Deus, nosso Senhor no Céu, Wilco em Paredes de Coura
Está encerrada a época balnear e festivaleira. A poeira já assentou e recordo aquilo que mais me comoveu. Seguro firmemente a caixa de memórias do verão e, abrindo-a, a conclusão é a seguinte: o melhor concerto que vi durante o verão foi o da Björk, na passada sexta-feira, enquanto cumpria o barbenheimer da música alternativa, mas não é sobre ele que escrevo hoje. Mostro-vos a caixa e o que mais nela reluz é a memória de há não muito tempo, no final de agosto, no último dia do festival Paredes de Coura, quando tocou Wilco.
Se a emoção já tinha sido forte quando a banda de Chicago foi confirmada no cartaz da 30.ª edição do festival minhoto, no Natal do ano passado, escusado seria pensar que o concerto em si não me levaria ao estado em que me deixou. Antes do concerto, claro está, fiz o trabalho de casa e dediquei-me a saber mais sobre a história de Wilco – uma banda liderada pelo maestro Jeff Tweedy, compositor/vocalista/guitarrista, que me parece passar ainda despercebida exceto quando o assunto é o álbum Yankee Hotel Foxtrot (que levou o derradeiro e tão merecido 10 na Pitchfork), como se fosse, porém, a única pérola que a banda produziu. Sobre a história da banda, não adianto nada, já o fiz noutro formato com o Luís Oliveira, onde se consegue escutar uma espécie de best of, nada mais nada menos do que um catálogo de músicas maravilhosas de Wilco escolhidas a quatro mãos/ouvidos. Sobre o concerto, digo-vos que foi estupidamente bonito.
Um começo bem mais comprido ao vivo do que em estúdio com “Spiders (Kidsmoke)”, que serviu logo para puxar pela memória, levando-me a 2004 e a A Ghost is Born, álbum do qual os norte-americanos se serviram para resgatar a linda e problemática “Handshake Drugs”, canção que conta a história de Jeff Tweedy com um jovem farmacêutico seu fã, que, em troca de bilhetes para concertos, duplicava ou triplicava a medicação que Tweedy tomava para as enxaquecas e na qual se viciou (e eu dizia que não ia falar de história…), e outras como “Humming Bird” ou “The Late Greats”. O cardápio teve Cruel Country, o mais recente álbum de Wilco, lançado no ano passado, contestatário e contra o governo de Trump – de onde se ouviram a música homónima, “I Am My Mother”, “Bird Without a Tail / Base of my Skull”, deixando para trás, com muita tristeza minha, “Hints”, “Ambulance”, “The Universe” e a mais bela “Tonight’s the Day”.
Uma música do Being There, o segundo trabalho da banda, ainda da década de 90, outra do Star Wars, outra do The Whole Love e… apenas uma do Sky Blue Sky e outra do Summerteeth (mais! mais! queremos mais!), que, embora arrebatadoras, souberam a pouco. Afinal de contas, uma das músicas era a “Impossible Germany”, que, com um jogo de guitarras soberbo entre Tweedy e Cline, deixou o mundo em pausa, e a outra foi guardada para a despedida: como quem não quer a coisa, Tweedy e a troop disseram-nos adeus! com “A Shot in the Arm”, uma outra canção perfeita de Wilco! –. Foi uma oscilação intensa entre algo-muito-muito-especial e algo parvo, quando como se ouviu “Random Name Generator”, aleatória em toda a sua génese, para mais tarde se ouvir “Misunderstood”, que hipnotizou toda a gente, do comum ao urbano-depressivo, e dois hits do Yankee Hotel Foxtrot, “Jesus, Etc” e a “I Am Trying to Break Your Heart”.
O alinhamento de Wilco foi uma jogada manhosa: quando era especial, era um verdadeiro pranto, mas, quando deixava de ser, era revoltante, pois é sabido que Wilco tem a rara capacidade de oferecer um concerto de pérolas, sem areia… Enfim, podia ter sido o concerto perfeito. Não o foi porque foi curto e o alinhamento não foi o melhor, considerando o material de excelência que a banda tem. Mas foi o que foi. O queixume é apenas técnico. Foi ridiculamente bonito, na mesma. Imagine-se se não tivesse nada a apontar… Talvez ainda possa ter a sorte de não o fazer, se a banda voltar cá, em nome próprio, numa sala apenas para si, sem tempo contado, na altura do lançamento do álbum que tem já data marcada para o fim do mês, produzido pela amiga e talentosa Cate Le Bon.
Catarina Fernandes