação de “Titanic Rising”.

Saltamos para a canção “Movies” – canção que me comove profundamente – em que Weyes Blood se torna a heroína que jamais pensava ser (“This is how it feels to be in love / This is life from above”) a partir do momento em que, como dita a narrativa da música, se distancia da sua própria realidade, refugiada no seu amor pelo cinema (“The meaning of life doesn’t seem to shine like that screen”), e se apercebe que merece ser aquilo que não era até então: a estrela no seu próprio filme (“I wanna be in my own movie / I wanna be / I wanna be the star of mine / Of my own, my own”).

A figura arquetípica do herói é desenhada na antepenúltima canção, “Wild Time”. Natalie reconhece os tempos conturbados em que se encontra e a dor que sente, (“Look around / There’s nothing left to keep / By the bottles that broke you / From the solace you seek”, bem como no versos: “Running on a million people burning / Don’t cry, it’s a wild time to be alive”), para mais tarde pegar na nossa mão e sublinhar a lição importante: “Turn around it’s time for you to slowly / Let these changes make you more holy and true / Otherwise, it just made it complicated for nothing / Warm and cold, a place for us too far”. Através da sua voz angelical mas poderosa, Weyes Blood foi capaz de criar e ser a estrela no seu próprio filme musicado, ultrapassar a sua crise e vir ao de cima, para alertar todos os outros que, mesmo sem saber nadar, chegarão à costa.

Ambos os discos merecem ser devorados de ponta a ponta, não só pela intensidade lírica e pela sua beleza, mas também pelo talento palpável de Faye Webster e Weyes Blood, duas das mais bonitas vozes femininas contemporâneas que já ouvi. Isaac Wood, vocalista da banda Black Country, New Road, na sua canção “Theme from Failure, Pt.1” no projeto The Guest, resume o contraste paradoxal entre desistir/tentar perfeitamente, quando canta: “And at one moment, I never felt more like I wanted to die in my life / And in the next moment, I never felt more like I needed to try in my life”.

Catarina Fernandes

Faye Webster Título do album: “Atlanta Millionaires Club” Ano de edição: 2019 Editora: Secretly Canadian Duração: 31:45 minutos Produção: Faye Webster, Matt Martin e Drew Vandenberg Artistas convidados: Father (voz)

Weyes Blood Título do album: “Titanic Rising” Ano de edição: 2019 Editora: Sub Pop Records Duração: 42:27 minutos Produção: Natalie Mering e Jonathan Rado

Palavras-chave: “indie”; “folk”; “pop”; “contemporaneidade”; “análise comparada”.

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