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Ronnie Radke e a reinvenção sinfónica dos Falling In Reverse

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Foto/Créditos: Nick Fancher

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Ronnie Radke é muitas vezes apresentado como um artista polémico. Por um lado, é desprezado por muitos devido ao seu controverso histórico criminal, que o levou a cumprir uma pena de prisão de dois anos e meio e que resultou na sua expulsão da banda Escape The Fate. Por outro lado , este artista é respeitado e idolatrado por toda uma geração, agora na casa dos 25-30 anos, que o vê como uma espécie de “rei” da subcultura juvenil scene. Esta subcultura, que floresceu na segunda metade dos anos 2000 e que se manteve fortemente ativa até aos primeiros anos de 2010s, teve em Radke uma das suas figuras mais influentes, tendo este contribuído para a disseminação global do fenómeno scene não só através da sua música, primeiro com os Escape The Fate e depois com os Falling In Reverse, mas também em termos visuais, com Radke a apresentar uma estética extravagante que combinava roupas coloridas e calças justas, um penteado com cabelo comprido, espetado e com uma longa franja a cobrir não só a testa mas também os olhos, uso de maquilhagem e ainda o corpo extensivamente tatuado.

Em 2010, e após sair da prisão, Ronnie Radke forma então os Falling In Reverse e, em 2011, o grupo edita, pela Epitaph Records, o álbum de estreia “The Drug in Me Is You ”. No entanto, a sonoridade do álbum, que combina elementos de hard rock, post-hardcore e metalcore, surge ainda muito agarrada ao registo de estreia dos Escape The Fate e ao álbum “Dying Is Your Latest Fashion” (2006), onde Radke também se encarrega das vozes. Todavia, o álbum viria a ser certificado disco de ouro nos EUA, com vendas superiores a 500.000 cópias, um feito de louvar tendo em conta que este foi um período em que o consumo de música era feito à base de downloads ilegais. Mas, se o álbum peca um pouco no que toca à originalidade dos instrumentais, o mesmo não se pode dizer acerca das letras. Muitas delas, de caráter intimista e confessional, foram escritas durante o período em que Radke esteve na prisão e constituem-se como uma espécie de terapia e reflexão face aos seus problemas, que envolviam a adição de drogas e álcool, e a sua consequente falta de autoestima e de motivação para ultrapassar esses vícios. O resultado é, então, uma escrita poética, bastante articulada e inteligente, onde Radke procura muitas vezes o recurso a figuras de estilo com o intuito de adicionar uma certa carga dramática aos versos que entoa.

Passados dez anos, o álbum demonstra ter sobrevivido ao “teste do tempo” e é, hoje em dia, reconhecido como um clássico dentro do género. Ronnie Radke, por sua vez, é também neste momento um ser completamente diferente: agora com 37 anos e com uma filha, Ronnie parece finalmente ter amadurecido em termos pessoais e também musicais. Desta forma, em jeito de comemoração e também com o intuito de oferecer algo aos fãs para que estes se animassem durante o período pandémico, Radke fez o inimaginável ao redesenhar e orquestrar por completo as duas faixas mais emblemáticas do álbum de estreia dos Falling In Reverse, os singles “The Drug in Me Is You” e “I´m Not a Vampire”.


O arranjo das peças foi realizado em conjunto com o compositor e pianista irlandês Sean Rooney e o objetivo era simples: transformar as duas músicas em peças com um caráter sinfónico, procurando também enaltecer as qualidades vocais de Ronnie Radke. O primeiro resultado desse trabalho surgiu então na forma de “The Drug In Me Is Reimagined”. A nova versão apresenta-se mais “despida” face ao original, centrando-se agora num acompanhamento delicado ao piano ao qual se junta um ensemble de violoncelos, que ajuda a imprimir na música uma aura algo soturna. Já os vocais de Radke apresentam-se extremamente expressivos, situando-se entre o robusto e o frágil, aos quais se junta a sua notável capacidade deintercalar entre diferentes dinâmicas e registos, alternando, assim, entre o registo médio e o falsete para simbolizar uma certa fragilidade, como podemos escutar nos versos “Your secrets keep you sick, your lies keep you alive, / Snake eyes every single time you roll with crooked dice” da segunda estrofe, e no vocal arranhado e berrado, com o intuito de transparecer uma certa ideia de desespero, presente nos versos “I wrestle with my thoughts, I shook the hand of doubt, / Running from my past, I'm praying “Feet, don't fail me now!” da terceira estrofe.


“The Drug In Me Is Reimagined” revelou-se um sucesso entre os fãs e os críticos, com as duas partes a reconhecerem a genialidade artística e musical de Radke, mas este ainda não se encontrava saciado e foi novamente à procura do desafio. Desta vez, o resultado foi a faixa “I´m Not A Vampire Revamped”. Deixando de parte o instrumental minimalista que caracteriza “The Drug In Me Is Reimagined”, em “I´m Not A Vampire Revamped”, Radke mantém o piano como base, mas vai em busca de uma moldura sonora de proporções épicas, que é enaltecida pelo motivo dos violinos presente no pré-refrão, pela entrada impactante do coro e da percussão na transição entre o refrão e o segundo verso ou pelo conjunto de toda a massa orquestral e do coro que o ouvinte encontra na ponte. Em termos vocais, Ronnie Radke volta a apresentar-se em níveis estratosféricos, com o vocalista a dar mais uma vez primazia a uma abordagem vocal assente na emotividade e no significado das palavras. No entanto, existem duas secções onde Ronnie se destaca claramente: a primeira dá-se no pós-segundo refrão, com Radke a entrar no campo do teatro musical ao alternar entre o vocal cantado e o declamado, enquanto encarna uma figura com contornos claramente demoníacos; já a segunda dá-se na ponte, quando Radke atinge o clímax da música e vocaliza de forma bastante expressiva e catártica o seu desfecho post mortem.

Contudo, Ronnie não se limitou a apresentar uma obra-prima orquestral, isto porque o vídeo que acompanha a música expõe de forma clara características de uma curta-metragem que nos remete automaticamente para a estética presente nos filmes de Tim Burton. Aliás, os mais geeks do universo gótico de Burton facilmente encontrarão paralelismos entre o papel desempenhado por Radke e personagens tão icónicas como Sweeney Todd ou Barnabas Collins.


Mas Ronnie é também um mestre da interpretação, e ao alterar o registo e a entoação vocal parece muitas das vezes passar para o ouvinte uma certa dualidade quanto ao significado das palavras que canta. Prova disso está presente nos versos “And I'm so high on misery, Can't you see!” de “The Drug In Me Is You” e “Hi, my name is Ronnie, I'm an addict, / Daddy should've never raised me on Black Sabbath” de “I´m Not A Vampire”: enquanto nas versões originais Radke faz uso de uma entoação algo sarcástica e jocosa, nas produções orquestrais a sua interpretação é muito mais introspetiva e austera, acabando assim por ir ao encontro da sua realidade.

Em jeito de conclusão, partilho agora convosco uma experiência que tive há uns tempos ao assistir a um vídeo do youtuber Alex Hefner a reagir a estas duas músicas e que me marcou profundamente pela forma como Hefner descreveu a música de Ronnie Radke. Citando Hefner: “… esta não é uma música que tu ouves, mas sim uma música que tu sentes…”. Não poderia estar mais de acordo com as palavras de Alex Hefner, isto porque, numa época em que se produz uma elevada quantidade de “música descartável” (SOBRAL, 2017) e muitas das vezes sem conteúdo, Radke surge aqui como uma lufada de ar fresco ao conseguir despertar nos ouvintes um conjunto de emoções através de duas obras sublimes que se enquadram perfeitamente nos cânones da estética musical do metal sinfónico.


Rodrigo Baptista

Palavras-chave: "scene", "subcultura", "Metal sinfónico", "orquestração", "gótico".

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