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To Mosh Or Not To Mosh: Uma análise performativa e histórica de uma dança marginalizada

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Foto: Concerto de Ratos de Porão na Incrível Almadense em 1994 (Créditos: Cameraman Metálico)


Violento, selvagem e até mesmo anárquico são algumas das palavras habitualmente utilizadas, por “forasteiros subculturais”, para descrever a dança conhecida como moshing– uma prática que por preconceito ou outra razão qualquer é ainda marginalizada por todos aqueles que não se reveem como membros das subculturas onde esta dança se encontra profundamente enraizada, como é o caso do punk, hardcore e heavy metal. Para estes forasteiros, o mosh pit, espaço à frente do palco onde se pratica esta dança, apresenta-se como um local onde “vale tudo” e onde qualquer um pode exercer um certo nível de violência sem que exista qualquer tipo de punição. Contudo, esses preconceitos não poderiam estar mais errados, isto porque o moshing não só se apresenta como uma prática dançável que prima pela camaradagem entre os seus praticantes, como também dispõe de todo um conjunto de regras não escritas que permitem reger o bom funcionamento do mosh pit. Desta forma, este artigo tem como objetivo desmistificar todas as implicâncias associadas ao moshing, e apresentar a todos os leigos neste assunto um contexto performativo e histórico desta dança tão peculiar.


Segundo Ambrose (2001, p. 2-3) “O Moshing é uma combinação de três fatores principais: Crowd surfing (acontece quando um elemento do público é levantado sobre os restantes e é levado em braços até às grades), stage diving (quando um músico ou elemento do público se atira do palco para a plateia) e a dança slam (nome atribuído ao moshing antes do termo ter sido inventado nos anos 80) dos primeiros punks, mas levada a um novo nível de violência. (…) Às vezes também se formam circle pits (…) uma dança que envolve um elevado número de pessoas a correr no mesmo sentido de forma circular.”


A wall of death também acontece como uma manifestação da intercomunicação entre público e banda, e consiste na divisão do público em duas metades deixando um espaço no meio, ao sinal do vocalista as duas metades começam a correr em direção à outra e colidem. Fazendo uma analogia, pensem num campo de batalha medieval com dois exércitos, um de cada lado, que ao sinal partem para o combate, pronto isto é “essencialmente” o que acontece numa wall of death, mas sem a componente bélica. Um dos aspetos mais interessante desta prática é que quanto maior for o moshing ou o circle pit, ou seja, quantas mais pessoas estiverem envolvidas, maior será também a entrega da banda, resultando assim numa relação simbiótica entre as duas partes.


Como referi anteriormente, esta é uma prática que se apresenta como uma dança violenta, e lesões involuntárias podem acontecer. No entanto, não se apresenta como uma dança desordenada, pois existe todo um “manual” de regras não redigidas que administram o bom funcionamento do mosh pit - a chamada Pit Etiquette - que foi criada para que todos os que participantes possam se divertir de forma segura e respeitosa.

Desta forma deixo aqui as principais regras que se encontram presentes neste manual:


- Se vais para o mosh pit não deves usar vestuário e acessórios com picos, evita também usar os cotovelos quando estás a empurrar ou a embater em alguém;  


- Se alguém cair à tua frente deves imediatamente ajudá-lo/a a levantar-se;


- Se alguém perder um sapato, telemóvel ou qualquer outro objeto deves levantá-lo acima da tua cabeça de forma a devolvê-lo ao seu proprietário;


- Não deves obrigar ninguém a entrar no mosh pit pois essa decisão deve ser espontânea e pessoal;


- Quando as mulheres participam no moshing estas devem ser tratadas de forma congénere, mas sempre de maneira respeitosa;


- O mosh pit não é um espaço para se praticar karaté (colegas metaleiros e companheiros de moshing entenderão facilmente esta referência ao chamado crowd killing), ou seja todos aqueles movimentos de rodopiar os braços no ar de forma agressiva ou os tradicionais rotativos devem-se cingir ao dojo, aliás, por norma, todos os  praticantes que executam estes movimentos são imediatamente afastados e barrados por todos aqueles que estão ali com o intuito de se divertirem e não de aleijar alguém de propósito. Claro que existem lesões involuntárias, como referi acima, mas isso faz parte da natureza desta dança. Existe um lema que diz “se não te queres aleijar, não vás para o pit”, mas é precisamente essa incerteza que desperta o entusiamo e a adrenalina nos participantes, ao fim e ao cabo o desfrutar do momento e o sentimento de pertença acaba por ser maior do que o receio de sair aleijado do mosh pit.     




Já falámos um pouco acerca do contexto performativo do moshing, mas ainda não abordámos o seu contexto histórico. Onde e quando é que surgiu ? Quem foram os pioneiros? E quem cunhou o termo?


De acordo com Ambrose (2001, p. 27) a primeira pessoa a praticar um dos movimentos que se encontra conectado com o moshing foi Iggy Pop. Estávamos em 1969, e a banda proto-punk The Stooges, liderdada pelo cantor já mencionado tinha acabado de editar o seu álbum homónimo. Apesar de não atraírem uma grande falange de espetadores, os concertos desta banda eram famosos pelo seu ambiente caótico e imprevisível e Iggy, como frontman, procurou desde cedo uma forma de tornar o espetáculo ainda mais imersivo para o público. Foi então num concerto dos The Stooges, a abrir para os The Mothers of Invention que o vocalista decidiu testar o pulso ao público. Ao aproximar-se da berma do palco, Iggy deixou-se cair para a frente, como que numa chamada de atenção para todos aqueles que não estavam a reagir à sua música. Claramente à espera que o apanhassem, o frontman não previu que o público se podia desviar, e assim aconteceu. O vocalista acabou por embater no chão e partiu alguns dentes. Mas o mais importante é que tinha acabado de inventar um dos mais importantes e reconhecidos movimentos da história da música ao vivo, e particularmente das subculturas punk, hardcore e heavy metal, o stage dive que naturalmente viria dar origem ao crowd surfing, também ele popularizado pelo “Padrinho do Punk”.


Existem artigos online que defendem que foi Jim Morrison, em 1967, o pioneiro do stage dive, contudo não foi possível encontrar registos fotográficos ou videográficos que comprovassem essa tese.




Iggy Pop certamente deu o mote para o que viria a ser o moshing. Contudo este só viria a desenvolver-se em meados dos anos 70 com a criação do punk rock enquanto género musical . Bandas como os The Ramones ou Sex Pistols trouxeram uma nova agressividade sonora para o rock e isso também se refletiu na forma como os seus ouvintes reagiam à música nos seus concertos. O pogo é considerado um precursor do moshing, e nasceu como uma resposta dos punks à música dos Sex Pistols. No documentário “The Fith and the Fury”, o baixista, Sid Vicous, afirma que foi ele quem criou o pogo em 1976, como uma forma de gozar com todos aqueles que iam ver os concertos da banda londrina mas que não faziam parte do movimento punk. Caracterizado por uma sucessão de saltos, no mesmo sítio ou circular, o pogo vai buscar o seu nome ao facto de visualmente apresentar semelhanças com a prática do pogo stick e é ainda hoje conectado e praticado com os/nos concertos de punk rock.



Com a chegada dos anos 80 e com a criação dos subgéneros do punk rock, particularmente do hardcore punk, começou-se a assistir ao surgimento de uma nova subcultura, o hardcore. Por esta altura o punk já tinha a sua dança de eleição, o pogo, como falámos anteriormente, no entanto o hardcore ainda se encontrava numa fase embrionária e à procura de uma identidade enquanto movimento musical, sendo que parte dessa identidade também se encontrava ligada às práticas dançáveis que se podiam encontrar nos concertos.  


A dança slam foi a primeira prática a ser adotada na viragem para os anos 80 pelos primeiros elementos da subcultura hardcore, contudo, apresentava-se ainda muito colada ao pogo dos punks. Desta forma, o passo seguinte passou por ir em busca de uma dança que pudesse ser facilmente identificável com o seu movimento e que ao mesmo tempo transmitisse a energia e agressividade da sua música.


Rapidamente surgiu o skank, não como uma dança original, mas inspirada na prática dançável que nasceu nos anos 50 ou 60 nas discotecas jamaicanas onde a música ska era tocada. Com uma base igual à do skank original, a denominada dança hardcore expõe as suas diferenças na velocidade e agressividade com que é executada, algo naturalmente ditado pelo ritmo e género musical em causa. Assente em dois movimentos que se complementam, esta dança é caracterizada por um movimento de pernas, que podemos considerar semelhante ao charleston kick e um movimento de braços semelhante ao de um praticante de marcha. Tanto o movimento de pernas como o de braços são feitos em simultâneo, mas com os lados alternados, ou seja, quando a perna direita “chuta” o braço esquerdo move-se. Dentro do punk hardcore foram-se desenvolvendo vários estilos de skank, alguns com nomenclaturas bastante peculiares, como demonstra a banda Sick Of It All no videoclip de “Step Down”. Outro aspeto curioso é que também a figura do skanker passou a estar intimamente ligada com a subcultura hardcore e em jeito de reconhecimento para com os praticantes desta dança foram várias as bandas que passaram a usar essa figura como logo, como é o caso dos D.R.I e Circle Jerks



Foi também nos anos 80 que o termo mosh se associou à música pesada. Ambrose (2001, p. 37) defende que “ao mesmo tempo que os punks de Nova Iorque davam cabo um dos outros, uma palavra –“mosh”- começava a surgir para descrever esta estranha visão de comunidade.”  


Steve Martin, antigo membro dos Agnostic Front, também relembra os primeiros anos da década de 80 em Nova Iorque: “Eu acho que veio do reggae e do ska. Eu escrevia “mash” porque via discos antigos de ska e reggae a falarem de mashing it up ou mashing down babylon. Já a primeira banda a usar o termo “mosh” em palco, entre ‘81 e ‘82 foram os Bad Brains, inovadores do hardcore multirracial de Washington. Eles foram os primeiros, que eu me lembro, a usá-lo nesse sentido. Aliás tiveram mesmo de ser os Bad Brains, porque eles foram os primeiros a trazer a fusão punk/reggae para o hardcore… fora do hardcore de Nova Iorque eles começaram a falar de moshing. Porque até então era chamado de skanking.”


No heavy metal, o moshing desenvolveu-se nos anos 80 com o surgimento dos subgéneros mais rápidos e pesados, como é o caso do speed e do thrash metal. Scott Ian, guitarrista dos Anthrax, uma das bandas do big 4 do thrash defende que: “A primeira vez que vi moshing num concerto de metal foi quando os Anthrax tocaram no velho Ritz no início de ’85 e se abriu um pit. Por isso sim, posso dizer, pelo que sei, que fomos nós que o trouxemos para o mundo do heavy metal.” Rapidamente se tornaram dois elementos indivisíveis e não tardaram a surgir novas nomenclaturas dentro do género para descrever essa união. Os próprios Anthrax têm na sua faixa “Indians”, do álbum Among The Living (1987), a secção da war dance, que, segundo Ian: “surgiu porque estávamos à procura daquilo a que costumamos chamar de secção do mosh, agora as pessoas chamam de breakdown, mas na verdade é a ponte … e acho que alcançámos o nosso objetivo ao criar um riff bastante pesado para essa secção na “Indians”. Atualmente os miúdos ainda ficam malucos quando tocamos essa secção.”

Também os Exodus cunharam um novo termo quando lançaram a música “Toxic Waltz” no álbum Fabulous Disaster (1989). A canção foi composta após o guitarrista Gary Holt ter pedido ao vocalista Steve “Zetro” Souza para escrever uma letra que descrevesse o comportamento dos fãs da banda nos seus concertos. Segundo “Zetro”: “a letra descreve a ação que acontece dentro de um mosh pit violento, sangue no chão, pancadas na cabeça e caos no geral.” O que é curioso é que “Toxic Waltz” não chegou sequer a ser single do álbum, mas acabou por se tornar numa das músicas mais populares da banda e tem atualmente lugar cativo no alinhamento.




E porque é que os fãs destes géneros mais pesados praticam o moshing? Essencialmente, porque este se apresenta como uma forma de catarse, e como uma libertação de emoções e tensões acumuladas. Para muitos o moshing apresenta-se como algo terapêutico e certamente que traz fortes benefícios para a saúde mental do seu praticante. Por outro lado, o mosh pit apresenta-se também como um espaço de igualdade, onde não há divisões nem estratificações. No mesmo pit, tanto podemos encontrar um homem de negócios, que acabou de sair do escritório, como também podemos encontrar um trabalhador de construção civil. No entanto, ambos sabem que quando entram naquele espaço esses títulos passam a ser insignificantes e tornam-se apenas companheiros que praticam a arte da guerra. 

Ambrose (2001, p.232) também apresentou uma tese bastante interessante, para ele “O mosh pit é certamente a última manifestação de desejo da humanidade em pressionar o botão de pausa no envelhecimento. O moshing é um placebo para a vida que nenhum de nós consegue ter – a vida eterna.” Já para Neal Busch, dos Trail Of Dead, : “(…) o pit simboliza uma salvaguarda para os jovens se manterem no seu próprio universo, pois estão atentos ao facto de estarem a ser pressionados por um mundo exterior para crescerem, algo que eles não querem.” Ambas as perspetivas parecem fazer uma espécie de analogia entre o mosh pit e a fonte da juventude, um mito há muito por desvendar. Será que conseguimos finalmente comprovar a veracidade desta lenda milenar?


Em jeito de conclusão, quero deixar ainda aqui em baixo um trabalho académico realizado em 2008 na EUAC – Escola Universitária das Artes de Coimbra. Trata-se de um pequeno documentário que aborda o moshing no contexto do punk, hardcore e heavy metal português. Um registo deveras interessante e de elevado valor para o estudo desta prática em Portugal.





Rodrigo Baptista



Fontes:

Ambrose, Joe (2001). The Violent World of Moshpit Culture. Omnibus Press

 

Anthrax’s Scott Ian: War Dance Section in “Indians” | Behind The Riff | Jackson Guitars

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VlpdMRXOBNY&ab_channel=JacksonGuitars

 

The Story Behind The Song: The Toxic Waltz by Exodus

Disponível em: https://www.loudersound.com/features/exodus-the-story-behind-the-toxic-waltz



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