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Duas amigas entram num concerto da Rosalía…

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(Fotografia de Catarina Fernandes)



Sem saber exatamente para o que vão. Sabem o tipo de outfit que é aconselhado levar (de preferência algo vermelho e provocador que não limite os movimentos e permita dançar), que toda a maquilhagem é completamente bem-vinda (de qualquer forma, cor e feitio), e que dá jeito ter umas quantas palavras em espanhol e catalão no repertório.


Quando entrámos no Altice Arena no passado domingo, dia 27 de novembro, chegámos em cima da hora – para variar – e não sabíamos bem o que esperar. Não esperávamos, de certeza, que a primeira música apresentada pela tour de Rosalía fosse “MATSURI-SHAKE”, da banda japonesa Ni Hao!. Mas o som do motor de motas a aquecer, prontas e a preparar-nos para o que aí vinha, apareceu logo a seguir para nos aguçar o ouvido. Rosalía entrou em palco equipada com um capacete, um grupo de oito dançarines a condizer e um fato completo de motard. Carregaram no acelerador com “SAOKO”, primeira paragem da viagem que é MOTOMAMI.


Nas duas horas seguintes, fomos de boleia com a motoqueira, no lugar do pendura, pelo seu vasto leque de reinvenções: “yo soy muy mía / yo me transformo”, canta na música inaugural. Temos uma artista furacão que demonstra uma facilidade descomunal em conciliar, no mesmo espetáculo e sem interrupções, atuações dignas de fenómenos virais, como a dança TikTok de “BIZCOCHITO”, uma inovadora bachata sob a forma de “LA FAMA”, hit instantâneo gravado com The Weeknd, e momentos fenomenalmente vulneráveis, como quando ficou sozinha em palco – sozinha não, com a sua guitarra –, para cantar “Dolerme”.


O seu caráter eclético surpreende em palco tal como fizera na sucessão de discos: presenciamos o crescimento e emancipação de uma artista que não teve medo de se metamorfosear ao longo dos seus longas-durações. Uma artista que tem vindo a cimentar uma posição de rainha pop que não se deixa estagnar. Em ode a esta sua capacidade de amalgamação bonita de ritmos e influências, seguiu com um mashup de “DE AQUÍ NO SALES (Cap. 4: Disputa)” (do seu segundo disco, El Mal Querer) e “BULERÍAS” (do seu terceiro, MOTOMAMI), com direito a coreografia no meio: só Rosalía para abanar a cabeça ritmadamente da forma mais cool possível depois de dançar flamenco rodeada da sua crew.


Uma “motomami” (ou “motopapi”, sem espaço para preconceitos) não é só uma badass poderosa que luta pelo que quer sem medos: pelo contrário, sabe que o poder também está na vulnerabilidade. Vemos isto em primeira pessoa quando, de seguida, Rosalía se senta numa mota composta de dançarines para cantar a música que dá o título ao álbum, para logo depois explicar, de forma comovida, a origem de “G3 N15”, cantando esta nostálgica balada com o octeto de dançarines adormecides no chão. Somos transportados por esta dualidade sempre acompanhados da voz melodiosa e potente da cantora, que volta e meia se vira calmamente de costas para nos presentear um dos melhores twerks que aquela arena já deve ter visto, como aconteceu durante a música seguinte, “Linda”, colaboração altamente dançável com Tokischa.


“LA NOCHE DE ANOCHE”, dueto com Bad Bunny, foi cantada em conjunto com membros do público depois de a artista saltar do palco e passar o microfone aos fãs delirantes (e sortudos) que estavam na primeira fila e tiveram a oportunidade de cantarem para e com Rosalía. Esta primeira parte do concerto passou ainda por “DIABLO” e “HENTAI”, faixas de MOTOMAMI, ambas tocadas com o pé fora do acelerador. Rosalía sentou-se primeiro numa cadeira de barbeiro para retocar a maquilhagem e o cabelo e cantar “DIABLO”, e depois seguiu, mais uma vez sozinha, para tocar “HENTAI” sentada ao piano, um dos momentos mais íntimos e angelicais do concerto – o que contrasta, de forma inteligentemente perspicaz, com o caráter lírico provocador da música.


Por entre uma mescla ibérica, Rosalía foi praticando algumas palavras em português enquanto nos agradecia com o seu sotaque e sorria de forma emocionalmente genuína. “Eu gosto de partilhar este momento com vocês”, disse, ainda antes do final da primeira metade. E nós passámos o resto do concerto a tentar retribuir o agradecimento.

 



Maria Beatriz Rodrigues




Segunda parte do concerto da Rosalía no Altice Arena, Lisboa


Ela bem nos disse que se transformava numa mariposa... O momento que se segue é o da segunda parte do concerto da Rosalía. Depois da sua emocionante entrega na cover de La Factoría “Perdóname”, que levou toda a gente às lágrimas (incluindo a própria), ainda teve a bravura de tocar “De Plata”, tema do seu primeiro álbum Los Ángeles, onde mostra toda a sua capacidade vocal, a influência do flamengo na sua música e onde pega na guitarra acústica pela primeira e última vez em concerto (o que não deixa de ser uma pena, mas a realidade de Rosalía agora é outra e aceita-se de bom grado).  O momento mais mediático foi quando Alberto, fã de Espanha que visitou o nosso país para a ver, subiu ao palco e recita de forma irrepreensível parte do abecedário com as palavras que representam cada letra, tal e qual como se ouve em “Abcdefg”; Rosalía só o interrompe na letra “L” – que não consta no tema original – para evocar Lisboa, com enorme entusiasmo. Em 2019, no NOS Primavera Sound, já nos tinha explicado a sua admiração por Portugal e pela língua portuguesa, aprendizagem que veio a melhorar de 2019 para cá.




(Fotografia de Maria Beatriz Rodrigues)


Voltamos a ouvir a artista Tokischa, apenas em gravação, quando Rosalía tocou “La Combi Versace”. É importante saber ou relembrar que Rosalía é uma das figuras capa de Canada, produtora baseada em Barcelona, Londres e Los Angeles, agora com escala global, que reúne diretores e fotógrafos para a produção de telediscos e publicidade de marcas caras, como a Versace. Canada viu em Rosalía e conterrâneos como Yung Beef – estrela trap em Barcelona, sem qualquer tipo de talento, ao contrário de Rosalía – estrelas para serem a capa de determinadas marcas e produtos, algo que nos ajuda a perceber o fascínio pela moda luxuosa, pelos estilistas e a origem de músicas como “La Combi Versace”. Ainda na atmosfera trap, Rosalía tocou “TKN”, música colaborativa com Travis Scott, e “Yo x Ti, Tu x Mi”, tema com Ozuna, música que bebe do reggae para criar um hit reggaeton, que divertiu portugueses e espanhóis. “Gasolina” de Daddy Yankee foi o fio-condutor perfeito para a pausa de dança, onde pudemos ver uma enorme quantidade de dançarines – lembrou a energia do concerto de C. Tangana na edição deste ano do Super Bock Super Rock, também com casa e palco cheio, no mesmo sítio – em estado de euforia. Ouvimos o seu mais recente single “Despechá”, que provocou a loucura na altura do seu lançamento e no concerto, com 20 mil corpos a mexer. Também tocou temas do Motomami Deluxe – “Aislamiento” e “Chiri” – e uma versão acapela da “Blinding Lights” do seu amigo The Weeknd, mais bonita ainda que a original. Preparou o terreno para cantar “Como un G”, cuja prestação foi perfeita (adjetivo matreiro, mas que deve ser empregue quando se fala de Rosalía ao vivo).




(Fotografia de Catarina Fernandes)


Houve tempo para recordar “Malamente”, um dos temas mais ressonantes de El Mal Querer, e Rosalía fechou o concerto “Con Altura” – literalmente – single de 2019 com El Guincho e J Balvin. O público ainda estava extasiado quando Rosalía regressou para o encore – uma motomami não perde tempo! – e tocou uma canção que não podia faltar no concerto: “Chicken Teriyaki”. Em entrevista, Rosalía disse que foi a música mais divertida de gravar e produzir e o efeito feedback é recíproco, já que o tema tem tanto de qualidade como de animação. É impossível ficar-lhe indiferente. Ouvi-la ao vivo foi tão delirante como ouvir qualquer outro tema de Motomami com um registo onde o jazz, o reggaeton, a pop, o hyperpop e o trap se misturam e se cumprimentam uns aos outros como se fossem amigos. Para o intercalar, Rosalía deslumbrou toda a gente, quem já a tinha visto e quem a viu pela primeira vez, com canções onde mostra tudo o que a sua voz tem para dar, como se ouviu em “Sakura”, com um amigo de há já uma década no piano para a acompanhar. Enxugadas as lágrimas, Rosalía despede-se com “CUUUUuuuuuute”. Parece uma canção excelente para terminar o concerto já que esta esta resume a variedade musical de Motomami. “CUUUUuuuuuute” é uma espécie de compilação de duas ou três músicas numa só, verdadeiro exemplo do engenho fabuloso de Rosalía, deixando o lembrete ideal para quem a viu e para quem a vê: “mariposas sueltas por la calle / para verlas tienes que salir / míralas, no pierdas detalle / habrá quien te falle / pero yo sempre estoy ahí”.


No concerto da latina que já fez história na música em tão pouco tempo, dançou-se tanto como se chorou – assim é a vida. O concerto foi uma verdadeira máquina musical e estética em perfeito funcionamento – os operadores de câmara e os técnicos de produção foram fora de série – desenhada de forma específica para Rosalía, para o Motomami e para a sua crew de dançarines. Este polimento também nos leva a refletir sobre o facto de Rosalía poder ser ou não percecionada como um produto. Deixo a provocação no ar como se tratasse de um zumbido de uma mota, mas uma coisa é certa: o talento de Rosalía é imensurável – não só sabe muito sobre música (estudou na Escola Superior de Música de Catalunya, com o nosso Salvador Sobral, especialidade da minha companheira de concerto, Maria Beatriz Rodrigues) como a sente na pele. Enfim, na “Chiri” ela bem nos diz que a rua está apaixonada por ela, e ela apaixonada pela rua. Bateu tudo certo.




Catarina Fernandes






O concerto da Motomami World Tour deu-se no domingo, dia 27 de novembro, no Altice Arena, em Lisboa.


Palavras-chave: “música ao vivo”, “pop”, “flamenco”, “música latina”

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