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Metal Progressivo: virtuosismo, exibicionismo, ou o pináculo da musicalidade

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Fotografia de Tosin Abasi, por Jesse Grant

Considero-me um omnívoro musical. Acredito fortemente que um músico pop (termo vastíssimo em cuja alçada incluo todos os tipos de música não eruditos) deve conhecer, compreender e saber conviver, em termos práticos, com todos os géneros de música – da EDM ao heavy-metal, passando pelo rock e pelo hip-hop, entre todos os outros –, de modo a ser o mais “original” possível. Quero com isto dizer que, em pleno 2022, com uma quantidade inimaginável de música já feita e refeita, a única hipótese de originalidade que temos, parece-me, surge do modo como combinamos estilos, géneros e linguagens, de modo a criarmos algo realmente nosso (e, com sorte, único). Tendo dito isto, parece-me sensata a observação de que nenhum outro estilo ou género musical – com exceção talvez do jazz, da música erudita atonal e/ou contemporânea e do rock progressivo – permite e incentiva o nível de experimentação requerido para que tal aconteça como o metal progressivo.

Mas, então, que significa exatamente o termo “progressivo” no mundo da música? Trata-se de um termo com sentido muito lato, mas que regra geral se refere a um estilo musical que assenta em composições longas e com estruturas não-cíclicas (ou seja, que não seguem a forma Verso–Refrão–Verso–Refrão da pop tradicional) e em que geralmente se incentiva a experimentação em termos tímbricos, harmónicos, rítmicos e melódicos, e o virtuosismo técnico da parte dos instrumentistas.

Os Dream Theater foram – e são – a referência número um em toda e qualquer conversa sobre metal progressivo. E com razão, pois foram, no início dos anos 90, os primeiros a combinar o som, os riffs e a linguagem metaleira de uns Metallica, Iron Maiden e Queensrÿche com o carácter progressivo – em termos de arranjos, composições e estruturas, com excecional complexidade instrumental, rítmica e harmónica – de uns Yes, Rush, King Crimson e Pink Floyd. É ainda de notar as influências de jazz e fusão que se vêm na linguagem tão única desta banda: de Al Di Meola a Allan Holdsworth, as progressões harmónicas e o dialeto usado por John Petrucci nos seus solos de guitarra não seguem apenas as normas do heavy-metal clássico, chegando a entrar nos reinos obscuros da música erudita e do jazz. Tudo isto são critérios que justificam o termo “progressivo”, já para não falar das suas músicas de 20, ou até mesmo 40 minutos, ou das longas e brilhantes secções solísticas em que Petrucci e Rudess (teclista) parecem conversar um com o outro de maneira tão natural e eloquente quanto eu respiro. Recomendam-se os álbuns Images and Words (1992), Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory (1999), Train of Thought (2003) e Black Clouds and Silver Linings (2009).

Paralelamente aos Dream Theater que, em Boston, cozinhavam este novo panorama musical, os suecos Meshuggah seguiam uma direção absolutamente diferente, uma sonoridade inovadora. Poder-se-ia dizer, com algum grau de empatia, que, para o ouvido destreinado, a música dos Meshuggah – e de bandas que se seguiram na cena djent que eles criaram, como Animals as Leaders, Periphery, Tesseract, ou o trabalho a solo de um Jason Richardson – parece quase “aleatória”. Refiro-me especificamente à diversidade rítmica deste tipo de música, onde reina a polirritmia e os compassos compostos e/ou irregulares, onde a pulsação rítmica é instável ou, pelo menos, extremamente difícil de sentir, e onde muitas vezes as cordas (guitarras e baixo) tocam em uníssono com a bateria, especialmente com o pedal-duplo do bombo e com a tarola, produzindo um efeito sonoro semelhante à salva de uma metralhadora, e com a voz. Aqui, as influências não vêm do chamado metal “clássico” (Purple, Sabbath e a consequente invasão britânica metaleira – bandas como os Iron Maiden, por exemplo), mas do death metal, subgénero muito mais “agressivo” e extremo, muito popular e prolífico na Suécia – veja-se, na música dos Meshuggah, o uso tudo menos discreto de alta-distorção, de guitarras de 7, 8 e 9 cordas, e de uma voz gritada, gutural e não cantada, instrumento rítmico e não melódico. Para efeitos de boa disposição e um estilo de vida saudável, recomendamos Nothing (2002), I (2004 – uma EP com apenas uma música), obZen (2008) e The Violent Sleep of Reason (2016).

E são estas duas bandas, Dream Theater e Meshuggah, que, na minha opinião, formam a base sobre a qual tudo quanto é metal progressivo pôde e pode ver a luz do dia: combinando djent (os ritmos complexos e a agressividade musical do death metal) com o virtuosismo instrumental e as bases teóricas que se aproximam dos mundos do jazz e da música erudita, daqui surgem bandas como os já referidos Animals as Leaders, Periphery (esta é dada: o guitarrista Misha Mansoor diz que, no início, apenas tentava copiar Fredrik Thordendal, guitarrista dos Meshuggah), After the Burial, Tesseract, Contortionist, Polyphia, ERRA e artistas como Jason Richardson. De todos estes grupos e músicos merecedores da nossa atenção, focar-me-ei apenas em dois.

Animals as Leaders é, hoje em dia, a minha banda preferida. Ouvir álbuns como The Madness of Many (2016) tornou-se um ritual semanal para mim ao longo dos últimos dois meses. Trata-se de uma banda composta por dois guitarristas – Tosin Abasi e Javier Reyes, que tocam guitarras de 8 cordas (soa familiar?) – e um dos bateristas mais ocupados do mundo do metal, Matt Gartska. Para apenas três membros, o espaço sónico ocupado é surpreendente, tanto em termos do espectro de frequências (não sentimos falta de um baixista), como em termos do material musical apresentado (a música tem sempre conteúdo, e não há solo ou parte individual que não tenha apoio do resto da banda), pelo que não sentimos mesmo a falta de mais nada nem ninguém. Para mim, tal deve-se ao fabuloso leque tímbrico a que os dois guitarristas recorrem: desde um som limpíssimo e cristalino à alta-distorção, passando por uma leve e quente saturação que lhes é característica. A juntar a isso, eis que os dois magos da guitarra escondem nas mangas uma complexa paleta técnica que não está ao alcance dos “comuns mortais”: de palhetadas rápidas a notas ligadas e de dedilhados do flamenco ao slapping (como os baixistas funk de antigamente), não parece haver quem os pare. As melodias são cantáveis e a música pode perfeitamente – e deve! – ser apreciada por qualquer amante de música, algo que os distingue das bandas mencionadas acima. Quero com isto dizer que as influências de jazz, música erudita e um vibe tranquilo e, por vezes, etéreo, que nos transporta para outro lugar como só a música consegue, tornam a música dos Animals as Leaders passível de ser degustada por todes, até em jantares de família (se perguntarem, digam que é free jazz ou jazz experimental com fusão de elementos rock/metal – funciona sempre…). Para deleite pessoal e como alternativa aos livros de autoajuda, Animals as Leaders (2009), The Madness of Many (2016) e Parrhesia (2022, porventura o seu trabalho mais consistente).

Jason Richardson, guitarrista, é a prova viva de que qualquer músico moderno, na minha opinião, deve ter conhecimentos básicos de produção e engenharia de som. Em Richardson encontramos uma junção de vários fatores: um conhecimento interminável de técnicas de estúdio e de produção, uma “slave machine” carregada com mais de cem arquivos sonoros (ou seja, um segundo computador cuja função é apenas armazenar peças de software que nos oferecem qualquer som que possamos imaginar, se as soubermos usar e não nos perdermos na infinitude de possibilidades resultantes), muitos workshops e masterclasses com génios da música para cinema como Danny Elfman e Hans Zimmer (conhecidos por também brincarem muito com timbres e arquivos sonoros nos seus computadores e estúdios) e, claro, um virtuosismo e capacidades técnicas instrumentais para além daquilo que estamos habituados a ver e ouvir. Este é, talvez, o artista com maior grau de experimentação daqueles de que falei, e por isso mesmo é, possivelmente, a música mais “esquisita” e “aleatória” de todas estas bandas, o que, por sua vez, resulta numa questão que deduzi no seguimento de um “estudo de mercado” conduzido à hora de jantar, em minha casa: para o ouvido destreinado, a música de Richardson soa a algo muito impressionante, decerto, mas sem grande conteúdo ou valor per se, uma peça de exibicionismo sem valor enquanto obra de arte, “música para músicos”. Com esta perspetiva não consigo concordar, embora a perceba. Temas como “Hos Down”, “Tendinitis”, “Ishimura” ou ”p00mbachu” têm mais de seis minutos e, a uma primeira escuta, nenhuma das várias secções ou temas por que passam parecem ser recorrentes, se bem que estão interligados entre si. Para além disso, não parece haver um único segundo cantável, que nos fique na cabeça, uma melodia clara. Trata-se de uma questão de hábito, é certo, mas tal torna a música de Richardson impenetrável senão por um muito pequeno nicho – para o resto do mundo soa apenas a exibicionismo, música sem valor musical, algo “muito impressionante, sim, e então?”. Assim sendo, apelo a que o/a leitor(a) tome a sua própria decisão, ouvindo I (2015) ou os singles mencionados acima: em que lado da trincheira vos verei?

Guilherme Santos

Palavras-chave: “metal progressivo”; “virtuosismo”; “exibicionismo”; “técnica”; “experimentação”.



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