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O Curioso Caso do Álbum Cinzento de Danger Mouse

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Corria o ano de 1998 e Danger Mouse, nome artístico de Brian Joseph Burton, começava a dar os seus primeiros passos na criação de coletâneas discográficas com remixes de músicas de hip hop. O bichinho da edição sonora foi crescendo com o passar dos anos, assim como o interesse pelas novas tecnologias que começavam a surgir no campo da produção musical, nomeadamente das DAW (Digital Audio Workstation), importantes ferramentas de trabalho no âmbito da edição de ficheiros de áudio.


Num circuito underground, Danger Mouse foi dedicando-se ao seu trabalho de remixes até 2003. Porém, a necessidade de deitar cá para fora todo o seu potencial artístico, assim como o desejo de elevar a fasquia do seu trabalho de edição, levou a que começasse a preparar a sua magnum opus.


A prática de mash ups, que consiste na sobreposição de duas obras musicais distintas, foi a grande inspiração para o trabalho inovador que Danger Mouse tinha em mente. Com origens nos primórdios do hip hop e na prática de djing, o mashup começou a despontar nos anos 80 através das experimentações de colagens de samples praticadas pela dupla de produtores Double Dee and Steinski. Registos como 86 In The Mix de Dr. DreMichael Jackson blends de Ron G e Rocks The Casbah: 80s Megamix Vol. One de DJ Spinbad chegaram mais tarde, mas ajudaram a definir o conceito de mash up e a traçar as  características que definem esta forma de produção e edição musical.


Inspirado por esta prática, que começava a disseminar-se e a enraizar-se na cultura hip hop, e pela vontade de elevar a sua experimentação, Danger Mouse teve a ideia de criar o The Grey Album, um projeto que consistiu na criação de um mash up das linhas vocais do The Black Album (2003) de Jay-Z com beats criados a partir de samples das músicas do The White Album dos The Beatles (1968). Todavia, aquele que era para ser apenas um projeto artístico experimental, com uma prensagem de 3000 exemplares, acabou por tornar-se num lançamento extremamente badalado. Este não só chegou aos ouvidos dos media, como também levou a uma enorme partilha de ficheiros na internet e consequentemente a uma quantia avultada de downloads ilegais. Audaz e disruptivo, The Grey Album foi visto como um objeto de estudo para aquilo que viria a ser a prática de edições (remixes/mash ups) musicais caseiras, e tornou-se também num ponto de partida para a discussão de aspetos legais como os direitos de autor.


Ainda assim, impõe-se uma questão. Como é que Danger Mouse conseguiu concretizar o produto sonoro que encontramos em The Grey Album?


Tudo começou com a partilha de uma versão do The Black Album de Jay-Z só com as faixas vocais. Esta era uma prática que já outros rappers tinham adotado anteriormente, exatamente com o intuito de dar a possibilidade a jovens produtores de praticarem a arte do remix. Apesar das cópias a cappella de The Black Album estarem apenas disponíveis como cópias promocionais para djs de rádios, Danger Mouse conseguiu, através da loja online HipHopSite.com, duas cópias. Estava assim estabelecido o ponto de partida para o The Grey Album.


Quanto à utilização dos instrumentais do The White Album neste projeto, Danger Mouse teve de passar por um processo, por vezes penoso, de escuta intensiva para extrair os elementos necessários. Ao longo da escuta das 30 faixas do álbum, o produtor foi em busca de todas as pancadas de tambores e de pratos que estivessem isoladas de outros instrumentos e das vozes. O objetivo era assim recolher todos esses sons para criar instrumentais que encaixassem nas faixas vocais de Jay-Z.


O natural será pensar que o projeto tenha demorado vários meses até ficar concluído. Porém, Danger Mouse completou o The Grey Album no princípio de 2004, após um trabalho exaustivo de apenas alguns dias. Com o álbum pronto, este foi prensado e colocado à venda na HipHopSite.com. O feito acabou por chegar aos ouvidos da EMI, editora dos The Beatles, que emitiu duas cartas de cessar e de desistência. Contudo, de nada serviu, pois as cópias já tinham sido todas vendidas no dia em que tinham sido colocadas à venda. Mais tarde, quando a MTV noticiou a emissão deste comunicado por parte da EMI, o The Grey Album acabou por ganhar um mediatismo e uma procura nunca esperados.


Danger Mouse já antecipava esta posição por parte da EMI, afinal de contas, nunca tinha recebido luz verde da editora para “remexer” nas músicas do The White Album. Todavia, o produtor nunca poderia ter previsto o alcance que o seu projeto acabou por ter, pois a sua ideia inicial era apenas a de criar um trabalho de culto dentro do circuito underground.


A “batalha” estava iniciada, e pouco depois das cartas da EMI terem-se tornado públicas, o site Downhill Batlle organizou uma campanha de desobediência civil. A Downhill Battle foi uma organização sem fins lucrativos influente em meados da década de 2000, cuja missão era “apoiar a cultura participativa e construir uma indústria musical mais justa”. A Downhill encontrava-se do lado de Danger Mouse e, ao posicionar-se contra a ação da EMI de limitar o acesso ao The Grey Album, trabalhou em colaboração com outros 170 sites para que o álbum fosse disponibilizado de forma gratuita durante um dia. A ação de protesto, que decorreu no dia 24 de Fevereiro de 2004, ficou conhecida como “Grey Tuesday” e viu todos os sites envolvidos a alterar o seu background para um tom acinzentado como que a mostrar o seu apoio para com Danger Mouse.


Depois desta ação, os números revelaram-se impressionantes. Segundo Holmes Wilson e Nicholas Reville, co-fundadores da Downhill Batlle, o The Grey Album foi descarregado 100 000 vezes só na “Grey Tuesday”, colocando assim Danger Mouse à frente de nomes como Kanye West e Norah Jones, que tinham lançado nesse mesmo ano os seus álbuns de estreia “The College Dropout” e “Come Away With Me”, respetivamente.


Com a popularidade do The Grey Album a crescer, rapidamente levantaram-se questões relacionadas com as leis do sampling. Se por um lado Nicholas Reville defendeu que as questões burocráticas relacionadas com a prática de sampling deveriam ser agilizadas, para facilitar o trabalho dos músicos e dos produtores que recorrem a esta técnica, por outro, a EMI defendeu-se ao referir que tinha os procedimentos para a prática de sampling bem definidos, e que Danger Mouse apenas passou por cima deles. Com a razão a ficar do lado da EMI, também é importante referir que estes procedimentos de licenciamento de samples são muitas  vezes complicados e dispendiosos, e para um produtor underground como Danger Mouse conseguir legalizar todos os samples seria necessária uma quantia extremamente avultada de dinheiro. Vejamos, por exemplo, o caso da série Mad Men, que em 2012 chegou até às manchetes com a revelação de que tinha pago cerca de 229 000€ para licenciar uma música dos The Beatles.


Pois bem, já falámos detalhadamente da posição da editora EMI, mas, afinal de contas, qual é que foi a opinião dos artistas sampleados?


Quando o The Grey Album chegou aos ouvidos de Paul McCartney, este não fez caso e não demonstrou vontade em levantar qualquer processo a Danger Mouse. Numa entrevista à Radio 1 da BBC, McCartney referiu: “Não me importei quando algo como o The Grey Album aconteceu. Mas a editora importou-se. Eles fizeram barulho. Mas foi tipo ‘Calma, pessoal, é uma homenagem.’”[1] Por sua vez, Jay-Z também demonstrou partilhar da mesma opinião de Paul McCartney ao expressar: “Acho que foi um álbum muito forte. Eu apoio qualquer forma de criatividade e essa foi uma ideia genial.”[1]


Apesar de todas as questões legais associadas ao The Grey Album, que até contribuíram para a realização de um documentário em 2007 intitulado “Good Copy Bad Copy: A documentary about the current state of copyright and culture”, é importante referir que no final de contas o projeto de Danger Mouse não deixa de ser um trabalho musical com um valor artístico associado. O seu carácter inovador, bem como a sua qualidade sonora, fizeram com que tenha sido bem recebido pelos críticos, com a Pitchfork a atribuir-lhe uma nota de 7.7 (num total de 10) na sua review e a NME a colocá-lo na posição 80 do Top 100 dos Melhores Álbuns da Década.


Depois de The Grey Album, a carreira de Danger Mouse como produtor disparou, e hoje é mais conhecido pelo seu trabalho com nomes como Gorillaz, The Black Keys, Norah Jones, U2, Adele e Red Hot Chili Peppers. Mas, para muitos, o The Grey Album será para sempre a sua obra-prima.




Rodrigo Oom Baptista



Referências:

How ‘The Grey Album’ Re-Invented the Remix

Disponível em: https://medium.com/micro-chop/how-the-grey-album-re-invented-the-remix-740e7c9f2631

The mythic ‘Grey Album’: Danger Mouse’s mashup of The Beatles and Jay Z

Disponível em: https://faroutmagazine.co.uk/the-grey-album-danger-mouse-the-beatles-jay-z/ 


[1] Retirado de https://medium.com/micro-chop/how-the-grey-album-re-invented-the-remix-740e7c9f2631


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