Um concerto e uma mui breve conversa – Ariel Brínguez Trío
(Fotografia da autora)
Num daqueles dias em que nada de extraordinário se antecipa, tive a oportunidade de testemunhar, parcialmente, um além-do-ordinário concerto: Ariel Brínguez Trío, no restaurante Magokoro, em San Lorenzo de El Escorial, Madrid. O tipo de concerto em que o público pode aproveitar o seu jantar, enquanto desfruta de um concerto tranquilamente… ou não.
O trio é formado por Javier Sánchez (guitarra e voz), Kumar MPC (percussão e voz) e Ariel Brínguez (saxofone, flautas, teclado e voz). Este é um dos muitos projetos dos seus três integrantes. Um projeto que não tem nem disco, nem website, nem redes sociais. Será essa parte da sua energia, um concerto repetível apenas pelas poucas não-oficiais gravações que existem. Porventura seja isso parte do que promovem também os músicos: viver no momento e libertar-se de amarras.
Não, Ariel Brínguez Trio não é propriamente o tipo de banda que um esperaria ouvir ao degustar o seu jantar. Como ilustração deste meu comentário, afirmo simplesmente que, a partir da segunda canção, havia já pessoas que pareciam não aguentar o assento das suas cadeiras e se tinham começado a mover dançando.
O ensemble detém um espírito que quiçá se esperaria viver num festival. Exceto que este festival foi, nesse dia, transportado para uma aldeia nos arredores de uma das grandes capitais do mundo. Um espírito boémio, livre, humano e fadado a sentir a música. Um espírito providenciado por este trio que quer partilhar esta experiência com todos os que se encontram ao alcance desta música, no momento – como declarou o próprio Ariel, abaixo transcrito.
O intercâmbio entre ouvintes e os elevados em palco era claro para qualquer um. Mesmo quem foi tímido para se levantar e dançar (ou quem tivesse qualquer outra razão perfeitamente justificada) movia-se ao som da batida e escutava atentamente, eventualmente batendo palmas no tempo da música. E definitivamente se entreviam sorrisos e diversão por toda a sala. Se a comida ainda estivesse no prato ficava, por ocasiões, no olvido. E por entre tudo o que acontecia no fundo da sala, tentava-se ouvir as palavras de Kumar, rimadas ou não, improvisadas no ato ou não; e a guitarra de Javier.
Pode ser que as misturas de influências e o timbre próprio do trio não seja do agrado de toda a gente; mas o que é indiscutível é que é impressionante e impressionantemente rico e profundo.
A sua música é, à primeira vista ou escuta, uma cacofonia boémia jazzística. Uma enorme experimentação onde floresce a música, a poesia e a intervenção ao que é importante desta vida. É um grito de apelo à música que tem duração de mais de 15 segundos. Intui-se que é um apelo à vida, “ao corpo, à alma e à mente, para que te despertes e conectes ao WiFi universal”.
A repetição de motivos dão azo à improvisação de solos, à exploração sonora… que vai e vem consoante o feedback do público. Uma liberdade admitida pelos próprios músicos que, ainda assim, se entrelaça entre as diversas vozes - às vezes em conversa ou acompanhamento, outras vezes subtilmente, quase sem dar por isso. Esta diversidade de recursos expressivos e efeitos sonoros, quer improvisados ou de composição; a manipulação sonora com recurso à polifonia áspera e impressionante do saxofone de Ariel, o mixer; a flauta, os ritmos, as teclas ou as notas etéreas sacadas pelas mãos de Javier e da sua guitarra que, de repente, lhe retiram o estatuto de acompanhante para algo mais; os gritos cantados de Kumar que ressoam com algo ancestral no ouvido…
Com tanta coisa a acontecer no tempo, o ouvinte mal se apercebe que se encontra já num segmento distinto desta música que antes parecia previsível. O padrão repetitivo dos seus temas – que esconde inúmeras e demasiado fugazes, efémeras e complexas camadas –, permitiu ao ouvinte a ilusão de adivinhar exatamente o que vinha a seguir enquanto, em realidade, a transformação aparecia matreiramente. Por cima do ritmo agitado, sacudido e percutido, soa a voz de Kumar, com a natureza interventiva das suas palavras quase passando despercebidas… Por entre o discurso, lança a pergunta que perdura no ar: “¿por que será que lo que más nos gusta es lo que más nos envenena?”
Este ‘verso’ retórico permite um vislumbre da conexão humana que almejam os músicos. Trata-se de uma música interventiva à sua própria medida. Uma música que tenta relembrar a importância da união sobre os separatistas; sobre os detalhes que nos diferenciam, que nos “distanciam e nos separam” e que pretende “cultivar o abraço”. Ariel afirmou ainda que este projeto desfrui de uma conexão que não se pode expressar bem em palavras. O músico relaciona esta conexão com algo que sabemos intrinsecamente, mas não temos razão para explicar: a alma.
E eis que chega a última música. O público, sentado ou bailando em transe quase possuído, pede por mais. O trio pergunta-lhes se têm a certeza do que estão a pedir, porque todo este processo leva o seu tempo; as suas canções são longas e demoram mais do que os 15 segundos a que estamos habituados – informa Kumar ao público. E o público magnanimamente acede (ou pede por favor). E para aqueles submersos, o transe continua por mais uma longa, criativamente caótica e organizada, boémia-alternativa-jazzística-afrocubana-eletrónica… única e ímpar canção.
No final deste fora-do-ordinário concerto, foram-me oferecidos quatro minutos com os músicos. E, agradecendo imensamente as palavras trocadas, aqui transcrevo a conversa na sua totalidade, em espanhol, que vale a pena ler:
¿Qué se siente después de este concierto? ¿De tener la música vibrando en el aire, de tener gente comiendo (lo que supongo que no será el concierto más típico para vosotros), pero que aún así teniendo gente que haya abandonado sus mesas, levantado y empezado a bailar… que incluso se podría decir poseídos por vuestra música? ¿Qué se siente?
Kumar: Para nosotros, la primera siempre reunirnos es un pretexto para compartir y dejarnos sentir. Es un proyecto que aunque tenemos canciones en desarrollo, hay mucha libertad, entonces también un poco va mutando en función también de la conexión que vamos teniendo, ¿no? Por eso hay momentos muy solemnes, momentos muy suaves, hay momentos de risa y… para nosotros siempre es una alegría cuando aparece esta complicidad, no cuando de pronto yo subo la vista y los dos atrás ahí bailando ya. ¿Bueno, no me lo esperé porque si estamos aquí están comiendo, sabes? Y lo más, lo más sorprendente es que una de las personas que estaba bailando había llegado y no estaba muy convencido que quería pagar la entrada o no. Y después, al final, ha estado bailando desde la segunda o tercera canción. Ha venido aquí, quería saber más. Muy reconfortante para nosotros ver todo esto. Que nosotros lo hacemos sobre todo con la pretensión de compartir, liberarnos y experimentar cosas para nosotros mismos. Poder tener esa complicidad, da igual el lugar, es un regalo, así que nos da la confirmación de que tenemos que hacerlo más a menudo.
Ariel: Para mí es una evidencia de una forma, una de las utilidades que se extrae de la música, una de las más importantes que es generar vínculos. En este caso: amor, en sonrisa, vínculo en expresión… sentir a las personas… ósea, a nosotros nos gusta hacer música, pero está como… abierto, no solamente lo que acontece aquí, sino también a la energía que está fluyendo en el espacio, en el espacio que estamos compartiendo. Asumiendo que el concierto no es solo propiamente para nosotros, los músicos, sino es una experiencia en sí. Que estamos viviendo todos lo que estamos en la zona.
Por tanto, el factor de la vibración propia de las personas, de la atención que le están dando a lo que estamos haciendo; de decir sí, realmente están montando en este viaje que estamos ofreciendo. Eso tiene un peso para nosotros, no?, tiene una relevancia y lo tomamos en cuenta a pesar de estar muy metidos en la propia música, en nosotros y en escucha.
Pero sí, es hacer música que no tenga su punto de irreverencia. O sea, que todo lo contrario, que esté todo el tiempo sumando, que se exprese de esa unicidad, que tanto necesitamos los seres humanos, en este afán moderno de estar separando. Fijándonos en nuestras diferencias, en las cosas que nos distancian y nos separan. No en las cosas que verdaderamente existen para unificar, para cultivar el abrazo. Y el proyecto, afortunadamente goza de esa conexión. De eso que es que no se puede expresar bien en palabras, pero que sucede una sensación – que yo la atribuyo al alma porque es una cosa que se sabe, pero no puede explicar del todo.
Sinopse oficial da banda:
"Proyecto que parte de la experimentación, la improvisación y la vinculación de instrumentos de diferentes procedencias. Una exploración tímbrica que, partiendo de temas propios, toma como materia prima el jazz, el folclore afrocubano, la música clásica europea, la electrónica y la reflexión poética como manifestación creativa. Una invitación a echar a volar los sentidos mientras el corazón marca el paso de la emoción."
Mariana Rodrigues