You Can’t Win, Charlie Brown em entrevista: “A nossa identidade manteve-se, independentemente da língua com a qual estamos a fazer música”
© Vera Marmelo
Depois do sucesso de Marrow em 2016, os You Can’t Win, Charlie Brown – banda formada por Afonso Cabral (voz, guitarra, teclado e baixo), David Santos (voz, teclado e percussão), João Gil (voz, teclado, guitarra e baixo), Pedro Branco (voz, guitarra e baixo), Salvador Menezes (voz, baixo e guitarra acústica) e Tomás Sousa (voz e bateria) – marcam o início de um novo capítulo com o lançamento de Âmbar e surpreendem os seus fãs. No dia 8 de maio, o álbum ficou disponível em todas as plataformas streaming e ouvimos, pela primeira vez, a banda a cantar em português desde o início da sua carreira em 2011. Composto ao longo dos últimos cinco anos e meio, Âmbar foi gravado e misturado por Moritz Kerschbaumer no estúdio 15A, casa da editora Pataca Discos, de João Paulo Feliciano, onde a banda lisboeta gravou e editou os seus primeiros trabalhos, Chromatic e Diffraction / Reffraction, e foi masterizado por Miguel Pinheiro Marques no Arda Recorders.
No passado dia 1 de junho, voltei a ser uma criança e tive a oportunidade de conhecer e conversar com os YCWCB no estúdio HAUS, em Santa Apolónia, junto ao rio Tejo, onde a banda ensaia. Na pequena sala onde a magia acontece e o ânimo reina, a banda preparava e montava o material para o ensaio da noite. Sentei-me no meio, rodeada de microfones e com pedaleiras aos pés, e falámos sobre Âmbar, a entrada de Pedro Branco na banda, a importância da língua na música e na identidade musical de uma banda, recordámos o passado e, mais importante ainda, pensou-se o futuro.
O nome do vosso primeiro álbum, Chromatic, leva-nos a pensar em “cromático”, isto é, algo que decompõe e dispersa as cores ou que dá a sensação de cor. Três anos mais tarde, lançam Diffraction/Refraction, onde evocam fenómenos relacionados com a cor; em 2016, lançam Marrow, onde também podemos pensar na cor esbranquiçada do osso, do tutano. Em Âmbar, acontece o mesmo: podemos pensar no âmbar como uma resina, mas também podemos pensar em âmbar como cor dourada. Esta relação com a cor e com a luz é propositada ou acontece de forma natural?
Fotografia: perfil do Facebook da banda
Afonso Cabral (Afonso): Acho que foi a primeira vez que reparámos nessa relação toda.
Salvador Menezes (Salvador): Acho que o Marrow é um bocado mais fora nesse sentido, o resto de facto é bastante colorido, tem a ver com cores e com tons. Foi até uma das questões de chamarmos “âmbar”ao Âmbar, é que nos remetia para uma imagem. É uma palavra forte que nos remete para uma cor, isso foi propositado. No Chromatic, a mesma coisa. A ligação acho que não foi propositada. Tentamos sempre dar o nome do disco que tenha a ver com aquilo que as músicas nos estejam a transmitir.
Afonso: Há aquela coisa da sinestesia, o pessoal que ouve cores. Se calhar ouvimos isso e nunca reparamos, e as músicas levam-nos para uma mistura.
David Santos (David): A “Songworm” é castanha… (risos)
Salvador: Não houve uma ligação propositada, mas no fundo o nosso imaginário remete-nos sempre para uma imagem e uma cor é uma imagem.
O vosso novo álbum, o Âmbar, foi lançado 5 anos depois desde Marrow, álbum que chegou ao número 1 de vendas. O que mudou, entretanto, na vossa vida?
Pedro Branco (Pedro): Foram pais…!
Afonso: Mudou muito: o mundo é um sítio completamente diferente e as nossas vidas também, isso depois reflete-se na nossa música e na forma como nos relacionamos com a música no geral, nos vários projetos e com a banda. Houve mudanças da própria formação da banda, nem sei quantos filhos nasceram dentro da banda, o que mexe muito na família e na própria organização.
Quem foi pai?
Pedro: Todos, menos eu e o David.
Salvador: Também houve projetos a solo que apareceram, a pandemia que apareceu…
Afonso: Sim, se há anos em que aconteceu muita coisa, foi durante este tempo.
Como é que a entrada do Pedro Branco na banda afetou a dinâmica do vosso processo criativo?
Afonso: A entrada do Pedro foi numa altura bastante providencial…
Salvador: Ele entrou no fim de 2019, antes de começar a pandemia.
Afonso: Foi bom para nos dar um pontapé no rabo para acelerarmos as coisas porque estávamos um bocado naquela coisa de casal velho, a engonhar um bocadinho.
Salvador: O Pedro chegou cheio de vitalidade. (risos)
Tomás Sousa (Tomás): Mas a verdade é que se meteu a pandemia e estávamos todos enfiados em casa, a maior parte de nós com os filhos e é muito difícil estar a ser criativo, ou estar a fazer música, ou a trabalhar e sentires-te produtivo, enfiado numa casa com mil coisas a acontecer. O Pedro é mais novo que nós, não está nessa fase da vida: de repente, está em casa “sem nada para fazer” e faz uma série de música e ideias que depois acabaram por dar músicas.
Tomás: Deu-nos um alento novo.
A questão da língua é incontornável, considerando que é o vosso primeiro álbum cantado em português desde o início da vossa carreira em 2011. O Salvador Sobral, em concerto, uma vez disse que a língua de determinada canção, na verdade, não interessava nada. Qual é a importância da língua para vocês?
Salvador: Eu acho que ele tem razão. Nós mudamos – quer dizer, não mudamos, isto não é uma coisa definitiva, não sabemos o dia de amanhã – neste disco [Âmbar] para português mais por primeiro impulso do Afonso, que não estava a conseguir escrever em inglês, e é ele quem escreve a maior parte das letras. Estava-lhe a soar estranho e parecia forçado. Ele disse-nos que não estava a conseguir em inglês e isso fez-nos pensar que se calhar teríamos de escrever em português, e isso foi natural. Não houve nenhum debate interno, mas chegámos à conclusão que faz sentido. O Salvador Sobral acaba por resumir isso. Se perderíamos ou não perderíamos identidade? Ficou provado que não, a nossa identidade manteve-se, independentemente da língua com a qual estamos a fazer música.
You Can’t Win, Charlie Brown no teledisco da música “Celeste”
A transição dos YCWCB da língua inglesa para a língua portuguesa foi bastante natural, como revelou Afonso Cabral. O jovem músico já estava acostumado a escrever em português para projetos onde não era ele a cantar e, mais tarde, fez um disco em português a solo intitulado Morada, lançado no verão de 2019. Quando estava a trabalhar com os Charlies – como os apelidou Afonso –, no já habitual registo em inglês, confessou que não lhe estava a soar bem: “Parecia falso”, revelou o vocalista. “Quando estás num palco, principalmente quando estás a cantar em português em Portugal, estás a contar uma história às pessoas e elas estão a ouvir o que tu estás a dizer e quando é em inglês… Aquilo passa um bocadinho mais ao lado” acrescentou, sublinhando a importância da língua portuguesa para o diálogo com o público, que segue a narrativa da poesia lírica mais atentamente se for na sua própria língua. O maior desafio foi “adaptar a língua portuguesa à música dos You Can’t Win, Charlie Brown, porque nós temos um som que já é nosso e não sabemos exatamente de onde vem nem como acontece, mas a verdade é que acontece e nem todas as palavras encaixam em toda a música. Foi preciso descobrir a melhor forma para encaixar as duas coisas”, contou Afonso.
A música dos YCWCB foi, desde o início, com Chromatic, marcada pela sua dinâmica, pelo ritmo energético e pela cor dentro do estilo de indie folk, algo que nunca se perdeu e, aliás, se tem vindo a destacar. As músicas do sexteto são como um bouquet de flores: há várias flores e variam na sua espécie, cor e forma, mas juntas formam um conjunto harmonioso e frutífero. A dimensão numerosa da banda, no caso dos YCWCB, joga a seu favor porque o trabalho de equipa é levado a sério: são todos multifacetados dentro e fora da banda, nos seus projetos paralelos (David estreou-se como Noiservem 2008, três anos antes de se juntar a YCWCB, e Pedro Branco, em 2016, lançou o seu primeiro álbum de estúdio com o músico João Hasselberg) e extremamente coordenados.
As harmonias, quando há mais que uma voz a acompanhar Afonso, fazem lembrar o rigor dos The Beatles e a adição do teclado, da guitarra acústica e do habitual acompanhamento de várias guitarras elétricas culmina numa música completa e, regra geral, vibrante.
Todas as canções são/poderiam ser nomes próprios femininos. Foi a primeira vez que pensaram num álbum através de um conceito?
Salvador: Em termos de letras, sim, foi a primeira vez. Ter nomes de mulheres, neste caso, mas que não só nomes de mulheres, são nomes com duplos significados, aliás, também podemos ver isto ao contrário, são nomes com um significado que por acaso também são nomes de mulheres, acabou por ser um mote para uma escrita de letras, para desbloquear. Como o Afonso costuma dizer, numa altura da pandemia em que só se ouve o número de casos, as vacinas, sempre havia um assunto e uma maneira de pensar que saía um bocadinho desse registo. Mas, por exemplo, nós temos sempre nomes provisórios de demos e havia uma música que era a “Fantasminha” que o Tomás até se lembrou que poderia ser a “Alma”, o que acaba por fazer sentido porque um fantasma é uma alma. Em certos casos, acabou por fazer sentido até em músicas que já tinham letra, e noutros foi a procura a partir de nomes ou de palavras que pudessem fazer sentido para encaixar nesse conceito. Foi a primeira vez que fizemos isso.
A “Amparo” é muito comovente e toca na questão da maternidade: “Ser mãe / É ser abrigo”. É uma espécie de dedicatória à mulher por detrás da mãe?
Afonso: Sim. Neste caso muito específico, sim. (risos) À minha mulher.
Na “Magnólia” cantam: “Também já estive aí / Silêncio sempre a devorar”. De que espaço falas?
Afonso: É um espaço mental mais que um espaço físico. É uma letra muito simples, muito repetitiva. Não é um exemplo de poesia espetacular, mas a mensagem é simples: tentar falar com alguém que está num sítio mau e explicar que também já esteve desse lado e pode desabafar.
Há um escritor irlandês chamado George Moore que uma vez disse: “A winner is just a loser who tried one more time.” Na música “Perpétua”, cantam: “Volto atrás / Recomeçar”. O que tinhas em mente quando a escreveste?
Afonso: Isso foi um dos casos em que a letra nasceu desse tal exercício de criatividade de termos uma lista de nomes com duplo significado, e um deles era “perpétua” e isso lembrou-me as marés e o recomeço, acaba e recomeça…. Recomeçar nem sempre é mau, olhamos muitas vezes para as derrotas como uma coisa tipo, perdi, acabou-se… Mas não, também é uma oportunidade de recomeçar e fazer melhor.
Na vossa última canção, “Luz”, podemos ouvir o verso: “A luz nunca apaga”. Noto um grande otimismo. Estou correta?
Afonso: Sim. Essa música também é muito específica e muito pessoal para mim, mas se calhar é mais sobre perseverança do que otimismo.
Isto remonta para o nome da vossa banda: You Can’t Win, Charlie Brown. Entretanto, passou-se uma década: o nome é algo com o qual ainda se identificam?
Salvador: Sim, eu identifico-me bastante. (risos)
David: Eu acho que o nome de uma banda acaba por ter uma dimensão muito maior do que a própria palavra, uma pessoa já nem relaciona bem com o que o título diz ou não, aquilo já simboliza a energia durante aquele tempo todo ou a relação entre aquelas outras pessoas. Mesmo que o nome fosse uma história específica, acho que o nome se torna muito maior do que isso. Enquanto fôssemos nós a fazer, está escrito naquele nome. Não pelo que o nome diz, mas pela conjugação de palavras.
Afonso: Se eu pensar no nome da banda, para ser honesto, estou completamente farto. Mas qualquer nome de banda que tivesse, eu ia estar completamente farto.
David: Já não é o que o diz o título, é o título em si só, ou o nome.
Salvador: No meu caso nem é estar farto: é o que é. Não penso nisso.
João: Eu, na verdade, não me identifico com o nome da banda. Identifico-me com as iniciais. (risos) Até já tinha sugerido isto numa conversa, algures, em mudarmos mesmo o nome para as iniciais.
Pedro: Nós é que fazemos o nome aquilo que é.
Tomás: A não ser que apareça o senhor Charles Schulz e diga: “Não, senhora, não podem usar mais o nome!”. Ainda não aconteceu. (risos)
No vosso Soundcloud é possível encontrar algumas pérolas, como covers vossas do primeiro álbum de The Velvet Underground com a Nico e em 2012, inclusive, fizeram um concerto no Lux onde tocaram o álbum na íntegra. A pergunta talvez venha com 10 anos de atraso, mas porque decidiram homenagear o aniversário desse disco e não de outro?
Tomás: Foi-nos proposto pelo Pedro Ramos, um dos antigos locutores da Radar, para uma festa.
Afonso: Era uma festa mensal no Lux chamada “Black Ballon” em que, regularmente, tinha concertos e, volta que não volta, tinha bandas portuguesas a fazer versões na íntegra de discos conhecidos: os Julie & The Carjackers fizeram o Revolver, o Moullinex fez uma versão da banda sonora do “Star Wars”, os Capitão Fausto tocaram um disco dos Pink Floyd, Minta [Minta & The Brook Trout] fez Pet Sounds e nós fizemos o disco da banana dos Velvet. Na verdade, poderíamos ter escolhido qualquer disco, mas ia ser muito complicado entre nós chegar a um consenso. Pareceu-nos uma boa ideia.
Tomás: A verdade é que foi um desafio muita giro e acabámos por tocar ainda algumas músicas nalguns concertos depois disso. Fizeram parte do nosso alinhamento durante ainda algum tempo porque, na verdade, acho que fizemos um bom trabalho. (risos)
Afonso: Ainda fizemos esse concerto uma segunda vez, em Guimarães. Era um Primavera Clubbing, que só teve uma edição, era uma espécie de [Festival] Mexefest versão Primavera. Foi a abrir para o concerto de Sharon Van Etten.
Em relação aos vossos telediscos, gostava de saber se nascem a partir de um conceito ou de uma imagem. Pergunto-te, Salvador, como foi para ti realizar o teledisco para a “Magnólia”?
You Can’t Win, Charlie Brown no teledisco da música “Magnólia”
Salvador: Foi muito stressante porque tínhamos muito pouco tempo para lançar o vídeo. Nós não íamos fazer nada, mas como lançar um single sem vídeo perde um bocado a parte promocional, achámos que podia ter um vídeo. Fomos tendo conversas e percebendo o que poderíamos fazer, era suposto ser um vídeo com letra, começou por aí, mas depois lembrámo-nos, como a música é muito dinâmica… Nós sempre quisemos que a “Magnólia” fosse mais mexida, mas não saberíamos como poderíamos fazer sem gastar balúrdios, porque o vídeo tinha que ter andamento porque a música tem andamento. Depois apercebemo-nos, como tem tantas vozes a aparecer, a sair e a entrar, podia fazer sentido fazer um lyric video com as vozes a entrar e a sair… Por isso o conceito veio um bocado daí, de puxar pela cabeça e perceber o que pode ser fácil e barato, e que seja feito em pouco tempo.
João: O Salvador Menezes é o único que seria capaz de fazer isso em tempo recorde e fez um grande trabalho, ainda por cima estava engripado e estava com um grande febrão e realizou aquilo tudo e aguentou-se ali…
Salvador: O Tomás fez também o vídeo da “Above the Wall”, o “Be My World ” e editou o “Celeste”… E também já tínhamos feito o vídeo da “Frida” [“Frida (Le Blonde)”], que é mais low-budget.
Tomás: Há mais tempo comecei a trabalhar em vídeo numa agência de publicidade – felizmente, já não é o meu trabalho – e estava super confortável com a cena de fazer vídeos, e na altura que tínhamos de fazer vídeos para essas em particular que fiz também estava com mais espaço para isso.
Onde podemos ver-vos no futuro e quais os próximos planos?
Salvador: Amanhã [2 de junho], vamos ao Porto. Dia 4 [de junho], vamos ao CCB [Centro Cultural de Belém]. Depois Coimbra, 2 de dezembro. Vamos ao Paredes de Coura, dia 16 de agosto.
Afonso: E temos mais um par de datas para confirmar e anunciar.
Salvador: O futuro é dar cada vez mais concertos e tocar o disco. O futuro a seguir a isso é o mesmo: é repetir enquanto acharmos que faz sentido.
No fim da entrevista, já tudo estava pronto para começarem o ensaio. Deixei-me ficar para assistir e a pequena sala cresceu quando os YCWCB se uniram e começaram a tocar. Seguiram o alinhamento para o concerto no Hard Club, no Porto, no dia seguinte e, divertidos, tocaram, como seria expectável, várias canções do Âmbar (“Amparo”, “Magnólia”, “Prudência”, “Perpétua”, “Clemência”, “Íris” e “Celeste”), bem como canções imperdíveis do Chromatic,como “Until December” e “I’ve Been Lost” e hits sensação como “Above The Wall” e “Pro Procastinator”, de Marrow. A química entre a banda é notória em palco, mas vê-los no ensaio foi uma experiência íntima e aconchegante, cedida pelos seis talentosos músicos. Resta esperar que continue a fazer sentido para os YCWCB tocar por muito, muito mais tempo.
Catarina Fernandes