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Jason Richardson: entre jogos, filmes, orquestras e prog-metal instrumental

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Jason Richardson, de 31 anos, apresenta-se pura e simplesmente como um dos melhores, mais interessantes e mais tecnicamente proficientes guitarristas de heavy-metal de sempre. Criado ao som de Dream Theater e Children of Bodom – duas bandas fantásticas com guitarristas de excelência (respetivamente, John Petrucci e Alexi Laiho) –, percebeu, na pré-adolescência, que era a guitarra o rumo que queria seguir. Não só porque, segundo as suas próprias palavras, via o processo de aprender aquelas canções como um desafio para si mesmo, mas também porque percebeu que, tocando apenas bateria – instrumento predileto aquando da descoberta do álbum de charneira “Train of Thought” (2003), dos Dream Theater –, não conseguiria escrever canções.


Em 2009, com apenas 17 anos e tocando em bandas locais na Virgínia do Norte (um pouco a Sul de Washington D.C), candidatou-se para o lugar de guitarrista solo na banda All Shall Perish. Não esperando sequer obter uma resposta, recebeu uma em menos de 12h e, poucos meses depois de desistir do liceu, enquanto os seus colegas se graduavam, estava na Europa com os ASP a tocar em festivais. Pouco depois, com tempo livre entre tournées, substitui Tosin Abasi (hoje dos Animals as Leaders) nos Born of Osiris, com os quais grava “The Discovery” (2011), ainda hoje, a meu ver, o magnum opus do grupo. Quatro horas após ter sido expulso dos BOO – por se revoltar contra a mentalidade festiva que caracteriza o estereótipo do músico rock – ingressa nos Chelsea Grin, banda de metalcore com quem esteve 3 anos (2012-2015). Em 2015, decide abandonar este grupo, desta em bons termos, para se concentrar no seu projeto solo com o igualmente fenomenal baterista Luke Holland (“I”, 2016) e, em 2018, começa a tocar com os All That Remains, assumindo o papel de guitarrista solo previamente desempenhado por Oli Herbert, falecido em 2018. Em 2019, torna-se membro efetivo dos ATR, banda que integra até hoje, e em 2022 lança o seu segundo álbum solo com o mesmo baterista, “II” (2022).


Ouvindo-o tocar, vêm imediatamente à cabeça do ouvinte atento três influências claras. A primeira vem dos grandes shredders do Olimpo do metal progressivo e/ou instrumental, tais como os já referidos John Petrucci e Alexi Laiho, mas também Jeff Loomis, Yngwie Malmsteen, Jason Becker e Paul Gilbert, entre outros. Tal nota-se nas incríveis secções solísticas, pautadas pela proficiência técnica e pela rapidez, no fraseado e articulação de algumas notas (aspetos como o vibrato, o tipo de ataque ou as dinâmicas de uma melodia), mas também nos riffs: usando guitarras de 7 ou, por vezes, 8 cordas, os riffs de Jason Richardson são pesados, rápidos e cobrem, tipicamente, uma variedade de oitavas (explorando e dando uso, assim, à plenitude do braço da guitarra). Estes riffs são pensados de forma harmónica – o modo como as notas encaixam numa tonalidade e conduzem a música para a seguinte (ou para o acorde seguinte dentro dessa tonalidade) –, mas também melódica (se bem que não é dado tanto relevo a este aspeto – veja-se a quantidade de saltos intervalares que, geralmente, têm), e principalmente rítmica: as palhetadas são fortes e precisas, encaixando com o pedal-duplo e com a tarola da bateria de tal modo que não se pode afirmar que algum destes instrumentos seja verdadeiramente “solista”. Para além disso, o uso de polirritmias e/ou a constante alteração de compasso – para além de que muitos dos riffs são tocados com a palma da mão encostada às cordas (o que “abafa” as notas e as torna ainda mais percussivas) – serve ainda para salientar o carácter rítmico desta música.


As outras influências presentes na música solo de Jason Richardson podem ser reunidas numa só, por terem várias características em comum: o seu amor por bandas-sonoras de filmes e videojogos. Estas composições têm em comum as grandes e épicas orquestrações com grande riqueza e variedade tímbrica, o uso regular de leitmotivs (pequenas melodias ou “temas” recorrentes ao longo do filme/jogo associados a uma personagem, situação ou estado de espírito) e um grande ênfase no processo de pós-produção, edição, mistura e masterização. Desde Hans Zimmer (vejam-se as influências do “Rei Leão” ouvidas em “p00mbachu” ou a colaboração com Tina Guo, "violoncelista residente", em “Sparrow”, entre muitos outros exemplos) a Koji Kondo (génio criativo por detrás de inúmeras bandas sonoras de jogos da Nintendo, entre as quais saliento a franchise “Legend of Zelda”), as faixas de Jason Richardson estão pensadas e produzidas de modo a que a orquestração virtual trabalhe lado-a-lado com a guitarra e a bateria. Assim, ouvir “I” ou “II” do início ao fim – principalmente “II”, devido ao ênfase dado a este aspeto, com secções puramente orquestrais mais regulares e até faixas unicamente orquestrais – assemelha-se, de certo modo, à experiência imersiva que é ver um filme ou jogar um RPG de “mundo-aberto”. Ao longo de “II”, há inúmeros pequenos detalhes “escondidos” na orquestração e/ou produção, pistas que, inconscientemente, nos preparam para o que aí vem numa secção seguinte ou que simplesmente contribuem para a riqueza tímbrica do álbum. O músico moderno, a meu ver, tem de conhecer – se não mesmo dominar – técnicas de produção, ferramentas musicais digitais como “DAWs” (Digital Audio Workstations) ou “sample libraries” (coleções de sons controláveis por MIDI), e isto não cai fora da zona de conforto de Richardson. Como se tocar guitarra daquela maneira não bastasse…


Entre grandes orquestrações (como a introdução e o primeiro interlúdio de “p00mbachu” ou a introdução de “Tendinitis”), há alguns momentos que vale a pena salientar, por passarem relativamente despercebidos, como por exemplo: “Hos Down” (de “I”) passa por diversas secções diferentes, incluindo um breakdown típico do metalcore, uma secção de smooth jazz e uma de country/bluegrass; a faixa “Tendinitis” (de “II”), durante muito tempo a principal responsável pelo sucesso e renome de Richardson, começa com um riff tão rápido que, enquanto guitarrista, só de ouvir fico com indícios de tendinite; “Polyrhytmic Pug” (“de II”) foi escrito em redor do cão de Richardson, que “bebia água em 7/8” (língua-língua-língua-gole-língua-língua-gole), som que se ouve, meio escondido, por detrás do solo melódico durante o interlúdio; “Ishimura” (de “II”) foi baseado na banda sonora do jogo “Ghost of Tshushimi”; “XIV 2.0” (de “II”) começa com o som de uma caixa de música – Richardson visitou várias lojas de penhores e antiguidades à procura de uma caixa de música estragada que soasse “creepy” e depois “samplou-a”; “Retrograde” (de “I”) conta com a voz de Spencer Sotelo (dos Periphery) e foi a faixa que, quando apresentada na sua versão mais simples, foi rejeitada pelos membros dos Chelsea Grin por ser “demasiado complicada”, levando a que Richardson saísse da banda; “Sparrow” (de “II”) tem um breakdown tão pesado e centrado numa nota tão grave que nem existe no registo de uma guitarra comum; e, por fim, “p00mbachu” (de “II”) ganhou esse nome por ter secções inspiradas no “Rei Leão” (Pumba) e outras na franchise “Pokémon” (Pikachu).


“II” acaba por ser mais acessível do que “I”, por ter menos ênfase na guitarra e uma produção e trabalho orquestral mais refinados, mas não deixam de ser dois álbuns que vale bem a pena descobrir. Para quem gosta dos clássicos álbuns centrados na guitarra elétrica (como ouvimos com John Petrucci, Steve Vai ou Joe Satriani, por exemplo), estes dois de Richardson apresentam-se como uma lufada de ar fresco, por combinarem características de heavy-metal mais pesado (como metalcore) com as referidas técnicas de produção e orquestração. Nesse sentido, ganha pela sua riqueza tímbrica e parece entreter excecionalmente o ouvinte que não esteja à espera do tradicional modelo de “canção”. Tendo dito isto, resta apenas saber o que nos trará Jason Richardson de seguida. Mas uma coisa é certa: enquanto guitarrista e absoluto fã, continuarei a comprar as suas partituras e a (tentar) aprender as suas músicas. Pode ser que um dia…




Guilherme Santos



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