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Crises morais e existenciais de uma ouvinte

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Até que ponto um artista é somente um artista?

Até que ponto é possível separar a identidade de um ser humano da sua obra, da sua produção? Das suas ações e comportamentos?

Este artigo não versa sobre a apresentação de uma banda, um compositor ou artista e explorar a sua música: este é um artigo sobre crises morais e existenciais que ocorrem quando se é confrontado com factos a respeito da vida social dos artistas que, de alguma forma, preferir-se-ia não serem verdade [ou dela não se ter conhecimento].

Não vos venho apresentar teses ou respostas, venho discorrer sobre um breve e nada complexo dilema que talvez vos seja já familiar.

Nesta era digital e governada (também) pela presença das redes sociais, deparo-me com uma publicação que me troca as voltas… bandas cuja música muito frequentemente ouvia – mas a que talvez nunca tivesse prestado realmente atenção – têm as letras das suas canções colocadas sob o foco da autora de um perfil do Instagram. Sob esta luz, tomo os artistas numa perspetiva completamente nova. Numa perspetiva que não me agrada. Numa perspetiva que vai contra os meus princípios e valores.

Quer se esteja consciente ou não (ou se queira admitir), a componente poética das obras musicais representa uma parte integral do que é a Música, enquanto hiper-objeto. Muitas vezes trata-se do ponto de partida de composição de uma canção e poderá, eventualmente, acabar imersa na harmonia e melodia da mesma. Todavia, nunca perde o seu cargo estruturante. E, ficando submersa, nem sempre é dotada da atenção devida.

Talvez nunca me tivesse cruzado com estas canções em particular antes. Talvez nunca tivesse descodificado ou desconstruído os poemas. Talvez tivesse tropeçado na língua estrangeira, não percebendo quais as palavras que efetivamente trauteava. As possibilidades estendem-se, mas a realidade é que, agora, estou consciente do que é transmitido pela canção. E a pergunta que se coloca é: qual deve ser a minha reação? O que faço daqui para a frente: continuo a ouvir essa dita cuja música? Ignoro a visada e ouço as restantes do(s) artista(s)? Caso o faça estou a legitimar as ações retratadas? Se o fizer estou, decerto, a contribuir para com o artista. Não só economicamente mas também para a preservação da esfera que este ocupa socialmente. Espaço social este que foi conseguido inclusive por canções como esta, suportadas ou inspiradas em ações reais cometidas pelo mesmo.

Poderei então, hipoteticamente, idolatrar um músico pela sua técnica instrumental, pelas suas composições arrojadas, pelas inovações musicais, progressões harmónicas não convencionais, pelo seu timbre e algo único que traz ao universo das indústrias musicais, sabendo e conscientemente ignorando o que este faz, e é, fora de um palco ou da sala um estúdio? A obra terá certamente valor próprio, mas é esse valor totalmente independente?

A memória coletiva é difícil de prever e controlar. Mas parece facilmente deslembrar e mandar para o oblívio o que é comercialmente favorável. Convenhamos, o que dá jeito. E assim nós esquecemos. Ou desvalorizamos. Algo que aconteceu há 60 anos, “já lá vai”, “não interessa”, “naquela altura era diferente”. E, no entanto – para não mencionar os movimentos já “naquela altura” existentes, que davam voz ao questionamento e recusa desse status quo aparentemente aceitável –, algo que desvalorizamos tem repercussões nas indústrias atuais e, consequentemente, no quotidiano do hoje. E, ainda que os factos fundacionais pareçam ter sido enterrados da memória coletiva, as obras e os artistas não foram. E veneramos. E cantamos. E ignoramos.

Sus canciones se las sabe tu madre, las baila tu abuela y las puede tararear tu hija: trasciende y sobrevive generaciones.” (@acompasadas)

Respondendo a um comentário à publicação, que confrontava a autora com o facto de a banda ter outras 208 canções que, contrastando com as 3 visadas, versavam sobre amor e respeito, a autora escreve “El hecho de que se critique algo no significa que los quememos en la hoguera (…) Que hayan escrito temas de amor y respeto no les exime de haber escrito otros tremendamente machistas, al igual que tantos otros grupos.

Atormenta-me, assim, uma outra questão: estará a harmonia da minha consciência restaurada? Deverá estar?

La responsabilidade es de quién compone, Y el sentido crítico de quién escucha”. (@acompasadas)

Mariana Rodrigues

Palavras-chave: "lyrics", "artista", "social", "dilemas".



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