Brevíssimo recap musical: Disco 2021
Catarina Fernandes
Como em qualquer ano, apaixonei-me, fui desiludida e voltei a apaixonar-me. No começo do ano fui surpreendida e apaixonei-me por bandas como Black Country New Road e Squid, e pelos seus álbuns “For the first time” e “Bright Green Field”, que vieram aguçar o meu amor pelo rock, que julgava escondido. Isto fez com que, talvez por associação, voltasse a ouvir em loop a discografia dos Talking Heads e ouvir pela primeira vez parte da discografia de David Byrne a solo.
Recomendados algoritmicamente, “Drunk Tank Pink” dos ingleses shame veio à tona e tornou-se uma das minhas maiores obsessões do ano, onde malhas como “Born in Lutton”, “March Day” e “Human, for a minute” guardaram rapidamente um lugar especial no meu coração. Aconteceu algo semelhante com “Sympathy for Life” dos Parquet Courts, onde canções como “Walking at a Downtown Pace”, “Homo Sapien” e “Zoom Out” foram ouvidas one too many times.
Deslocando-me para o rock nacional, o lançamento de “Vida Dupla” de Luís Montenegro (Rapaz Ego) e “Bochechas” do Chinaskee surpreenderam-me bastante e músicas como “Crime em Tânger” e “Gaja” não deixaram de me fazer bater o pé e abanar-me mesmo nas ocasiões onde fazê-lo era o menos adequado, deixando os meus colegas na biblioteca desassossegados. Foi também na biblioteca que regressei a “Plástico” (2018) dos minhotos Glockenwise, disco do qual me servi para objeto de estudo para a minha dissertação final de licenciatura (decisão que me valeu o diploma e a oportunidade de os ver tocar no Centro Cultural de Belém no início de julho).
Há quem guarde o melhor para o fim, mas poupo o suspense e destaco já o que para mim foi o melhor álbum do ano: “Any Shape You Take” da jovem norte-americana Indigo de Souza. “Any Shape You Take” é brutal, honesto e belo. É sombrio por natureza e, apesar de nascer das cinzas, cria raízes profundas que nos prendem a ele. A voz de Souza é hipnotizante e a sua entrega surreal; a poesia é esmagadora, difícil de digerir. O instrumental acompanha tudo isto de forma excecional e lembra, por vezes, as guitarras e os baixos lo-fi dos Guided By Voices ou dos Car Seat Headrest.
A última vez que fui tão arrebatadoramente surpreendida por uma jovem artista foi com Snail Mail e o seu álbum de estreia “Lush”. Aproveito para mencionar o seu novo lançamento, onde destaco as canções “Valentine”, “Madonna” e “Mia”, já que o álbum “Valentine” no seu conjunto me desiludiu, o que me deixou desconsolada.
No entanto, as surpresas agradáveis foram muitas. Little Simz mostrou-se uma revelação importante e talentosa no mundo da música com “Sometimes I Might Be Introvert”. O aclamado regresso de Lorde com “Solar Power” deixou qualquer fã em êxtase, mas confesso que o terceiro álbum da neozelandesa demorou a crescer em mim (e, diga-se, não é tão bom como o seu magnum opus “Pure Heroine”) ao contrário das músicas bónus que lançou postumamente, “Helen of Troy” e “Hold no Grudge”, canções imperdíveis. Tenho que tirar o chapéu a Billie Eilish que me surpreendeu com “Happier Than Ever”, que em nada se compara com o seu álbum de estreia, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?”, que me foi indiferente na altura do seu lançamento. A colaboração entre Bruno Mars e Anderson Paak formou Silk Sonic e a sua harmoniosa fusão de vozes, estilos e carisma resultou em “An Evening with Silk Sonic”, onde todas as músicas são vibrantes e catchy, o que me deixou maravilhada. Não posso ter sido a única fã de Pulp a gritar pela Aline: “Chansons d'Ennui Tip-Top” está recheado de canções francesas emblemáticas cantadas pelo Jarvis Cocker e é um álbum a não perder.
Não seria uma retrospetiva a 2021 sem mencionar o empenho, bravura e talento de Taylor Swift, quando, há dois anos atrás, anunciou que iria regravar material antigo como forma de readquirir os direitos sobre as suas canções, originalmente gravadas pela Big Machine Records. Como o prometido é devido, o lançamento de “Fearless (Taylor’s Version)” e “Red (Taylor’s Version)” aconteceu durante 2021, o que provocou uma histeria massiva para qualquer fã da pop e do trabalho excecional da cantora e compositora norte-americana ao longo dos anos, reafirmando o seu talento e maturidade.
Patrícia Moreira
Este ano teve um impacto muito peculiar nas minhas escolhas musicais, que variaram largamente entre música frenética e alegre e música que verdadeiramente deprime um indivíduo só com o acorde de abertura. O peso de todos os acontecimentos de 2020 deixa ainda as suas marcas em mim, mas sobretudo naquilo que ouço: não é então a música que espelha a nossa alma?
Notei diversas diferenças nas canções que ouvi este ano face ao passado. Houve uma procura muito maior da minha parte por integrar música mais mexida, músicas com grande ênfase na guitarra elétrica e percussão predominante, ainda que não consiga deixar para trás as minhas raízes de música calma, feita para ser ouvida enquanto refletimos no parapeito da janela à noite. Assim sendo, o meu top 3 de álbuns do ano (ou melhor dito, dos álbuns que eu mais ouvi este ano) é dominado pelo feminino: temos “Planet Her”, da Doja Cat; “Sour”, da Olivia Rodrigo e “THE ANGEL YOU DON’T KNOW”, de Amaarae. Todos estes álbuns se destacaram para mim por razões variadas, apreciando-os de modo igual, mas percebendo que todos me oferecem algo de diferente.
“Planet Her” surgiu como uma surpresa para mim; não porque duvidava da qualidade que Doja é capaz de produzir, mas porque considero este álbum um dos seus trabalhos mais coesos e de maior calibre. O álbum tem um pouco de tudo para agradar a diferentes tipos de fãs, com colaborações interessantíssimas e de grande qualidade (como o caso de “You Right”, com The Weeknd), já para não falar no investimento a todos os níveis que a artista colocou no projeto: não houve só uma preocupação em criar nova música boa, mas em criar todo um universo e atmosfera que nos cobrem quando a ouvimos. Os videoclips foram também muito surpreendentes, novamente do ponto de vista da criação de um universo próprio, e, em muitos dos casos, só me fizeram apreciar ainda mais as canções. Considero o álbum tão bom que se torna difícil de escolher uma única canção que me tenha ficado mais presente na memória, no entanto, a “Love to Dream” é sempre uma que vale a pena relembrar. É definitivamente um álbum que me vai ficar na memória e que vai manter Doja Cat no meu radar de artistas a acompanhar durante muitos anos.
Sour foi definitivamente a surpresa do ano. Antes do lançamento, eu não tinha conhecimento sobre quem era Olivia Rodrigo, mas depois deste ano temo não conseguir voltar a esquecer e não o quero fazer. Com apenas 18 anos, Olivia conseguiu ecoar junto de várias gerações, estendendo a sua raiva, solidão e juventude a quem a estivesse a ouvir, de um modo tão sublime que me pôs a chorar, mesmo não se tratando da minha dor. Uma artista ainda em desenvolvimento, mas já tão capaz de dar a prova de que tem uma ideia pensada sobre aquela que é a sua identidade artística e sobre aquilo que é capaz de produzir, surpreendendo-me não só pela qualidade das canções, como também pela sua voz cristalina e poderosa. Tal como “Planet Her”, “Sour” foi um álbum extremamente coeso, com “brutal” (da qual falarei mais à frente) destacando-se largamente. Este álbum não só colocou Olivia no holofote do mundo, mas também na vanguarda do pop (e ainda mais surpreendentemente do pop-punk) e sem dúvida que deixou vontade de ouvir mais.
Para fechar o ranking dos álbuns, temos “THE ANGEL YOU DON’T KNOW”, de Amaarae. Esta cantora é uma nova adição à minha lista de artistas (assim como Olivia Rodrigo) e uma adição mais que merecida. Amaarae trouxe ao meu 2021 ritmo em sobra, assim como umas pistas de rock e punk que possivelmente se avizinham nos seus próximos projetos. “SAD GURLZ LOVE MONEY” foi certamente uma das minhas canções mais ouvidas este ano e uma que devia estar no radar de qualquer pessoa que aprecia afrobeat e no geral música bem estruturada e com um ritmo contagiante. Dos únicos arrependimentos que tenho acerca deste álbum foi o quão tarde o descobri, mas certamente não vai sair da minha mente tão cedo.
Por fim, deixo três recomendações de canções que impactaram o meu ano. Começo, como mencionado anteriormente, com “brutal”, de Olivia Rodrigo, uma canção que encapsula perfeitamente o espírito rebelde adolescente e as desilusões que acompanham o nosso crescimento, tudo atado numa embalagem pop-punk em tudo primorosa. Seguidamente temos “Space Song”, de Beach House, um verdadeiro clássico da discografia desta banda e uma canção a não perder para amantes de dream-pop, parecendo na minha opinião, algo que veio de fora deste mundo para nos abençoar. Finalmente temos “Late Night”, de Shannon Lay, uma descoberta recente, mas que tem estado a repetir incessantemente nas últimas semanas; Shannon Lay canta-nos suavemente como uma mãe que embala um filho e envolve-nos numa atmosfera tão quente e pura que parece que sentimos uma extensão do amor que ela nos descreve, uma canção perfeita para amantes de folk e quem gosta de música mais tranquila.
Sara Cal
Ao longo deste ano, em que vivi cinco meses fora de Portugal, dei por mim a procurar precisamente ouvir mais música cantada em português: matar saudades de artistas que se perderam nas minhas playlists de 2017, procurar conhecer mais bandas emergentes, insistir na audição de música portuguesa que não gostava particularmente no passado, esperando que o tempo lhe tivesse atribuído um novo sentido. Por isso, abaixo, destacarei algumas das bandas e artistas com música cantada em português que marcaram o meu ano de 2021.
Em 2021, prolongaram-se as comemorações dos 70 anos de Jorge Palma, um verdadeiro ícone do rock português. E, em 2021, tantas vezes trauteei a “Estrela do Mar” ou o “Bairro do Amor”, ri-me com o “Deixa-me Rir” e dancei com o “Frágil”. Estaria a mentir se dissesse que a admiração que nutro pelo Jorge Palma é exclusiva de 2021, mas creio que se intensificou com este ouvir mais rotineiro das suas palavras rimadas e doces melodias.
Foi também o ano em que se celebraram os 10 anos do álbum “Gazela” dos Capitão Fausto, umas das bandas mais proeminentes no panorama musical português nos últimos anos. Este álbum contém algumas das faixas que popularizaram a música dos Capitão Fausto, tais como “Teresa” e “Gazela”. Recomendo particularmente a primeira faixa do álbum, de nome “Música Fria”.
No início de junho, Mallu Magalhães lançou o seu novo álbum, chamado “Esperança”. A cantora e compositora presenteia-nos com temas bonitos cantados pela sua voz delicada. “Quero Quero” é um autêntico doce, é quase um hino à vida, transborda uma tranquila alegria, lembrando-nos das pequenas “coisas que o Mundo tem para dar”. Numa linha diferente, “América Latina” é um tema muito criativo em que a letra vai oscilando entre português e o inglês e que parece desencadear uma vontade incontrolável de dançar.
O início de dezembro de 2021 foi marcado pela morte de Pedro Gonçalves, contrabaixista dos Dead Combo. Foi com uma grande tristeza que recebi a notícia da morte deste músico e fundador de um dos meus grupos musicais portugueses preferidos. "Esse Olhar Que Era Só Teu", “Cuba 1970”, “Deus Me Dê Grana”, entre muitas outras músicas, são temas que nos transportam para ambientes enigmáticos, para lugares exóticos ou para outros já conhecidos, que nos fazem lembrar histórias de filmes antigos e, ao mesmo tempo, uma certa Lisboa, que é eternizada pela música deste grupo.
Ao longo de 2021, fui escrevendo sobre o que fui ouvindo: em fevereiro, ouvi repetidamente o disco “Tempo” de Dom La Nena até saber as letras de cor; surpreendi-me com “Circles” de Mac Miller, o disco que mais ouvi em 2021; deliciei-me com as palavras e melodias d’Os Poetas; recuperei músicas de Danças Ocultas que fazem parte da minha vida e das minhas referências musicais desde que me lembro e fiquei a conhecer melhor a banda Vertigem, da qual sou agora fã incondicional. De facto, vi no Ruído-Mudo também uma oportunidade de partilhar com outras pessoas o meu enorme gosto por estes álbuns, que marcaram o meu 2021. Resta-me dirigir um “obrigada” às pessoas que acompanharam e apoiaram o Ruído-Mudo em 2021!