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A dança de Joly Braga Santos com Ligeti

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No passado dia 27 de maio, no Picadeiro Real, fui presenteada com Três Concertos, como o próprio título do concerto indicou.  Neste evento destaca-se a estreia absoluta do Concerto para Violino e Orquestra, acompanhado pelo Concerto para Cordas em Ré, de Joly Braga Santos e o Concerto Romeno, de György Ligeti (revisto em 1990).


Dedico este artigo à escuta das obras de Ligeti e de Joly Braga Santos, já que depois do concerto já várias vezes as fui ouvir, compreendendo as suas ligações e conexões intrínsecas, tornando a junção destas duas obras num concerto algo especial.


Os ouvidos do público são despertados pelas sonoridades graves do concerto de Braga Santos, com as violas, violoncelos e contrabaixos. Entram em seguida os violinos que apresentam um tom de prólogo, também num registo grave. Esta sonoridade densa contrasta com os momentos solísticos que se seguem: com um instrumento de cada naipe, ouve-se a melodia, em constante imitação, a passar suavemente de um violino, para uma viola e para um violoncelo, com a restante orquestra em pianíssimos muito bem conseguidos. Deste primeiro momento surge um primeiro tema, com uma alternância ainda mais acentuada entre solistas e orquestra. A agitação dos dois temas principais caracteriza o andamento, com melodias modais que seduzem o ouvinte pelo seu contorno. Como Rui Campos Leitão indica nas notas de programa, a sonoridade modal deste concerto é de tal modo forte que é daí que advém o título: Concerto em Ré, por procurar estar maioritariamente, no modo de Ré. O Adagio retoma a sonoridade profunda inicial, com um ostinato das cordas mais graves, que nos prepara para a melodia começada pelos segundos violinos, em surdina. Este momento mais íntimo leva-nos para uma sensação nostálgica quase inerente à condução melódica. Depois deste andamento mais lento, seguindo o modelo clássico de concerto, volta-se a um tempo mais apressado – respeitando assim o ancestral Rápido-Lento-Rápido. Com uma expressividade muito própria, sobressaindo vários momentos em pizzicato, este Rondó conduz o público para um espaço mais dançante, a 5 tempos, que são contados pela assistência com um leve bater do pé ou um abanar da cabeça, esboçando um sorriso.


O Concerto Romeno de Ligeti concluiu o dia, em jeito de celebrar o final de tarde, celebrando também o centenário do nascimento deste compositor. Um concerto para nenhum instrumento em particular mas para tantos, simultaneamente: as melodias transitam de instrumento para instrumento, dando pequenos mas marcantes solos a vários timbres da orquestra. Por vezes, vários instrumentos são solistas em simultâneo: no segundo andamento, por exemplo, Ligeti experimenta até uma certa ironia de combinação de timbres, com a união da mesma melodia no piccolo e no fagote.


Este concerto desponta com o som das cordas em uníssono (inicialmente sem a presença do contrabaixo), iniciando uma melodia solene que caracterizará o primeiro andamento. Já o andamento seguinte é assumido desde o início como um allegro vivace, com especial destaque para o motivo do piccolo acompanhado pela percussão. Este andamento traz consigo um ritmo de dança rápido, marcado por sonoridades modais, que nos relembram a atmosfera tradicional de Bartók e Kodály, fortes influências para o compositor, como é apontado nas notas de programa. Com um final em imitação entre vários instrumentos, com subtileza caminha-se para o terceiro andamento: mais lento, enigmático e delicado. A dança do andamento anterior é interrompida e o tempo paira por instantes, como se se observasse uma paisagem – a utilização das trompas com melodias imitativas, como se de um eco distante se tratasse, acentua este mesmo efeito de paisagem: somos levados para um ambiente campestre, onde a trompa teria o seu efeito primordial de chamamento, ecoando pelo campo. Depois de breves destaques dos violinos e do clarinete, segue-se o último andamento, molto vivace. As cordas introduzem uma massa sonora indistinta de fraseios (chegando a regressar-se à mesma a meio do andamento) que se desenvolve num gradual crescendo, adicionando-se instrumentos sucessivamente, até à chegada do tema: uma vez mais, salta-se de instrumento para instrumento (destaco aqui a concertino, o clarinete e a primeira viola) com um ambiente de novo dançável, que o público perceciona com agrado. No entanto, as trompas têm ainda de regressar uma última vez. Toda a orquestra se remete para um pianíssimo, com os violinos em harmónicos criando de novo serenidade: ouvem-se as trompas, com sucessivos intervalos de quarta, até ao culminar do último acorde orquestral.


A ligação entre estas duas obras é surpreendente, vivendo-se, acima de tudo, um constante estar dançante. Verificamos também uma transição clara de melodias entre vários timbres da orquestra, bem como uma atmosfera comummente modal. Um obrigado à Orquestra Metropolitana de Lisboa, a José Pereira e também a Pedro Neves, que, com subtileza e assertividade, conduziu os músicos e, nesse sentido, também o público, a uma dança conjunta.



Sara Maia

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