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PRIMEIROS PASSOS DE PROGRAMAÇÃO DE UM ESTUDANTE

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Recentemente alcancei um novo patamar como pessoa que sempre apreciou música e vive desta. Encontrei-me numa posição em que os meus conhecimentos, experiência e conexões musicais se alinharam de forma rara, e levaram-me a perceber que conseguiria contribuir positivamente para uma equipa de programação cultural (com a dupla função de produção).


Antes de entrar a fundo na minha estreia como programador num enquadramento especialmente precário, será útil apresentar algum contexto. Neste momento sou estudante de Ciências Musicais. Ao longo dos 3 anos de curso, procurei sempre contactar com músicos e outros profissionais do circuito independente português, uma cena musical pela qual me apaixonei completamente há 5 anos, quando ainda não residia em Lisboa. Fiz inúmeros trabalhos sobre editoras-coletivo independentes, músicos queer e salas importantes para este circuito.


À procura de mais plataformas para falar destes temas que me interessam, acabei por integrar a equipa de páginas como o Ruído-Mudo, onde tenho vindo a redigir artigos e críticas, assim como entrevistas e reportagens, um pouco mais especiais devido à oportunidade que representam de contactar diretamente com artistas e realizar algum trabalho de campo.


Paralelamente a esses projetos de escrita, na faculdade procurei cadeiras que me permitissem explorar os meus interesses, nomeadamente ao inscrever-me numa unidade curricular do departamento de Ciências da Comunicação de Produção e Programação Cultural (não limitada a música).


Dado este contexto da minha breve e muito incompleta formação na área de programação, passo a explicar como é que vim parar à equipa de programação de uma ocupação na minha própria faculdade, pelo fim ao genocídio na Palestina e pelo fim ao fóssil.


Com a ocupação de centenas de faculdades por todo o mundo, em solidariedade com a Palestina, surgiu uma nova onda de ocupações em Portugal, que se recusa a ficar de fora do levantamento estudantil internacional. Para além de exigir um cessar-fogo imediato e incondicional em Gaza, as ocupações portuguesas têm exigido também o Fim ao Fóssil até 2030.


Neste contexto, foram ocupadas a FPUL (despejada pela reitoria após alguns dias), e mais recentemente a FCSH e FBAUL. Nestas ocupações há equipas a assegurar-se que as necessidades de todas as estudantes são tidas em conta, desde a sua alimentação à segurança e conforto.


Assim surge também uma equipa de programação, indispensável pelo trabalho que realiza na organização de conversas, workshops, sessões de materiais, formações, e outros momentos culturais. Para além da programação destas atividades, a equipa realiza ainda um trabalho de produção, ao garantir que há o equipamento necessário para a realização dos eventos e que as exigências técnicas e de conforto dos artistas são respeitadas.


Então como é que eu vim parar a esta equipa, o que é que me fez pensar que poderia estar preparado para tudo isto?


Se quisermos ser sucintos, ao familiarizar-me com o funcionamento das ocupações percebi que programação era a dimensão para a qual eu conseguiria melhor contribuir. Ou seja, avaliando as minhas capacidades, experiência e também o que me daria gosto, ajudar com a programação foi uma decisão orgânica e clara. A questão não foi “porquê eu?”, foi “porque não eu?” – sabia que queria ajudar e tinha os recursos necessários para contribuir para uma programação musical interessante e acima de tudo pertinente.


Rapidamente comecei a perceber todas as vantagens e problemáticas associadas à base precária desta programação. Apesar do pagamento de um cachê estar fora da mesa, a maioria dos artistas contactados mostram-se significativamente interessados e disponíveis para integrar a programação, com o intuito de dar mais força ao movimento ou de tomar uma posição política. Esta vontade de participar traduz-se numa facilidade significativa de contacto com artistas, essencial no contexto de uma ocupação que poderá ser despejada de um dia para o outro.


Programar para um futuro muito próximo é a fundação deste tipo de ações. Não é possível falar com um artista para atuar na semana seguinte, ou até na mesma semana a uma distância de 3-4 dias. A passagem desses dias, que podem parecer poucos num contexto de agendamento, consegue trazer vários problemas quando é considerada a possibilidade de forças policiais aparecerem na sombra da noite, pelos portões de trás da faculdade, para deter estudantes, como aconteceu na FPUL a 9 de maio. Simultaneamente, muitos artistas não conseguem garantir a sua presença num período temporal tão curto.


Outra limitação que surge diretamente relacionada com o contexto dos concertos são as condições técnicas. Numa ocupação, é improvável a faculdade – como entidade que normalmente teria acesso a um PA, mesa de mistura, cabos, entre outros – ceder material para a programação elaborada. Mas se formos criativos, este fator não limita a programação. A forma mais fácil de o contornar é pensar em sets acústicos, com os artistas a tocar sozinhos, mas pode-se pensar também em novos formatos, inclusive com convidados, que poderão dar mais força à sua atuação, tendo em conta a ausência de sistema de som.


Se quiser tirar uma conclusão da experiência, diria que são primeiros passos extremamente precários, mas não deixam de ser passos. A articulação de diferentes eventos, o agendamento por dia e hora e a reunião de condições para que a concretização dos concertos seja possível são bases rudimentares de programação e de produção, que num contexto como este tornam-se mais importantes que nunca. Há ainda a satisfação de conseguir mobilizar artistas e público por uma causa em que acreditamos – quando os eventos decorrem com sucesso, pessoas novas passam a conhecer o movimento através destes assim como para além deles.


Deixo uma nota final para esclarecer que este texto relata a minha experiência pessoal a programar pela primeira vez, e não está relacionado com nenhum movimento, grupo ou ação aqui mencionados, nem com os seus membros. Não escrevo como porta-voz, escrevo apenas como indivíduo e fã de música.



Afonso Mateus

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