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Conversa unilateral sobre algoritmos, sistemas de recomendações musicais e vícios digitais

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As redes sociais estão em todo o lado hoje em dia; tornaram-se indispensáveis à nossa forma de vida. Se, por um lado, estamos viciados no seu uso, por outro, tornaram-se também uma ferramenta de trabalho para muitos. Inclusivamente os músicos. Mais do que ser uma porta aberta para concertos para milhões de pessoas, plataformas como o Facebook, o Instagram, o Tiktok ou o Spotify são agora ferramentas para criar, edificar ou deitar abaixo músicos de todos os tipos, enquanto influenciam toda uma sociedade que não consegue despegar os olhos do seu conteúdo.


No virar do novo milénio, os cânones da música estavam sobretudo sob o punho de ferro das rádios e da televisão. Estes decidiam o que escutávamos cerca de 300 vezes ao dia, produzindo uma necessidade dessa música ou algo que se encaixasse no mesmo formato –  atualmente, o pódio parece pertencer às redes sociais.


Um poderia afirmar que praticamente tudo pode ser encontrado em ditas plataformas digitais. E efetivamente, entre muitos dos fatores positivos trazidos pelo Tiktok, Facebook e Instagram, um não poderia deixar de mencionar o dar voz a cada um dos seus utilizadores e aos seus nichos. A música é usada múltiplas vezes, de moda em moda, para feitos tão incríveis como o empoderamento de grupos marginalizados através da música; o fabrico antes impensável de duetos entre o mero comum mortal e o seu artista favorito; conhecer um género musical (se estiveres mesmo e forçosamente à procura) do qual o seu praticante mais próximo se encontra a 560 km da tua localização e que de outra forma não terias possibilidade de conhecer…


Então porque será que tantos de nós acabamos a ouvir sempre a mesma música, a toda a hora? Um dos argumentos mais recorrentes que tenta responder a esta problemática desenvolve que nós, consumidores passivos da modernidade humana, somos vítimas do overwhelming, ou bem dizendo, somos oprimidos pela imensa quantidade de oferta musical existente… Dá que pensar. É, talvez, como ir ao supermercado.


Nick Seaver[1] contra-argumenta que este mito de demasiada música disponível é um problema que em muito antecede a existência da própria Internet e que não deveríamos reduzir este mecanismo tão complexo a esse simples mito.


Falamos de algoritmos e de sistemas de recomendação - Ui,  parece o início de um péssimo filme de terror. Há que recordar que detrás destes nomes grandes e assustadores, estão pessoas que desenham isto que faz mover o mundo. E ninguém nega que dão muito jeito! Quando se está dentro de um certo humor, e queres ouvir um tipo de música, e depois outra que prolongue o momento e o sentimento, vem mesmo a calhar. Mas será que não somos mais ecléticos do que isso? Tão simples como: não podemos ser alagados por díspares sentimentos que nos puxam para ouvir dissemelhante tipo de música? Uma pessoa não pode gostar de metal e de música clássica? Indie e gospel? – E se alguém controla/escreve algoritmos, assume que não, por qualquer fator sociológico, psicológico, contextual, mão-atadas(…), será que corremos então o risco de estes sistemas de recomendação nos aplastarem e reduzirem o gosto musical que forma parte da nossa cultura, tentando traduzi-lo redutoramente a um número? Quanto pode a Música perder? Quanto de nós podemos perder? Não só pelo que deixamos de descobrir novo, mas também pelo que deixamos de ouvir novamente? E levanto ainda aqui a hipótese, já na academia discutida: não poderá o desmedido uso intensivo de uma música, adaptada e ajustada aos curtos reels, durante uma semana ou tempo semelhante, para ser de seguida trocada por outra, promover a desvalorização da música e incentivar um ciclo de música “descartável”?


É redundante e mais que óbvio afirmar que o mundo das redes e plataformas sociais é extremamente mais complexo do que à primeira vista aparenta – ainda que essa primeira vista possa comtemplar-se como sendo de 12h diárias. Gente muito mais inteligente que esta vossa humilde serva pesquisa a fundo implicações sociológicas, antropológicas, psicológicas e culturais deste mundo que demanda novo conteúdo instantâneo, e o que estabelecem sobre as nossas sociedades. É igualmente de mencionar que se trata de uma área de pesquisa nova e recente – mas que se recomenda vivamente ler. Dadas todas as suas complexidades, há muita coisa que os cientistas, todavia, não alcançam. O que consequentemente leva a que esta dimensão quase desconhecida afete, condicione e persuade, sem qualquer tipo de controlo ou supervisão protetora do comum mortal a que ela se submete.


Ora, isto leva a refletir e concluir que existe uma necessidade cada vez mais premente de o ouvinte manter o seu pensamento e ouvido crítico, inclusivamente em momentos de descontração e entretenimento, como pode ser visto o tempo despendido nestas plataformas digitais. Há que lutar por encontrar o equilíbrio e não esquecer que, além deste mundo fácil e acessível, encontram-se muitos artistas ainda por descobrir e que merecem ser também escutados. A responsabilidade de resistir a um mundo musical completamente uniforme e homogéneo recai também sobre nós, ouvintes e usuários, consumidores não passivos.


[1] No seu livro intitulado “Computing Taste: Algorithms and the Makers of Music Recommendation”



Mariana Rodrigues

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