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Música Clássica, Rock, Funk e Pimba entram num bar

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Este verão senti que traí a música “clássica”.

Estou consciente que o polémico termo “música clássica” aterroriza quem apenas o conhece enquanto uma pequena secção na Fnac em que, preferencialmente, apressa o passo. Que razão teria para não o fazer? Pessoalmente, mantenho a crença de que a dita música clássica, ou erudita, alberga sobre a sua asa inúmeras obras, tão distintas entre si, de épocas, géneros, estilos e carácter tão opostos que me parece risível a afirmação “eu não gosto de música clássica”. Como se pode afirmar algo tão perentoriamente quando não temos conhecimento ou oportunidade de estabelecer algum tipo de empatia com todo um oceano de criações artísticas? Como afirmar tal coisa relativamente a um campo que não tem fronteiras definidas, que está em permanente atualização, quer pela criação de novas obras – que não se cingem necessariamente, ou à primeira vista, a um padrão comum –, quer pela perda irrecuperável de tantas outras que nunca tiveram sequer interação com o conceito de globalização para poderem chegar ao público consumidor? Como dizer “não” a árias que invocam amor, ódio ou sangue, de tão sublime forma? Como dizer “não” a algo que inclui desde a misteriosa música de civilizações que há muito sucumbiram, aos trovadores, a Berio, à possante música para órgão, a Stravinsky, a Dowland, a John Cage, à complexidade de Bach – e outros compositores igualmente veneráveis mas que não possuíram o favorecimento das Indústrias Musicais e da História, não desmerecendo de maneira alguma J.S. Bach ou outros compositores que, pelas mesmas razões, permanecem nos nossos radares e nos cânones da tal música clássica. Peço-vos perdão. A minha escolha de reminiscências musicais foi instintiva, consequente de quaisquer entendimentos psicossociais que deixo por explicar – trabalho certamente mais adequado a quem terá mais competências de os entender. É-me impossível no pouco espaço e tempo vital que disponho enumerar todos os que gostaria. Por isso apenas peço, ó ilustre possível leitor(a): não se agarre imediatamente às garras da sua mente e descubra… seja livre de si mesmo para poder disfrutar da Música. Por vezes, faz falta simplesmente ouvir. Ouvir e escutar. No meu caso, foi necessário parar de tocar e abandonar momentaneamente o meu dever enquanto membro de orquestra (perdão, novamente) para realmente escutar a “Sinfonia do Novo Mundo”, de Dvorak, a tornar-se vida à minha volta. Nunca antes a tinha ouvido de tal forma. Fiquei abismada.

Mas será que, da mesma forma em que um apressado consumidor na Fnac negligencia a música clássica, serei eu também demasiado opaca e negacionista face a obras musicais externas a este termo? Não que eu me restrinja completamente a música clássica, entenda-se. Para citar apenas um de muitos exemplos, são agora raras as peças de música clássica que escuto, na íntegra ou parcialmente, numa viagem de carro. Todavia, para não discorrer muito mais sobre este tema, caro leitor cansado, confesso que muita música me encontro reticente em ouvir… (e não só Debussy). Pareço viver algo à margem dos meus pares.

A banda sonora deste verão – não por escolha própria – pareceu centrar-se no que talvez possa categorizar enquanto funk e pimba alternativo (perdão, novamente). Esta tinha claramente enquanto público alvo a minha geração e as que em seu redor se associam. Em pouco consegui eu contra-atacar. Tendo como armas uma seleção surpreendente e extraordinariamente notável de vinil rock e pop alternativo, a derrota foi declarada tanto por falta de conhecimento, como por falta de apreço. Então cedi. E ouvi – que remédio tinha. E senti que estava a trair tanto a música clássica, tal como todo o meu gosto musical desenvolvido até então. Não que eu milagrosamente tenha mudado por completo a minha opinião sobre a estrutura musical, a harmonia, melodia, ou a letra dita (e repetida) de tais canções. Não, mas respeitei e tentei entender o porquê das pessoas, que também eram alvo da dita música, disfrutarem. Musicalmente falando, não descobri. No entanto, prestei mais atenção aos humanos. Notei que, entre conversas e consumos, quando uma música iniciada se destacava por que explicação fosse, o que antes lhes fisgava a atenção pouco continuava importante após o som ser projetado nas colunas. O cantar, o movimentar em conjunto levava a mais interação e calor humano. E deixei-me estar. Recostei-me e, muito à semelhança do Dvorak, tentei apenas ser, por entre toda aquela vida desencadeada pela música. E, talvez, nesse caso as características estruturais, melódicas e harmónicas não pesassem tanto. Talvez medindo essa reação macro, essa reação do grupo e a minha própria cedência, eu consiga empiricamente entender que até o tipo de música que não gostamos pode ter um tempo e lugar em que conseguimos apreciá-la e verdadeiramente senti-la.

Mariana Rodrigues

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