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Moderada e melodiosamente: sobre o tempo e a música

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(Imagem: Moderato Cantabile (1985), Julião Sarmento)




« – Pourquoi ? demanda l’enfant.

– La musique, mon amour... »

Moderato Cantabile (1958), Marguerite Duras

 

 

O tempo sempre me assustou, desde que – digamos – era uma miúda. Não porque quisesse, necessariamente, fazer uma data de coisas ou estar sempre ocupada; pelo contrário, sempre gostei de escolher não fazer nada. De ter coisas para fazer, mas também poder não fazer nada.


O que me assustava (e ainda assusta, embora de forma mais contida) era a consciência de o tempo estar a passar, o facto de ser algo completamente imparável, irrefreável. Não volta atrás, não há volta a dar. O tempo passa e nós vemo-lo passar. Há tanto que gostava de fazer, e tenho tão pouco tempo para experimentar tudo, provar tudo, tentar tudo. Perdoem-me o pessimismo não diagnosticado, mas agora vem a parte positiva: o tempo também cura tudo e apenas o tempo me ensinou a valorizar a finitude das coisas. Passar uma hora de almoço a cavaquear com alguém amigo, sair do trabalho à sexta-feira e ir diretamente para o concerto mais próximo, acordar despreocupadamente ao domingo e ir tomar o pequeno-almoço com família ou qualquer outra pessoa querida. Mas também o tempo de ler um bom (ou mau, não discrimino) livro, assistir à última sessão de um filme de terror no cinema, ou entrar num museu, espaço em que o tempo parece simultaneamente cristalizado e inexistente. São momentos efémeros e talvez por isso mesmo prazerosos.


Apesar de, há uns anos, pensar no tempo neste contexto me pudesse provocar um certo grau de ansiedade (“nunca vou conseguir ler todos os livros que quero!” ou “não posso perder tempo a ver filmes que não me interessem!”, entre outras preocupações), agora já não é o caso. O tempo – e crescer, meu monstro quase tão papão como o tempo – ajudou-me a aceitar que não vou conseguir fazer tudo o que quero, nem ler, ver ou ouvir tudo a que me proponho. E está tudo bem com isso, porque continuo a conseguir escolher, mesmo que nem sempre, o que fazer – crescer implica também, pelo menos para mim, ter de dar grande parte do meu tempo ao trabalho, fundamento estrutural da existência numa sociedade capitalista à qual não consigo fugir. Ao longo do tempo, tenho aprendido a geri-lo melhor e, consequentemente, a gerir-me, e isso deve-se, em grande parte, ao facto de sentir a liberdade, embora comedida, de fazer o que quero, mesmo que seja apenas alguns momentos por dia. Ouvir música é uma dessas minhas escolhas, que se foi entranhando e aligeirando cada vez mais a minha vida.


A música parece-me ser das condições artísticas que mais dependem e se baseiam no tempo. Quem é que nunca escolheu estrategicamente o que colocar na lista de reprodução aquando da hora do banho? Ou sabe exatamente qual o álbum (ou EP, para distâncias mais curtas) que se pode ouvir na totalidade na viagem de regresso a casa? Mas a música é muito mais do que a simples medição (ou ocupação) do tempo – a música altera-o ou, mais precisamente, a nossa perceção do mesmo. Consegue acelerar ou abrandar, torná-lo doce, vazio ou insuportável. O tempo, sendo um conceito abstrato e intangível, não existe sem a nossa conceptualização do mesmo; por outro lado, existe sempre e para sempre, quer estejamos cá para presenciá-lo e senti-lo ou não. Quando ouvimos música, é como se estivéssemos a dar voz ao tempo: durante determinados segundos ou minutos, escolhemos passá-los a escutar (mesmo que, por vezes, seja em segundo plano). Quando nos sentamos para ouvir uma orquestra, aqueles momentos estão contados para ficarmos lá, simplesmente sentados a ouvir. Penso na famosa obra 4'33", de John Cage (se ainda não a conhecem, aconselho-vos a pesquisar), que representa uma forma bonita, mas possivelmente inconsequente, de passar o tempo.


Além de fazer esquecê-lo, a música é intemporal e faz viajar no tempo. Canções que ouvimos noutra época da nossa vida e nos relembram do que passou, canções emocionalmente associadas a pessoas a quem queremos bem, canções com as quais partilhamos sentimentos antigos e/ou atuais. A música transporta-nos para onde deixarmos que ela nos leve, o que, muitas vezes, não é o presente. Permite-nos esquecer o presente e, assim, o tempo. E é isso que a torna tão preciosa, tão vital nas nossas vidas.


Vocês que me leem, resta-me tentar reconfortar-vos como me reconforto a mim própria: ouçam música. O tempo não para de passar, mas podemos passá-lo de forma bonita – e melodiosa.

 

 


12 de maio de 2023


Maria Beatriz Rodrigues



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