A cena metal tuga em 2023: alguns destaques pessoais…
Gostaria de começar o presente artigo com uma simples observação que será, para alguns, demasiado óbvia e, para outros, demasiado surpreendente, ou até mesmo, hiperbolizando um pouco, controversa: há mais bandas de metal ativas hoje em Portugal para além dos Moonspell. Sim, eu sei, que loucura, até custa a acreditar. Mas calma, ouçam o que tenho para dizer…
Os meus amigos conhecem-me como um fã incondicional e eclético do género, o que é, em grande parte, verdade. Contudo, abro frequentemente uma ressalva para o black metal. Ao contrário do prog, do trash, do death e do nu metal, o black metal, salvo raras exceções, nunca me disse grande coisa. Tudo isto mudou com os Gaerea. Formados no Porto em 2016, os Gaerea andam hoje pelo mundo em tournée de promoção do seu último álbum, “Mirage” (2022, ed. Season of Mist). De modo geral, a sua música desafia, e de que maneira, os estereótipos e paradigmas do black metal “tradicional”, misturando elementos canónicos do género como as atmosferas criadas por secções “limpas” (dedilhados nas guitarras, pouca ou nenhuma bateria) e a voz gutural gritada em registo médio-agudo com secções solísticas, ritmos galopados e blast-beats (a assinatura de tudo quanto é extreme metal). O resultado sonoro é uma música pesada, como o black metal sempre foi e sempre será, mas com uma outra particularidade que a destaca: o som de produção (nomeadamente no já referido “Mirage”) é amplo e gigantesco, como só ouvi, dentro do género, com Behemoth e, alargando um pouco o foco, com Rivers of Nihil (cuja maior similaridade com os Gaerea, para além deste aspeto, estará talvez nas letras, que frequentemente se debruçam sobre temas melancólicos, depressivos, autodestrutivos, misantrópicos e/ou niilistas). Nas redes sociais, os Gaerea autointitulam-se “The Vortex Society”, o que contribui para a sua forte presença mediática e, em conjunto com as máscaras que usam (lenços sobre a cabeça – ‘Sleep Token much?’), imagética impactante e inesquecível. Cada dia que passa, os Gaerea cimentam um pouco mais o seu merecido lugar na cena do extreme metal internacional, mas, no meio das tournées europeias e americanas (avizinha-se uma com os Behemoth e os Vended), ainda arranjam um tempinho, de vez em quando, para ir tocar ao RCA, ao LAV (31 de março) e ao Hard Club (1 de abril), na sua terra-natal.
Outra banda que está a dar muito que falar, nacional e internacionalmente, são os Downfall of Mankind. Estes lisboetas do deathcore sinfónico estão, lenta mas certamente, a tornar-se uma presença obrigatória nos festivais internacionais e, como a etiqueta do género indica, a sua música caracteriza-se por uma mistura de elementos sinfónicos (orquestrações, num sentido mais estrito, e uma wall of sound de sintetizadores e coros em harmonia, num sentido mais lato) com as marcas habituais do death metal, combinando ainda um elemento melódico em certas secções (sendo que a voz é maioritariamente um gutural grave a la Will Ramos [Lorna Shore]). Tendo lançado o seu primeiro longa-duração em abril de 2022, o álbum “Vile Birth” (ed. Lacerated Enemy), de seguida vieram uma série de concertos de promoção. Mais recentemente, os membros dos Downfall publicaram uma fotografia nas suas redes sociais com os senhores dos Trivium no backstage da Altice Arena antes do concerto de 4 de fevereiro (que juntou os Trivium com os Heaven Shall Burn) e, poucos dias depois, anunciaram que Matt Heafy – vocalista e guitarra-ritmo do quarteto norte-americano – passaria a assumir o papel de manager e produtor da banda. Tal abrir-lhes-á muitas portas, certamente, e é possível que, num futuro próximo, vejamos os Downfall em tournée, a abrir para os Trivium. Mas isto só o tempo o dirá…
Os Scarmind, quarteto lisboeta de groove metal melódico, são outro grupo que me apanhou de surpresa, em especial com o seu EP “Resilience” (2021, ed. independente). Aqui, a vibe é menos pesada, os grooves são mais marcados e dão-se mais ao headbang. As leads são, muitas vezes, tocadas em harmonia por Márcio (vocalista, guitarrista) e Rafa (guitarrista), a la Avenged Sevenfold, e os riffs são, de facto, vigorosos e poderosos. Sente-se, ao ouvir “Resilience”, que há aqui uma grande vontade de criar algo único, de sair da caixa, e de, de algum modo, expelir (na direção do público, certamente) toda aquela energia e adrenalina que se acumula dentro de nós como veneno. Isto é algo que os Scarmind fazem com mestria, e os seus concertos demonstram isso mesmo: a energia da música é contagiante e estimulante (aquela combinação extremamente eficaz de um baixo bem marcado, duas guitarras down-tuned em uníssono a galopar em palm-mute e uma bateria potente a usar e abusar da tarola, do china e do ubíquo pedal-duplo) e, quase por oposição, as letras são introspetivas e refletem a visão da banda sobre a sociedade e o funcionamento social e emocional do mundo atual. Com uma nova e forte formação (Márcio Belezas, Pedro Rijo, Rafael Oliveira, Adriano Câmara) e um novo álbum (o primeiro longa-duração, porventura) a caminho, vêm aí novas datas nacionais (24 março: Cine Incrível, em Almada; 25 março: Side B Rocks, em Alenquer) e, quem sabe, num futuro próximo, internacionais.
Os Allamedah formaram-se em 2015, em Torres Vedras, com David Bitton na voz e guitarra e João Faria na bateria. Hoje, o seu vídeo com mais visualizações, no YouTube, trata-se do videoclipe do single “Algema” (2018), que conta já com 113 mil visualizações, notório pela participação da cantora Valéria Carvalho e do guitarrista João Luzio, ambos do mundo do fado. A sua música – já desde o EP “Rio” (2016, ed. Luminol Records) – combina elementos tanto do prog como do groove metal e o seu mais recente lançamento, o single “Tr◭ma” (2022), vai ainda buscar elementos melódicos e técnicas de produção modernas utilizadas no nu metal e no metalcore. É, portanto, uma banda versátil e eclética, que tira inspiração de tudo um pouco – o marco de um artista (ou grupo) verdadeiramente original, que não tem medo de combinações improváveis (como juntar metal com fado – quem diria que funcionaria tão bem?). Num futuro próximo, podemos esperar dos Allamedah um novo single com colaboração de um guitarrista estrangeiro (mas quem? – fica o bichinho…), a passagem para uma (mais notória) label internacional, a continuação do trabalho com Daniel Cardoso, baterista dos Anathema que tem produzido os últimos singles dos Allamedah, assim como um conjunto de datas nacionais: Figueira da Foz (DRAC – 22 de abril), Braga (Mavy Bar – 19 de maio) e Vila Nova de Famalicão (Casa do Artista Amador – 20 de Maio).
Por último, não queria deixar de falar nos Okkultist. Porta-estandartes do death metal português, a sua formação peculiar – com uma vocalista, Beatriz Mariano, a la Evanescence – tornou-os a banda perfeita para abrir para os Jinjer no LAV a 29 de junho do ano passado. Formados em Lisboa em 2016, os Okkultist estão assinados pela Alma Mater Records (a label dos Moonspell), pela qual já lançaram dois longas-duração (“Reinventing Evil” [2019] e “O.M.E.N” [2023]). Este último lançamento acaba por ser, a meu ver, o auge artístico da banda, e terá direito a um concerto de lançamento no RCA a 13 de maio. Aqui, Mariano aparece tão ou mais poderosa e colossal como sempre – assustadora, até, diria – e a banda que a acompanha não fica atrás, em particular João Corceiro, que se está a tornar um dos guitarristas de sessão mais prolíficos e requisitados do mundo do metal português. “O.M.E.N” é um álbum potente e o magnum opus do grupo, mas o mais espantoso é o modo como o lançamento anterior não fica aquém. Veja-se, por exemplo, o single “Sign of the Reaper” (2019), cujo videoclipe conta já com mais de 210 mil visualizações no YouTube: tudo aqui grita Children of Bodom (não será por acaso que lançaram, no início deste ano, “Sixpounder”, um tributo a Alexi Laiho, icónico vocalista e guitarrista da banda de death metal melódico finlandesa), mas a originalidade e o som único que caracterizam os Okkultist – cortesia principalmente (mas não só) dos guturais médio-agudos de Beatriz Mariano – permanecem e continuam mais sólidos que nunca. A sua imagem e o modo como se apresentam (desde os posts e fotografias nas redes sociais até toda a imagética dos videoclipes, passando pela sua presença em palco) é incrivelmente bem pensada e construída, para além de extremamente eficaz, não sendo por acaso que no seu Instagram, por debaixo do nome, “Okkultist”, consta “Igreja” e não o aborrecido, suponho, e comum “Artista de música/banda”.
Foi tão difícil como inglório destacar apenas cinco bandas do panorama do metal nacional – pois há tantas e de tão grande qualidade! –, mas aqui estão. Tentei também mostrar variedade em relação aos subgéneros em que estes grupos se inserem. Não sei se fui bem sucedido ou não, mas uma coisa é certa: todas estas bandas e os seus respetivos trabalhos merecem um pouco (mais) de atenção, pois em breve vão – espero e acredito eu – explodir. E nessa altura não digam que não vos avisei.
Guilherme Santos