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O RUÍDO QUE ESPERAMOS DE 2023

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No final de 2022, divulgámos uma playlist, elaborada em conjunto por vários membros do Ruído-Mudo, que incorporava alguns dos nossos lançamentos preferidos do ano (assim como um podcast, ainda por vir). Continuamos a recomendar, claro, que ouçam as nossas escolhas, mas agora que já entrámos em 2023, está na altura de nos começarmos a preparar para ouvir a música nova que aí vem.

Este artigo foi elaborado em conjunto por dois elementos do Ruído-Mudo, que selecionaram, cada um, três discos e/ou artistas que esperam escutar este ano. Estes são alguns dos nossos lançamentos mais antecipados para 2023.


Afonso Mateus


Aproveitando um dos temas que escolhi incluir na playlist referente a 2022, “Vida Vã”, os Glockenwise estão por trás do que provavelmente será um dos meus álbuns preferidos do ano. Em outubro e dezembro lançaram, respetivamente, os singles “Vida Vã” e “Besta”, em antecipação do longa-duração Gótico Português, que sairá em princípios de 2023. A banda de Barcelos vai autoeditar o disco através do recém-nascido selo Vida Vã, que marca um novo capítulo.


As duas músicas já lançadas mostram-nos uma nova faceta dos Glockenwise, algo que não surpreende tendo em conta que, apesar de já terem uma discografia de dimensão considerável, apenas o álbum de 2018, Plástico, é cantado em português, havendo assim muito da língua por explorar. Continuam a crescer, não só na vertente lírica, mas também na sua sonoridade, que se apresenta mais cuidada na simbiose entre os instrumentos e não tão ansiosa. Gótico Português será, sem dúvida, um lançamento a não deixar escapar.


A minha segunda escolha já tem data marcada, e é para breve. Apenas com um single de 10 minutos como lançamento prévio, os lisboetas MДQUIИД (MÁQUINA) trazem-nos DIRTY TRACKS FOR CLUBBING, o seu primeiro álbum, que será lançado a 27 de janeiro a par de um concerto de apresentação na Galeria Zé dos Bois, onde serão acompanhados pelos shoe-gazers portuenses Summer of Hate.


MДQUIИД têm espalhado o seu charme com os concertos que têm vindo a dar pelo país, e agora que contam com a Pointlist na vertente do booking, vão elevar esta virtude a um novo expoente. Conquistando qualquer um, o trio constituído por Halison (bateria e “voz”), Tomás (baixo) e João (guitarra), cumpre sempre a missão de pôr um público a mexer-se com os seus instrumentais altamente energéticos, caracterizados por um baixo sujo e pujante, bateria admiravelmente mecânica (como o nome do projeto indicaria) e guitarra noisy que constrói toda a atmosfera restante. DIRTY TRACKS FOR CLUBBING vai ser uma das estreias mais empolgantes de 2023.


Por fim, não podia deixar de parte alguém que tem sido consistente ao longo dos últimos anos, tanto na qualidade como na periodicidade dos seus lançamentos (de 2 em 2 anos). Filipe Sambado traz-nos grandes esperanças para 2023, três anos depois da sua participação no Festival da Canção e do lançamento do disco Revezo. Vem com um ano (e esperemos que não ultrapasse esse período) de “atraso”, mas com uma pandemia pelo meio somos obrigados a perdoar, até porque a vida caseira à qual todos estivemos limitados é um fator marcante nas músicas que Filipe Sambado nos trará.


Escassos, mas bons, têm acontecido alguns concertos aqui e ali da artista, principalmente em formato solo, nos quais o público se deu ao privilégio de ouvir em primeira mão algumas das faixas deste futuro álbum. Novamente a recuperar raízes da música portuguesa, desta vez Sambado parece estar a conciliá-las com um som mais “moderno” e até transgressor de normas que poderiam ser aplicadas à música tradicional – o uso de auto-tune que nos dá uma possível pista para um aroma de hyperpop, ou mesmo a guitarra extremamente distorcida e comprimida, que por momentos nos leva de volta à altura do Vida Salgada (2016). Filipe Sambado raramente desilude – não é sem motivo que já é um nome com estatuto – e não me parece que seja desta vez que isso vá mudar.


Francisco Fernandes


Andy Shauf é um músico canadiano que tenho acompanhado desde o lançamento da bela "Green Glass", do álbum Wilds, de 2021. Andy tem um sotaque cerrado, segue uma tendência anos 70 (Carole King, Joni Mitchell) e uma vontade de pintar quadros vivos com muitas palavras. No entanto, "Catch Your Eye", o single do próximo álbum, lançado a meio de Dezembro do ano passado, vinga pelo seu minimalismo: o poema, e a situação que este reflete, não poderia ser mais simples, e o título diz tudo. A maneira como o desejo e a ambiguidade se refletem na música através do som frágil de um teclado, e não um simples aglomerado de versos, mostra uma vontade de avançar novas estruturas. Com uma voz doce e um ritmo calmo, não avançará para a pista ou para os estádios, mas dir-se-ia que há psicadelismo ainda nos dias de hoje, desta forma velada e intrigante.


"Wasted On You" parece-se mais com o trabalho já posto a lume pelo músico, mas de qualquer forma não nos parece fácil resistir ao som beatlesco, nem ao facto de se lançar um single sobre a desilusão de Deus com as suas criaturas. Um detalhe: quando Jesus é morto, toca o fill de bateria de "A Day In The Life".


"Salted flavor, lies like a sailor / But he loves like a painter" são versos cuidadosamente construídos para me agradar, ainda que a minha relação com a sua criadora, Caroline Polachek, seja mais complexa que isso. Sendo até agora agnóstico aos seus poderes sedutores ("So Hot You're Hurting My Feelings"), é uma feliz surpresa esta "Billions", uma atmosfera de paixão modorrenta, sinistra q.b., evocativa do futuro cyborg do hyperpop, mas musicalmente um híbrido entre Madonna e Cocteau Twins. Também "Long Road Home", com Oneohtrix Point Never, preserva algo dessa atmosfera. Numa playlist que tem no Spotify, Caroline Polachek colocou "Estranha Forma de Vida", da Amália. Talvez ainda vá peregrinar ao templo de Caroline.


Black Belt Eagle Scout é Katherine Paul, com dois álbuns já debaixo do braço e em vias de lançar o terceiro. Os singles apresentados colocam-na claramente no registo rock, e se esta recensão se baseasse apenas em “My Blood Runs Through This Land”, talvez aquele rótulo fosse suficiente. Mas em “Don’t Give Up”, um fio de dissonância está sempre presente, complicando as categorias, mantendo-nos atentos enquanto a linha de baixo nos convida a dançar. O solo de guitarra também é bem jeitoso, a fazer lembrar Built to Spill. O solo em “Nobody” faz parar o trânsito, emocional e bem construído. Katherine Paul e a sua voz soprada, ofegante: “Nobody sang it for me like I wanna sing it to you” – com uma declaração destas, linda como poucas, só resta pedir o álbum.

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