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2chorizos e o Regresso a Tempos da Adolescência

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Caro/a leitor/a:


Está familiarizado/a com a ideia de regressar a um passado musical ao qual jamais pensou retornar? Refiro-me àqueles momentos de tempo indeterminado que foram tão importantes, que vivemos tão intensamente, que foram definitivamente marcantes e parte da nossa construção enquanto pessoa, porém já não fazem sentido viver outra vez? Soa familiar? Deixem-me dizer que a mim sim. E acho que estava enganada.


Enquanto estudante do incrível instrumento que é o violoncelo, no interior de Portugal, amante de clássica e sendo, ao mesmo tempo, adolescente revoltada com o mundo que naturalmente (ou não) se vira para a literatura, rock e metal, a descoberta de um grupo musical que quebrava barreiras e preconceitos levantados pelo mundo clássico – elitista e isolado, por si mesmo e por outros – foi algo a que a adolescente revoltada com o mundo se agarrou. O nome do duo é: 2cellos.


Naturalmente, a adolescente revoltada cresceu – não que tenha ficado menos revoltada, mas essa é outra história. Mas é verdade que o ouvido também cresceu. E, talvez acompanhando a evolução do menu musical escolhido pelo ensemble, a minha quase obsessão pelos 2cellos foi ficando para trás. É de mencionar, no entanto, que cada vez que alguém duvidava das capacidades do meu amado instrumento e companheiro, que o chamavam aborrecido ou limitador, para além de insultar ditas pessoas, estaria sempre à mão a plataforma Youtube e o videoclip “Thunderstruck” dos mesmos. E ditas pessoas insultadas (mais ou menos burocraticamente) engoliam ditas palavras. [E por isso: obrigada, 2cellos.]


Pelo que, quando alguém que me é querido me oferece bilhetes para a última digressão do duo (pois é… estão a separar-se), no Wizink Center, pensei para com os meus botões que não só devia a minha presença nesse concerto a essa pessoa, como a mim mesma. Por tudo o que já é passado.


Pois… meus senhores e minhas senhoras, a verdade, a meu ver, é que os moços são muito bons no que fazem: fazer rock, encher salas de espetáculos, pôr o público a vibrar e entretê-lo. Tudo isto com 2 violoncelos (e uma bateria; e orquestra de fundo).


(aparte) É de mencionar os técnicos de som, de pirotecnia, de câmara, de luzes que sustentaram o espetáculo e que muito raramente são reconhecidos – a diferença que faz quando os técnicos são bons no que fazem.


Tudo bem que houve umas desafinações meio corrigidas com glissando e uns tempos que iam ficando para trás mas, das milhares de pessoas presentes na sala, quantas terão notado? Em contrapartida, todos gritaram “you shook me all night long” nos refrões devidos, todos cantaram “Halleluiah”, quase certamente todos abanaram pelo menos uma vez a cabeça e se riram quando Hauser apresentou o grupo como “2chorizos” [dos chorizos]. Este senhor, para além dos momentos entretém de “valha-me…” – pensei eu, enquanto escondia a cabeça –, passeou pelo meio do público com o violoncelo com um suporte que lhe permitia correr e saltar (factual), com um aparato na cabeça que cedeu à jovem de violino que autografaram no final do concerto, revirava os olhos a cada vez que se repetia um segmento da música – tendo em conta a natureza da música pop, isso acontecia… de vez em quando, digamos – e ainda, suponho eu que por se aborrecer, enquadrou um excerto da “Lambada”, no meio de “Seven nation army”... É verdade que, estranhamente… ficou bem. Uma mescla que nunca se me ocorreria fazer. O que será que o Jack White pensaria?


Por outro lado, Luka, o violoncelista que por excelência se encarrega dos baixos, harmonia e tempo, mais uma vez me impressionou pela sua resistência física de braço e pulso direito [eu só imagino as tendinites que o rapaz já deve ter tido], e pelas suas interações com o público. Passo a exemplificar: depois de 1) rebentar talvez 70% das cerdas do arco e 2) gastar cerca de 65% da capacidade das cordas – agradece-se que os violoncelos fossem elétricos, sim (imagine-se se não fossem) –, e após levar o público à loucura, perguntar gritando se querem ouvir mais, responde ao rugido do público com o “okay” mais simpático, simples e fofo já ouvido naquela sala de espetáculos imensa.


Agora, levaram o público ao rubro? Sim. Podem ter tocado uma nota errada pelo meio? Possível. Tocaram com paixão? Sem dúvida. O público sentiu isso? Sim. Segundo a frase atribuída a Beethoven, (parafraseando) a nota errada está permitida, tocar sem paixão não. [E agradecemos a quem temos de agradecer isso, de contrário os meus anos de secundário teriam sido ainda mais difíceis – muito obrigada, Professor!]


Talvez devêssemos deixar cair alguns preconceitos. Deixar de ter tudo num pedestal para podermos aproveitar a música, simplesmente. Divertir-nos. Permita-se-me dizer que eu o fiz: gritei, saltei. Estes moços trouxeram o violoncelo de volta às massas. Como tudo, isso tem consequências, mas para quem é a música se não para o povo? “Povo” dito no sentido mais lato e não restritivo da palavra, claro. Não levemos tudo tão a sério, como diz Martim Sousa Tavares nas palavras de John Cage – não sei se algum deles aprovaria o uso desta citação transcrito para este contexto, mas pronto. O que é certo é que a minha adolescente revoltada e representada ia ficando sem voz, gritando dentro de mim em meio ao coro de milhares de pessoas.


Esta crónica não se escreveu da forma que se previa, mas o mesmo se passou com as minhas espectativas do concerto.


Por último, caro/a leitor/a: que não se ataque muito esta simples crónica, mesmo que os 2cellos pareçam ser os Nickelback dos violoncelos.



Mariana Rodrigues

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